NAYRA GANHITO [1]
Aconteceu em 21 de maio último no Instituto Sedes. Para Maria Ângela Santa Cruz, que pautou sua vida pelos projetos, ações e criações coletivas e os prezou como ninguém, o emocionado e emocionante evento público em sua homenagem teria surpreendido. Intensa como era, nossa querida Ângela teria rido e chorado conosco, em meio a abraços, diante de tamanha expressão de reconhecimento - um reconhecimento que nem sempre foi evidente para ela.
Organizado carinhosamente por uma comissão inter-institucional (Clínica, Departamento de Psicanálise, Diretoria, Núcleo de Cursos e Funcionários), foi uma rara oportunidade hoje em dia de se poder estar juntos no pesar, na tristeza, mas também na admiração e na gratidão por alguém que partiu – tão precocemente, no caso de nossa colega, amiga, companheira. Grupos e instituições com quem trabalhou, familiares, companheiros de luta, mas também o microfone aberto a quem quisesse se manifestar fizeram desta noite, nas palavras de Dodora, um verdadeiro “momento de celebração da vida, de lembrar, de ter saudades”.
No convite, a escolha do conhecido excerto de Brecht [2] pela família destacou sua bravura incansável. Na abertura, foi inaugurada [3] uma placa de homenagem na entrada da Clínica do Sedes, que talvez nos últimos 20 anos tenha sido ao mesmo tempo seu campo de batalha, lar e grande obra.
A sucessão de depoimentos, densos e extremamente comovidos, a gravidade da atmosfera e a foto de Ângela projetada no telão durante toda a noite exprimiam bem a sensação de presença/ausência da nossa colega, um momento do trabalho de luto agora facilitado por uma ocasião de elaboração coletiva,tornando-nos solidários e próximos:
“Em diferentes situações ou circunstâncias irrompe uma imagem, uma afirmação, um gesto, um sorriso, uma expressão crítica de contumaz virulência, outra de desbragada ingenuidade, uma cheia de raiva, outra doce e amorosa, uma analítica de uma clareza cristalina, outra com dúvidas cabais, porém não inibidoras das apostas incessantes nos encontros, nos projetos coletivos, nos efeitos do compartilhamento da vida”. Cleusa Pavan.
A dor de uma perda que apenas começa a ser realizada e a marca de intensidade ligada à figura da Ângela tornou a todos um pouco poetas aquela noite:
“Como as árvores das grandes cidades poluídas que “sabem” que vão morrer florescem fora de época e sem parar, Ângela, se sabendo doente, também floriu tudo o que pôde”. Déborah, Projeto Cuide-se!;
“Ela caminhou e, ao caminhar, transformou o caminho por onde passou”. Ana Carolina, grupo de estudos Clínica e Política;
“A memória tem força de gravidade, sempre nos atrai. Quem tem memória vive no frágil presente, quem não tem não vive em lugar nenhum”. Rubens, Núcleo de funcionários;
“Ângela cumpriu um projeto de longa vida, apesar de sua curta existência entre nós.” Dodora parafraseando o pai de um militante assassinado pela ditadura civil-militar.
Os vários testemunhos mostraram como seu trabalho e pensamento eram indissociáveis de seu modo de ser, de sua personalidade forte e por vezes difícil de lidar, mas também da fecundidade dos projetos, das pontes que estabeleceu e das redes que foi capaz de montar, em especial para a Clínica e o Sedes de um modo geral. Grande capacidade de unir forças, de juntar, de articular. Um paradoxo: aquilo que nela foi muitas vezes considerado seu “impossível” e que diz respeito às suas intensidades e excessos não pode ser separado de sua potência, não apenas de levar adiante suas ideias e projetos, mas também de contagiar e unir muitos em torno deles. Radical e disruptiva em muitos aspectos, teve no entanto sua gargalhada franca e ruidosa evocada várias vezes ao longo da noite. Gargalhada que regava as reuniões de vários grupos que coordenou ou participou.
Maria Auxiliadora Arantes, a Dodora, abriu as falas pela Diretoria do Sedes celebrando seu compromisso com a vida cidadã, exercido em sua dedicação e acolhimento aos afetados pela dor e o sofrimento psíquico; aos atingidos pela violência de Estado; aos jovens “excluídos e matáveis”, vulneráveis pela injustiça social. “Não negociou princípios, cumprindo à risca a Carta de Princípios do Instituto Sedes Sapientiae, e manteve como referência as bandeiras da justiça social, liberdade de expressão e defesa intransigente da dignidade da pessoa”.
Andrea Favalli conduziu os trabalhos e também falou pela Clínica. Deu-nos o acesso às palavras da última mensagem de Ângela aos seus colegas de equipe: “Aprendi, em um processo interminável, a fazer clínica na Clínica do Sedes, processo possibilitado por um projeto coletivo que nos impulsionava a experimentar, a inventar, a criar. Clínica criação. Clínica estética. Clínica como obra de arte”. Como em outros depoimentos, apareceu a questão do legado de sua liderança para os grupos e pessoas que trabalharam com ela: “Como nomear essa herança? Ângela era a guardiã das questões clínicas na demanda dos que nos procuram, indignava-se com as paralisias e resistências dos nossos atendimentos, defendia o Projeto Clínico-ético-político nas diversas instâncias do Sedes, não se deixava levar pelo fácil caminho da harmonia da equipe, nos impressionava com sua consistência teórica, clínica e política, tinha a coerência e a fidelidade absoluta aos ideais construídos. Como dar uma continuidade a tudo isso para além da repetição e da mímese?” E citou a última frase da mensagem de Ângela, que diz respeito ao que se pode herdar: “Que aconteça o que melhor pode potencializar a vida em seus processos de expansão”.
Aline Camargo destacou a singular participação de Ângela no Departamento de Psicanálise, desde o momento fundador na construção de um sonho de Departamento, passando pela proposição e atuação no Setor de Saúde Mental, Grupos e Instituições, até a escolha pelo exercício de uma ação “transversal, para além dos limites dos agrupamentos institucionais já constituídos”, na interface do Departamento com outras instituições ou grupos internos ou externos ao instituto. “Este era o jeito dela”, e deste modo difundiu as ideias deste acrescido das suas e enriqueceu o Departamento trazendo as experiências adquiridas com grupos que compartilhavam os mesmos ideais. Foi desta ordem seu intenso trabalho na concepção do Projeto Clínico-ético-político, norteador da implantação dos trabalhos desenvolvidos atualmente na Clínica dos Sedes, “profundamente inovador em modelo de gestão, assistência e formação”, que seria integrado à rede de assistência em Saúde Mental e outras instituições do campo social e cujos resultados se refletiram no Instituto como um todo. Lembrou os anos de turbulência e polêmicas precedentes à implantação deste projeto que anteviu uma clínica “cujas atividades materializassem a visão da carta de princípios do Sedes, comprometida com a realidade social política e a compreensão de um sujeito social e historicamente constituído em suas inscrições inconscientes, dando à prática clínica um outro foco para o lugar do sintoma.” De sua produção teórica, destacou seu trabalho sobre o feminino, especialmente a concepção da pulsão de morte como potência feminina e da agressividade como potência disjuntiva contra a domesticação, o domínio da razão e a ordem fálica. Falou como os textos da Ângela refletiam seu modo de pensar e de agir na vida, seu modo de ser. Afinal, a radicalidade de suas posições gerou afetos e desafetos, mas sempre a produção contínua de diferenças.
Através de Rubens Kushimizu, que falou em nome dos funcionários, soubemos de ações às vezes invisíveis que desempenhou no Instituto. Entre elas, conversas sobre a saúde mental dos funcionários, que lhes “abriu o mundo terapêutico” e conversas sobre melhorias do refeitório. “Falávamos de política até o fim, através de WhatsApp, trocando endereços eletrônicos dos deputados federais... deu no que deu!”.
Vários familiares de Ângela se pronunciaram. Ouvimos Da. Narcisa, sua mãe (“7 filhos e 3 maridos, 92 anos”), dizer: “Nunca vi uma criatura tão corajosa como minha filha. Lutou e foi rígida no que fazia”. De como enfrentou a doença trabalhando até o último momento a ponto de ser difícil visitá-la, e de sua preocupação com seu casal de filhos e dois agregados. Daniel, seu filho que está nos EUA, enviou um áudio do qual foram extraídas algumas palavras. Andrea, sua sobrinha, falou como seu percurso e posições ético-políticas deixaram marcas profundas nos irmãos e 14 sobrinhos, influenciando suas trajetórias profissionais. Dos 7 irmãos, 2 são psicólogos e uma médica, entre os sobrinhos há 3 cientistas sociais e 4 estão na área da saúde ou educação. Do pensamento de Ângela destacou seu modo de conceber as condições da produção de subjetividade - porque somos o que somos, na sociedade do controle e de como associou psicanálise, filosofia da diferença, antropologia etc. para pensar a clínica. Compartilhou as preocupações de Ângela com as ameaças à democracia do país, arduamente conquistada, por um governo interino que desmantela rapidamente anos de construção. “Estamos órfãos, mas não despreparados para lutar. Lutemos pela democracia”. Silvio, seu sobrinho, disse que ouvindo as pessoas percebeu quanto foi afetado pela Ângela em seu trabalho na Saúde: “Seu legado está em mim, sua coragem de afirmar a vida diariamente. Partiu plena e virou estrela”.
Marcia Porto Ferreira, do Grupo Acesso, insistiu no modo como ela se deixava afetar e afetava os outros: “provocava afetos e desafetos, por isso ela faz falta. Se pudesse estar aqui, estaria agitando...”. Dos embates com ela, afirmou sentir enorme gratidão: “aprendi que não se deve ceder em nossas lutas e que devemos ser indignados”.
Déborah de Paula Souza, do Projeto Cuide-se! abriu sua fala com a linda imagem citada acima sobre o florescimento contínuo da Ângela diante de morte que sabia próxima. Contou da honra e do prazer de trabalhar e aprender com ela atendendo grupos de adolescente em parceria. “Era brava pra caramba, acho que os adolescentes a adoravam e eu também. Sou testemunha de seu amor profundo pela vida, não só a dela, mas de todos nós. A vida como gostava de viver, no coletivo, incluindo suas dores e contradições; ela incluía tudo”. Falou, como tantos outros, das preocupações de Angela com os rumos que o país vem tomando, aqui representado pelo entusiasmo com o movimento dos secundaristas desde 2015 e a revolta com a repressão que eles vêm sofrendo.
Priscilla Prada falou pelo NURAAJ, Núcleo de referência e atenção à adolescência e à juventude, que Ângela concebeu e coordenou por alguns anos: “’O que dói?” Essa era a pergunta corriqueira da Ângela sobre a clínica”. Pergunta que agora reverbera na ferida não cicatrizada que sua ausência significa para o grupo. “Guerreira, batalhadora, afetada pelos afetos de adolescentes e familiares – territórios mais árduos do que férteis, como no país. Em sua posição de resistência, carregava todas as dores que podia carregar. No fundo, capaz de grande doçura e foi isso o que nos agrupou”. Falou da sua capacidade de falar sobre o que afeta, como fez por Skype em seus últimos dias e que, inspirado em sua herança, este é um grupo que vai continuar.
Cleusa Pavan a grande amiga, companheira de estudos e de lutas expressou a dor pela perda irreparável, a saudade e sua admiração. Ao enumerar os projetos que compartilhou com a amiga, nos deu uma ideia da diversidade e importância dos projetos em que Ângela esteve engajada: “Compartilhamos Clínica, Curso no Sedes, Curso na F. de Saúde Pública, Projeto Clínico Tortura Nunca Mais do RJ, Grupo Clínica Transdisciplinar, Movimento da Luta Antimanicomial, Análises Institucionais em diferentes espaços, Política Nacional de Humanização...Compartilhamos, enfim, desejos e sonhos mil”.
Nomeou o posicionamento de Ângela como de “resistência contra todas as formas de esmagamento de vidas”.
“A vida institucional foi um dos objetos de seus intensos investimentos desde cedo, tendo sido o Sedes uma verdadeira “escolha de objeto”. O Sedes é testemunha deste destino de pulsão (...) do poder de construção e desconstrução que tais investimentos tiveram”. Sublinhou a intervenção que o Projeto Clínico-ético-político para a sua Clínica Psicológica produziu “nos Cursos, nas Equipes Clínicas, nos usuários dos serviços, nos estagiários, na diretoria deste instituto, que teve que se haver com inúmeros conflitos e tomadas de decisões nem sempre condizentes com os desejos dela e (...) dos envolvidos com as disputas de sentido em jogo na implementação de um Projeto Coletivo de Intervenção. Disputa de sentido diante da qual ela não fraquejava”. Comemorou a crença da Ângela na possibilidade de sustentação dos princípios éticos alinhavados a muitas mãos durante anos de trabalho de transformação da Clínica Escola em Clínica de Serviços, “uma Clínica com função social onde o Social não se punha mais como a mera atenção à população pobre e/ou o fornecimento de objetos para o aprimoramento dos cursos, mas interferência nos modos de atenção e gestão do trabalho clínico, (...) nos modos verticalizados e autoritários de gerir e organizar processos de trabalho,(...) na produção de sujeitos e subjetividades, nos modos serializados, padronizados e servis de viver a vida no contemporâneo”.
Contou algumas passagens dos conflitos em torno da implantação do Projeto e de sua continuidade – uma história que ainda está por ser contada. “Ângela foi incansável. Cansou muitos também e, coerente consigo mesma e com o Projeto da Clínica, ajudou bravamente a lutar contra a desconstrução de um modelo de gestão compartilhada para a Clínica dos idos de 94-95 e interrompido nos 2000, permanecendo firme na luta apesar da interrupção e dos modos em que esta se apresentava. E, que luta! Dela muitos aqui são testemunhas.”
Lembrou também o Curso Adolescência e Juventude na Contemporaneidade: suas instituições e sua clínica, experimento em parceria com Ângela e outros colegas que durou alguns anos, cuja publicação em livro prometeu para breve.
Muito emocionada, contou que Ângela fez saber ao NURAAJ, Diretoria e colegas de seu desejo de que Cleusa viesse a se ocupar da coordenação deste Núcleo após sua partida, e de como declinou o convite: “Ângela sabia desde sempre de algumas das condições em que eu poderia vir a responder positivamente, tendo tido a história que tive nesta Clínica. Portanto, declinar não me faz devedora porque dívidas não cabiam entre nós”.
Ana Carolina de Barros participou do Grupo de estudo clínica e política, criado no 2º semestre de 2015. Lembrou as discussões fervorosas das noites de 6afeira, “inundadas de carinho, nas quais nos emocionamos e rimos”. O ponto de convergência do grupo era um modo de se fazer clínica ciente de que “o fazer terapêutico pode ser ferramenta tanto para a alienação como para a subjetivação e de que nosso paciente não está no éter, mas no mundo, como dizia Ângela”. Por isso nossa posição de analista e de classe deve estar sempre em análise. Lembrou a assertividade afiada de nossa colega afirmando que “ninguém saía ileso no encontro com a intensidade de Ângela.
Uma das falas mais tocantes e significativas foi a de Camila, paciente da Ângela por 10 anos e que esteve com ela até as últimas semanas. Leu uma carta endereçada à sua analista, que entretanto não chegou a recebê-la. Suas palavras foram um precioso testemunho tanto da potência da clínica que Ângela praticava como de sua apropriação do percurso que desenharam juntas: “Quando paro pra pensar em todo meu processo de análise, penso numa intensidade tremenda. Uma intensidade que antes só me transbordava e que foi cabendo em mim conforme você foi me ajudando a ter mais corpo, a ser maior. (...) É isso que eu sinto que você fez comigo, acreditou que eu era mais e foi me empurrando pra dentro de mim, criando novos espaços que eu não conhecia. Me ajudou a construir um corpo que além de se ocupar pôde também ocupar palcos e abraços, um corpo alegre e otimista que está aprendendo a ser triste também. Afinal tem que haver espaço nele para as lágrimas que me transbordam, como você vinha me mostrando.(...) Tenho a sorte de ser uma das pessoas que você aumentou”.
Prestaram ainda sua homenagem, entre outros, Agnaldo, do Conselho Regional de Psicologia de SP; Luciana Roos que a conhecia há 20 anos e fez parte do NURAAJ; Maria Laurinda que enviou uma carta onde destacou na colega a “crença na transformação da subjetividade dominante”; Maria Cristina Vicentin, também por carta, lembrando os muitos anos de partilha de grupos e coletivos e a intensa interlocução que mantiveram em torno de seus trabalhos respectivamente na PUC e no Sedes, destacando sua concepção de uma “clínica da afetabilidade” capaz de combater as formas de patologização e criminalização da adolescência. Por último, uma homenagem musical traduziu a força e emoção de Ângela - que adorava música -, com canções escolhidas pela comissão e que ressoaram o espírito e a sensibilidade de nossa colega[4], interpretadas pela simpática Erane Paladino, professora do curso de psicoterapia e intervenção psicodinâmica em situações de crise no Sedes, acompanhada de Flavio Ianuzzi.
Peço licença para deixar ao lado de todos estes o meu próprio testemunho. Minha convivência com a Ângela se deu no período “heróico” dos anos que precederam a implantação do Projeto Clínico-ético-político na Clínica do Sedes. Foram 5 anos de convivência cotidiana, intensa, marcada logo de início por um encontro de afinidade de pensamento e mútuo reconhecimento e, em seguida, de grande cumplicidade frente às forças que se opunham ao avanço do Projeto que estava se esboçando. Foram anos muito difíceis, que nos exigiram o máximo de dedicação e de esforço teórico, político e emocional: o movimento na Clínica era fonte de resistências francas por muitos setores do Instituto, internos e externos à Clínica ou era, no mínimo, recebido com muita ambivalência. Neste contexto, Ângela foi uma interlocutora de inteligência incomum e uma companheira extremamente leal – do tipo que, em momentos de bom enfrentamento - seja por fraqueza ou malícia -, jamais te deixa na mão.
Apaixonada sempre, me considerou ora “traidora” ora “visionária” quando deixei a Clínica após um ano da implantação do Projeto. Exageros que recebi com o mesmo entendimento do jeito da Ângela expressar seus afetos, sendo esta característica outra afinidade que nos aproximava. No momento em que percebi que a radicalidade da proposta inicial se esvaziaria, quis desistir, achei que havia cumprido minha parte. Ângela resistiu e, pagando talvez um alto preço, conseguiu criar e fazer florescer os inúmeros desenvolvimentos dos quais tomamos conhecimento aquela noite. Depois disso nos vimos algumas vezes, sempre casualmente, sempre com prazer e respeito. Lembro especialmente dos momentos em que saíamos de reuniões difíceis no Sedes – já por instâncias diferentes - pra fumar um cigarrinho e reclamar um pouco, com as poucas palavras de quem se entendia rapidamente. Houve dois encontros fortuitos na rua em que nos abraçamos e trocamos confidências. Foi assim que soube de sua doença, mas num momento em que se acreditava recuperada. Nosso último encontro foi na III Jornada do Feminino, no ano passado. Lembro de olhar o folheto de divulgação do evento e constatar, com um sorriso, que a Ângela coordenaria a mesa em que eu iria falar, da alegria de contar com sua companhia nestas circunstâncias que sempre são de pública tensão. Lamento muitíssimo não ter me despedido dela como desejei quando, tardiamente, tomei conhecimento do quanto adoecera novamente: no fim de semana que seus familiares nos reservaram um horário de visita, ela entrou em coma. Por isso este escrito é minha despedida, meu abraço, meu jeito de celebrar nosso encontro.
Termino com nosso profundo agradecimento à iniciativa do pessoal da Clínica e a todos que ajudaram a organizar esse encontro da forma encarnada em que ocorreu, tão longe da homenagem formal quanto se pode ser, e a todos os que, ao falar de sua experiência movidos pela figura humana de Ângela, nos tornaram mais próximos, mais verdadeiros e melhores... Como disse sua paciente, ela nos fez maiores.
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[1] Psiquiatra e psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora no curso Psicopatologia psicanalítica e clínica contemporânea e integrante da equipe deste Boletim.
[2] Há pessoas que lutam um dia e são boas,
Há outras que lutam um ano, são melhores
Há aquelas que lutam por muitos anos e são muito boas
Porém há as que lutam toda a vida: estas são as imprescindíveis.
[3] Aos cuidados de Lindilene Shimabukuro, da Equipe Gestora da Clínica.
[4] É, de Gonzaguinha; Coração Civil e Maria, Maria, de Milton Nascimento.