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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    38 Junho 2016  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

GENERIDADES: IDENTIDADES, GÊNERO E DESEJO


GRUPO DE TRABALHO E PESQUISA EM GENERIDADES



Para apresentar o grupo Generidades: Identidades, Gênero e Desejo gostaríamos de contextualizar como ele surgiu e quais caminhos se pretende percorrer.

A proposta de sua criação foi de Maya Foigel, Margarida Melhem e Marie Danielle B. Donoso que, a partir de suas vivências como psicólogas institucionais em atendimento à população transexual e de uma escuta psicanalítica no trabalho clínico com esses pacientes, viram surgir questões que permeiam atualmente a temática da identidade de gênero: os desejos destes pacientes, suas escolhas, as imagens corporais que têm de si próprios, a importância do olhar do outro e seus julgamentos, enfim, a história de cada sujeito e o que norteia as suas questões.

Em um primeiro momento este trabalho clínico restringia-se ao atendimento à população transexual mas, com o intuito de fazer a teoria se movimentar e dialogar com a prática clínica, consideraram fundamental não “guetificar” tal população, e sim ampliar o olhar a todos os sujeitos que hoje vivenciam questões de gênero. Sentiram-se provocadas como profissionais e desejaram criar um espaço para refletir sobre este trabalho e as possíveis contribuições que a psicanálise pode e deve oferecer em torno de uma temática tão atual.

É possível que a grande procura que o grupo teve se deva à importância desta temática no campo social que faz importantes interpelações à psicanálise, convidando-a a trabalhar os seus conceitos e a dialogar com outros campos do conhecimento como medicina, psicologia, filosofia, antropologia, história, direito, etc.

Integram o grupo atualmente: Gisela Haddad, Noemi M. Kon, Daniela Danesi, Mira Wajntal, Christiana Freire, Marta Azzolini, Veridiana Fraguas, Mara Caffé, Patricia Porchat, Marie Danielle B. Donoso, Miriam Chnaiderman, Cristina Herrera, Deborah Cardoso, Lia Novaes Serra, Margarida Melhem, Maya Foigel, Angelica Takushi Sanda.

Conforme o texto de nossa ementa-convite, o objetivo é construir um diálogo entre as diversas maneiras de se abordar, assimilar e refletir sobre as questões de identidade de gênero, sexualidade e seus desdobramentos. Para isso pretendemos percorrer um caminho que permita intersecções entre as diversas áreas do conhecimento, pressupondo que fenômenos tão complexos ligados às novas formas de expressão do desejo, às neo-sexualidades e aos novos arranjos familiares exigem ser compreendidos de uma forma mais completa. Também reconhecemos a importância de se acompanhar o discurso da militância que tem promovido grandes aberturas na sociedade e provocado abalos e novas reflexões nas teorias vigentes até então.

Em nosso primeiro encontro assistimos a sinopse do filme Garota Dinamarquesa seguida de uma reportagem do Jornal da Globo sobre um menino de uma cidade do interior do Brasil que, aos 9 anos, obteve a autorização do juiz para mudar, no registro civil, seu nome por um nome de menina. Chamou-nos a atenção a semelhança entre os afetos e discursos no caso de Lili (personagem do filme que relata a história da primeira pessoa a ser submetida a uma cirurgia para mudança de gênero/sexo) e da menina brasileira, apesar de terem se passado tantos anos entre um fato e outro.

Enquanto psicanalistas, buscamos refletir sobre estas crianças que, ainda pequenas, já têm uma “certeza” sobre si em relação a sua pertença ao outro gênero, e que não corresponde ao que lhe foi atribuído pelo discurso social em consonância com sua anatomia.

São questões que nos fazem recuperar a ideia freudiana do pequeno perverso-polimorfo e de suas experimentações; do mosaico de identificações em que se está imerso; de uma sexuação pensada como um processo dentro de uma história singular e, portanto, em constituição.

Por outro lado a rapidez na tentativa de encontrar uma explicação para esses casos – que resolva rapidamente o conflito em jogo – parece se articular com a dificuldade e a angústia vividas pelo entorno social (família, escola, etc.) em suportar e oferecer uma sustentação para a ambiguidade que a vivência desses sujeitos comporta.

Que ambiguidade?

Tais situações revelam que a sexualidade humana não está dada desde o nascimento (pois dela participam inúmeros fatores) e sim inaugurada a partir do encontro com o outro; que ela não é fixa nem determinada biologicamente – ao contrário, é marcada pelo campo do ambíguo e enigmático e por toda a complexidade decorrente disso.

Parece-nos fundamental, como psicanalistas, procurarmos nos desamarrar dos discursos reducionistas atados à lógica psicopatologizante para nos mantermos abertos à escuta do sofrimento dos sujeitos que nos procuram.

A partir da leitura do texto de Silvia Di Segni "Sexología, Niñez e Adolescencia", entramos em contato com a história dos discursos do poder dominante desde o século XVIII, que sempre elegeram “algo” para patologizar, excluir ou corrigir (como, por exemplo, a masturbação, a homossexualidade, o transexualismo, etc.).

Nesse sentido, a discussão sobre as questões de gênero não pode deixar de fora as idiossincrasias do modelo de sociedade capitalista, sempre predatório, que para manter sua existência necessita criar um discurso de exclusão de certos grupos. Recuperamos o que Judith Butler chama de abjeto: o que não se encaixa no discurso predominante e tem que permanecer de fora para manter a validade do discurso.

A lógica binária, conforme alguns coletivos feministas denunciam, é uma lógica que se sustenta em um discurso de poder onde um (o homem) é considerado superior e subjuga um outro (a mulher). A partir disso podemos pensar em outras lógicas de dominação que se sustentam na binariedade: brancos-negros, ricos-pobres, heterossexuais-homossexuais, países que compõem o G8 e os demais países, etc. Ou seja, uma lógica que não comporta espaço para a construção de discursos que admitem a existência da diversidade.

Os estudos de gênero - cuja primeira centelha foi a publicação do livro Sexo e Gênero (1968) do psiquiatra Robert Stoller – logo foram incendiados pela contínua luta dos movimentos feministas e, a partir da década de 70, pela criação dos grupos de defesa dos direitos L G que cresceram e hoje abarcam os coletivos LGBTIQ.

Pensar sobre gênero na atualidade impõe-nos, do ponto de vista teórico, refletir sobre os enigmas da constituição do sujeito sem perder de vista a relação com a política e a ordem social. Percebe-se, ainda na sociedade contemporânea, que a construção do sujeito passa pela atribuição ontológica “Você é humano”, que vem acoplada à atribuição de gênero “Você é menino” ou “menina”. Poucos países (como a Alemanha), graças à luta política do grupo Intersexo, abriram a possibilidade da nomeação de gênero neutro no registro civil. Mas não deixamos de nos questionar, caso isso se torne regra para todos os seres humanos - como o desaparecimento do registro de raça e religião nos documentos – sobre os efeitos disso no processo de construção da subjetividade e da sexuação.

Se as novas manifestações no campo da sexualidade e gênero produzem movimentos resistenciais, também favorecem movimentos de criação. São novos arranjos relacionais e questionamentos sobre o instituído, em uma busca experiencial de superação do binarismo.

Aqui fizemos, enfim, um pequeno mapeamento das questões que se abriram em nossos primeiros encontros e esperamos que tenham muitos desdobramentos!

Bibliografia:

DI SEGNI, S. – “Sexologia, Niñez e Adolescencia”, in Revista Generaciones, Año 4, n. 4, Buenos Aires, 2015.

Links relacionados:

AMBRA, P. Transformação e psicanálise em A garota dinamarquesa: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/transformacao_e_psicanalise_em_a_garota_dinamarquesa.html

MORI, D. Transexuais podem agora usar nome social em órgãos federais: http://transexuaissp.com.br/transexuais-podem-agora-usar-nome-social-em-orgaos-federais/

PORTO, A. V. O Congresso e a desumanização: http://m.folha.uol.com.br/colunas/alexandrevidalporto/2016/05/1774160-o-congresso-e-a-desumanizacao.shtml

MODELLI, L. Famílias, o plural da questão: http://revistacult.uol.com.br/home/2016/04/familias-o-plural-da-questao/

TORRES, A. Transbrasil, o país dos sem nome: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/29/politica/1464538912_252728.html

 




 
 
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