Fundamentação
O II Colóquio de Psicanálise com Crianças: A transferência na clínica com crianças, comemora o centenário da publicação de “A dinâmica da transferência” (1912), texto que compõe a série sobre a técnica, na qual Freud procurou definir teoricamente o conceito de transferência e a maneira pela qual esse fenômeno opera no tratamento analítico.
O termo transferência já havia sido mencionado por Freud anos antes no texto Estudos sobre a Histeria (1895), nas breves considerações ao final do célebre Caso Dora (1905 [1901]) e foi, pouco a pouco, adquirindo um valor mais preciso à medida em que a compreensão do tratamento psicanalítico e de seus parâmetros foram se desenvolvendo.
Sabe-se que a noção de transferência é extremamente fundamental para a clínica psicanalítica e tornou-se condição imprescindível para uma análise. Ainda que exista uma diversa gama de interpretações, tal conceito mantém em seu teor primordial a idéia de ser um modo de deslocamento ou repetição de conteúdos recalcados — sentimentos, desejos, impulsos libidinais que foram retidos no curso do desenvolvimento — que são revividos na situação analítica, na qual o psicanalista encontra-se inserido.
Entretanto, dentre os descendentes da teoria psicanalítica, os pioneiros analistas de crianças percorreram as investigações freudianas com diversas indagações. Questionavam as possibilidades da criança transferir e de que maneira isso poderia ocorrer. Essa velha e conhecida história teve início com o conflito teórico entre duas grandes psicanalistas. Enquanto Melanie Klein propunha um psiquismo constituído desde os primórdios, privilegiando a atividade fantasmática da criança — defendendo que a transferência era possível desde a tenra idade —, Anna Freud partia da premissa de uma análise baseada na noção de um aparelho psíquico em constituição, ou seja, na qual só era possível estabelecer transferência após a dissolução do Complexo de Edipo.
As controvérsias e descobertas decorrentes desse conflito permitiram que a psicanálise com crianças pudesse avançar consideravelmente na compreensão do psiquismo infantil e, por consequência, na constituição da subjetividade.
Atualmente, a transferência — fenômeno das relações humanas — tão indispensável na clínica psicanalítica, é também facilmente identificado no vasto campo das ciências humanas, principalmente no que diz respeito ao entendimento das inúmeras relações clínicas que se constituem. Isso faz com que nós, analistas, tenhamos que encontrar diferentes estratégias que promovam o trabalho psíquico, até mesmo quando o setting não corresponde aos tradicionais critérios psicanalíticos.
Há três anos pudemos comemorar a publicação do texto “A análise da fobia de um menino de 5 anos” (1905), no Colóquio 100 anos de Psicanálise com Crianças, uma vez que ele abriu as portas para a clínica psicanalítica com crianças.
Hoje podemos festejar o centenário de um conceito psicanalítico, de um fenômeno clínico que atravessa o século carregando a sua história, promovendo o manejo na clínica psicanalítica — e como veremos no Colóquio —, seja com bebês, crianças e para além do setting formal das quatro paredes.
É por considerarmos a transferência tão fundamental à prática clínica com a qual nos ocupamos, que propomos neste Colóquio um espaço e tempo de encontro com colegas que desejam debater, construir e refletir conjuntamente.