Transferência e transicionalidade na clínica com bebês
Elisa Motta Iungano |
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Resumo Atendimentos a bebês são geralmente realizados em conjunto com pais ou cuidadores. A presença física do bebê é o que possibilita o atendimento a ele. Dando vida aos relatos dos cuidadores, o bebê se mostra, atua, reage e exige reações dos adultos que o cercam. O bebê, quando presente, torna-se mais do que um discurso, e a relação com o cuidador-ambiente entra em foco. Á presença da figura materna é igualmente indispensável, visto neste período da vida a maternagem é parte indissociável do sujeito. Há que se pensar, então, que necessariamente lida-se com variadas transferências e contratransferências - com cada um dos cuidadores, além do bebê. Podemos retomar aqui o debate inaugural da psicanálise de crianças e questionar como é possível a transferência nessa fase tão inicial da constituição psíquica. Há que se considerar, além da transferência com o bebê e com os cuidadores, também a transferência com a própria maternidade. Podemos falar aqui do terceiro, conforme Lacan, ou do campo transicional, seguindo Winnicott. De qualquer forma é possível afirmar que, entre uma mãe e seu bebê, existe algo que se constrói a partir da relação e não se limita a uma ou outra pessoa. Ao se tratar da relação entre mães e bebês, a transicionalidade é um ponto central, como também é na clínica psicanalítica. Atender, em análise, bebês com seus cuidadores significa estar em uma superposição de transicionalidades, o que torna a experiência sensível e delicada, em todos os sentidos. E este campo transicional, ao qual somos convidados a entrar, é o campo potencialmente terapêutico. O bebê chega ao mundo absolutamente dependente do ambiente, mas impõe sua presença de forma muito marcante. Seu desamparo e encanto seduzem o cuidador a se encarregar dele, assim como nos convocam a olhar e interagir com ele. Seu contato com o mundo, feito através de uma barreira ainda muito permeável, é reproduzido na transferência, provocando intensidade semelhante na troca pulsional. Este tipo de intervenção ocorre no contexto de um momento crítico e privilegiado de transformação familiar, de revolução psíquica para todos os envolvidos. A emergência de conteúdos cristalizados, para os pais, acontece simultaneamente à tarefa de prestar apoio à constituição de uma nova subjetividade. Com a comunicação particular que há entre mãe e filho, o inconsciente materno se reflete no corpo e nas manifestações do bebê. Se há nesta relação alguma intercorrência que clame por olhar externo, esta intervenção precisa considerar estas particularidades. O atendimento a bebês permite uma situação privilegiada de observação e interação com bebê e cuidador. Possibilita a intervenção baseada na percepção da experiência do bebê, que é atravessada pela identificação. O analista precisa se colocar à disposição, oferecendo postura análoga à da mãe e possibilitando a conscientização e elaboração de dinâmicas que surgem na relação. A análise se dá através da transferência, o que só faz sentido dentro de uma esfera transicional.
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