Entre o tempo e o outro: o reconhecimento da experiência nas franjas da transferência
Eugênio Canesin Dal Molin |
|
Resumo A partir de um diálogo entre as teorias de Freud e Ferenczi sobre o trauma, o presente estudo tem por objetivo compreender o papel desempenhado pela intersubjetividade na constituição psíquica. O trauma e sua temporalidade são tomados como o exemplo extremo da forma como o mundo exterior pode incidir sobre o psiquismo. Por seu caráter de evento disruptivo, que demanda assimilação e elaboração, a experiência traumática pode ser observada como o exemplo agudo de algo cotidiano e natural na formação do psiquismo: o encontro do sujeito com os estímulos do mundo externo; com o outro, com o objeto. A função desempenhada pelo outro na formação e na temporalidade do trauma permite que se pense no papel que este outro, transferencial ou diretamente (no caso da dupla parental) também desempenha nas mais corriqueiras experiências, como avalista do que foi percebido e sentido pela criança. A interlocução entre as teorias de Freud e Ferenczi sobre o que seria o “trauma” é importante porque delas depreende-se que este pode formar-se de diferentes maneiras: A) em um único momento, quando há um choque; B) em dois tempos, por efeito a posteriori; e atentando-se às contribuições ferenczianas, C) quando uma experiência ou percepção não é reconhecida e validada pelo ambiente. Ainda de acordo com Ferenczi, em seus textos escritos entre 1928 e 1932, na transferência de pacientes adultos o analista é confrontado com reencenações de traumas infantis que não foram acolhidos pela dupla parental. O mesmo acontece no atendimento a crianças que não tiveram suas experiências traumáticas reconhecidas e validadas pelos pais. Nestes casos, cabe ao analista, através da posição transferencial que ocupa, estabelecer a diferença entre o “presente e o passado insuportável”. No caso das experiências mais triviais vividas pela criança, a assimilação também se vê dificultada – como será observado através de exemplos – quando a validação e o reconhecimento pelo ambiente, pelo outro investido afetivamente, não acontece. Da mesma forma, cabe ao analista, no manejo da transferência, propiciar o reconhecimento que foi negado à criança acerca de suas vivências e sensações. Noutras palavras, quando a experiência, seja ela traumática ou não, deixa de encontrar no ambiente próximo o lastro que permitiria uma assimilação tout court, é ao transferir em análise que a criança pode assimilar e elaborar suas vivências.
|