Diário de bordo: Pesquisa FLAPPSIP
por Maria Aparecida Barbirato[1]
Participei, de outubro a dezembro de 2019, do Curso de Metodologia de investigação em psicanálise promovido pela FLAPPSIP, representando nosso Departamento, junto com Angelina Cabral nesta iniciativa. Reportei essa experiência no boletim online[2].
De janeiro de 2020 a novembro de 2021 integrei o grupo que realizou a pesquisa exploratória Assexualidades: Um enigma a decifrar? Subjetividade e vínculos nas comunidades virtuais assexuais – Perspectiva psicanalítica. Colocávamos em prática o projeto elaborado no Curso de Metodologia pelas instituições participantes, com as devidas adequações aos tempos da covid-19.
O motivo desta força-tarefa se sustentou na importância de as Associações vinculadas à FLAPPSIP inaugurarem uma experiência conjunta de pesquisa, com uma metodologia compartilhada. Para viabilizar este objetivo, contamos, tanto no curso quanto na pesquisa, com uma assessoria metodológica decisiva e indireta, mediada pela coordenação da investigação. Não foi fácil… éramos, praticamente todo o grupo, inexperientes com relação ao método proposto.
Nesse contexto, estranhamento foi um sentimento que me acompanhou, desde a construção do projeto até o trabalho de investigação. Foi mudando sua intensidade, da navegação sem bússola na plataforma do curso virtual às incontáveis reuniões da pesquisa, por zoom, com uma coordenação e um grupo de trabalho muito amigáveis, atravessando a pandemia.
A começar pelo tema, que desafiava pelo desconhecido onde nos lançou; penso que, por ele ser fruto de uma escolha dentre tantos outros apresentados no coletivo do Curso, também cobrou da equipe a construção, a posteriori, de um efetivo investimento libidinal em suas interpelações que, afinal, se mostraram tão pertinentes para os tempos em que vivemos.
A diferença de idiomas e de realidades culturais, e a diversidade de autores, de preferência no campo psicanalítico, também exigiram esforço coletivo na busca de comunicação, maleabilidade para trocas e abertura para entendimentos. Éramos, ao longo de toda a pesquisa, dez participantes, de seis Associações, de quatro países sul-americanos – Argentina, Brasil, Chile e Peru. O Departamento era a única associação brasileira no grupo, e o português era menos familiar para eles do que o espanhol para mim.
Mas acredito que minha maior dificuldade tenha sido com a própria metodologia da pesquisa, que nos manteve pela maior parte do tempo no árido trabalho de categorizar a seleção de 92 postagens dos assexuais sobre o tema, que coletamos em suas comunidades virtuais, nos quatro países. Escolhidas como nossa unidade de análise, essas postagens foram desmembradas em cinco dimensões classificatórias, seguidas da síntese de cada dimensão, por país e depois dos quatro países, para identificarmos que eixos de sentido surgiriam, em tabelas que se multiplicavam.
É certo que este processo peculiar permitiu circunscrevermos melhor nosso objeto de investigação, sob esta lente metodológica. Porém, nos restou pouco espaço, considerando o cronograma do Congresso da FLAPPSIP onde a pesquisa foi apresentada, para discutir e metabolizar a riqueza dos conteúdos que compartilhamos e dos caminhos que buscamos, na tentativa de articular teoricamente nossas perguntas e hipóteses, individuais ou coletivas.
Também foi minha companheira neste percurso, estrangeiro quanto ao tema, à língua e ao método, a curiosidade sobre onde iríamos aportar e, por boa parte do trajeto, persistiu difícil de figurar…
O humor, vale lembrar, contribuiu para a sustentação do grupo frente à desorientação que volta e meia nos assolava. E a disposição de remar juntos nas diferenças – campo dos enigmas por excelência – foi, para mim, um extenuante trabalho de sobrevivência e de algumas valiosas descobertas.
Foi uma primeira viagem para vários de nós, marinheiros. Imagino que poderá servir de mapa, com os necessários ajustes de rota, para as futuras investigações coletivas.
Março de 2022
**********
_______________
[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] boletim online 53, abril de 2020. Disponível em: https://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=b_visor&pub=53&ordem=10