Instituto Sedes Sapientiae

boletim online

jornal de membros, alunos, ex-alunos e amigos de psicanálise

A complexidade do real não cessa de surpreender

por Sílvia Nogueira de Carvalho[1]

 

É em companhia de Pilar Errazúriz, Sílvia Federici e Lélia Gonzalez que a psicanalista Sílvia Leonor Alonso nos introduz à multiplicidade de vozes anunciadas pelas organizadoras de Feminismos em trânsito[2], o novo livro do grupo O feminino e o imaginário cultural contemporâneo e quarta publicação de seu trabalho e pesquisa em nosso Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Da leitura crítica dos trabalhos das duas primeiras pesquisadoras, Alonso obtém a proposição dos fundamentos que visa a enunciar:

1) as lutas das mulheres têm uma longa história;
2) os lugares de gênero foram sendo construídos e modificados ao longo da história, de modo que as masculinidades e feminilidades não respondem a nenhuma essência ou substância que permanece;
3) os lugares de gênero, que por sua vez constroem subjetividades, são estabelecidos desde a ordem social vigente e servem para sustentá-la;
4) as lutas das mulheres são, portanto, lutas políticas;
5) muitas das conquistas femininas ao longo da história não foram reconhecidas nos relatos oficiais.

A eles acrescenta, com Lélia Gonzalez, a denúncia da neutralização da questão racial em publicações que tratam da dominação presente nas relações entre homens e mulheres, assim como no movimento feminista de classe média branca que denega o que Lélia concebeu como “divisão racial do trabalho”. Assim Alonso articula racismo e sexismo.

Ao invocar sintomas das divisões do trabalho, a autora também adentra elementos da história da invenção da psicanálise, esse saber co-fundado ao final do século XIX pelas histéricas que se fizeram escutar pelo médico austríaco Sigmund Freud. Nada mais exato para assentar, no leitor, o entendimento de que a sexualidade se configura na intermediação entre corpo e cultura, assim como a proposição de que as conversas entre os plurais feminismos e psicanálises se cruzam no campo não generalizável das diferenças.

Eis a sutileza do convite a nos debruçarmos sobre as singularidades das rodas de conversas realizadas entre garotas e garotos, mulheres de gerações várias e entre os próprios integrantes do grupo do Feminino, conforme apresentadas em Subjetividades em trânsito, O batom e o escudo, A construção de uma posição feminista a partir da ressignificação da trajetória materna, Uma escuta psicanalítica sobre o feminismo, Descoladas de si, Ser ou não ser feminista e Feminismos e as mídias. São sete artigos de dezesseis autoras e de um autor[3], compostos sob diferentes agenciamentos.

Junto deles nos movemos em busca de discursos discriminantes que desconstruam narrativas totalizantes; de modalidades de relação igualitárias que superem as opressivas; dos transfeminismos, feminismos negros e decoloniais a sobrepujarem feminismos bélicos ou aparentes. Para falarmos desde a vida e desde os conflitos de e entre diferentes gerações, redistribuirmos forças e fragilidades e fabricarmos novas identificações a partir de narrativas originais, face à decadência da cultura patriarcal e às novas masculinidades possíveis. Convocados a enfrentar relações estruturais – reais e fantasmáticas – entre familiaridade, violência e sexualidade, transitamos através das lutas democráticas coletivas e das singulares enunciações que a constituem – para que, onde estavam os objetos, os sujeitos possam advir.

Tudo isso compõe com o ato de transmissão do cuidado de si também entre esses colegas psicanalistas, autores de idades e orientações diversas. Sí, o grupo O feminino e o imaginário cultural contemporâneo faz 25 anos! E, para esta festa, conta com as companhias simbólicas privilegiadas de Jacques Derrida, Peter Pal Pélbart, Ana Maria Fernandez, Jessica Benjamin, Judith Butler, Grada Kilomba, Virginie Despentes, Heloísa Buarque de Hollanda, Elizabeth Badinter, Renata Cromberg, Mara Caffé, Lucía Fuks, Heidi Tabacof e outras mais.

Pelo registro atento à complexidade do real, que não cessa de surpreender, parabéns!

 

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[1] Psicóloga, analista institucional, psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, editora deste boletim online, professora no curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma e articuladora da Área de Publicações e Comunicação no Conselho de Direção 2021-2023. Integrante do coletivo Escuta Sedes.

[2] Alonso, S. L.; Breyton, D. M.; Campos, M. R. B. (orgs.). Feminismos em trânsito: São Paulo: Zagodoni, 2021.

[3] São eles: Agda Jardini, Bianca Duvernoy, Danielle Breyton, Evelise Clausse, Helena Albuquerque, Laura Canhada, Lilian Quintão, Luciana Cartocci, Marcia Bom, Marcia Bozon, Maria Aparecida Barbirato, Maria Carolina Accioly, Mariana David, Roberto Villaboim, Silvia Gonçalves, Tide Setubal e Veronica Mello.

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