Parceria PIM/Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica: da gestação à primeira infância do Departamento de Psicanálise
por Márcia Arantes[1], Anna Mehoudar[2], Eva Wongtschowski[3] e Gisela Haddad[4]
O Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica: da gestação à primeira infância firmou, em abril de 2022, uma parceria com o programa PIM – Primeira Infância Melhor.
O que é o PIM?
Trata-se de uma política pública intersetorial de promoção do desenvolvimento integral na primeira infância do Governo do Rio Grande do Sul, atuante no município de Alvorada. O programa está presente em 209 municípios habilitados.
Seu objetivo é apoiar as famílias, a partir de sua cultura e experiências, na promoção do desenvolvimento integral das crianças, desde a gestação até os seis anos de idade. Pretende-se, com isso, romper o circuito de pobreza, que tende a se repetir.
Tem como eixos de atuação:
– Vigilância e promoção do desenvolvimento integral infantil
– Promoção da Interação parental positiva
– Promoção da articulação em rede
Os atendimentos do PIM ocorrem por meio de visitas domiciliares e atividades grupais de viés lúdico, a partir de planos singulares de atendimento, realizados periodicamente a famílias com gestantes e crianças menores de seis anos. Em alguns casos excepcionais, o atendimento às famílias pode ser feito de forma híbrida, associando visitas presenciais e remotas.
As ações têm como foco a promoção do desenvolvimento integral infantil, da parentalidade positiva, bem como a identificação de potencialidades e necessidades das famílias que devem ser articuladas em rede, utilizando os recursos estatais existentes e recursos da comunidade, visando a integralidade do cuidado.
A participação das famílias é voluntária e ocorre mediante convite e ciência dos objetivos e das ações que serão desenvolvidas. A data e horário dos atendimentos devem ser acordados, considerando o melhor interesse da família. Caso queira desligar-se do PIM, a família não sofrerá nenhum prejuízo no recebimento de benefícios socioassistenciais.
Os atendimentos são planejados a partir do Plano Singular de Atendimento, construído em diálogo permanente com a família e com os profissionais da rede de serviços que realizam seu acompanhamento, através do qual é possível reconhecer as especificidades de cada família e traçar as ações a serem desenvolvidas. Buscam desenvolver conhecimentos de saúde, educação, cultura e desenvolvimento social e utilizam a ludicidade como uma abordagem que incorpora brincadeiras e jogos e valoriza o potencial brincante das crianças e famílias nos processos de ensino e aprendizagem.
A política dispõe de guias de orientação, instrumentos e formações que apoiam o visitador no planejamento e execução dos atendimentos, além do suporte permanente do GTM, Monitores e Supervisores.
FONTE: O que é – PIM – Primeira Infância Melhor (saude.rs.gov.br)
Como entramos nesse projeto:
No primeiro semestre de 2021 fomos contatadas por uma das visitadoras do projeto que, através do site do Instituto Sedes Sapientiae, tomou conhecimento da existência do Curso para Cuidadores de Bebês, ministrado pelo Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica. Por sugestão dela, entramos em contato com a coordenadora do programa. Sua solicitação foi de ministrarmos o curso para o grupo de visitadores, com o objetivo de ampliar o seu potencial de atuação.
Nossa curiosidade foi despertada, uma vez que o projeto era desconhecido por nós. Decidimos propor uma reunião para nos informarmos e entendermos melhor a demanda inicial.
A coordenadora do projeto PIM Alvorada mostrou-se receptiva à nossa proposta de esmiuçarmos a demanda, e com esse objetivo realizamos três encontros com visitadores sociais, com duração de duas horas cada. Nesses encontros, os visitadores traziam suas experiências, trocavam informação entre si, apresentavam suas inseguranças, suas dúvidas em relação ao desempenho possível, constatavam limitações para sua atuação. Muitas dessas limitações advinham da percepção das próprias limitações da família atendida, uma vez que se trata de setores sociais de nível de pobreza, ou de extrema pobreza.
Norteava-nos a pergunta a respeito de como entender a demanda apresentada no contato inicial, e qual seria a forma mais efetiva de responder a esse pedido.
Procuramos guiar nossa escuta pela rede de significantes apresentados na estruturação do programa e repetidos por eles, os quais realçamos em itálico no texto acima, de apresentação do PIM: promoção de desenvolvimento, parentalidade positiva, identificação de potencialidades, articulação em redes sociais, utilização de ludicidade, rompimento do circuito de pobreza.
Vale aqui uma observação: frequentemente, quando nos deparamos com a realidade de pessoas tão carentes de recursos materiais, como é o caso da população a qual o PIM se destina, somos assolados pelo duplo movimento de nos identificarmos com a carência e com a impotência (´como seria horrível estar no lugar dele` ou ‘seria insuportável, não saberia o que fazer’) e o de sermos impelidos a cobrir essas carências, o que nos depara com fazer buraco na areia. Qualquer dos dois movimentos nos coloca, como profissionais, também num circuito de repetição. Repete-se a sensação de impotência, colocando-nos no circuito da pobreza/impotência que, ao invés de ser rompido, se expande.
No caso específico desse trabalho, notamos que os visitadores também estavam sujeitos a cair no mesmo circuito. Frases como ‘não tinha o que fazer’, ‘não sei se posso interferir nisso’, ‘a criança não quer a brincadeira proposta, e aí?’, ‘a mãe não quer a creche’, denotavam pontos cegos para vislumbrar o potencial da situação (lembrando que esse é um dos significantes importantes no projeto).
Estávamos lidando com três agrupamentos: a população, os visitadores e nós, psicanalistas. Cada um desses agrupamentos achava-se, a seu modo, passível de se enroscar nesse circuito limitador: a população, pela própria precariedade material; os visitadores, por estarem sujeitos, pela proximidade com as situações concretas de carências materiais, a terem seu potencial de visão restringido; as psicanalistas, por se verem muitas vezes enredadas pela narrativa dos visitadores.
Tratava-se de encontrar um lugar de intervenção que nos retirasse desse circuito gerador de impotência.
Esse lugar possível foi-se delineando quando pudemos, após identificar esses significantes norteadores do projeto, nos posicionar no sentido de ajudar os visitadores a abrir compreensões, dinamizar e diversificar os olhares, potencializando o trabalho com as famílias.
Derivaram-se daí intervenções baseadas numa escuta cuidadosa dos relatos trazidos pelos visitadores que, ao mesmo tempo em que sinalizaram possibilidades de atuação para a equipe PIM, trouxeram um lugar de potência para nossa participação.
A partir dessa experiência considerada positiva, propusemos a continuidade do trabalho nesse formato, que pareceu a todos contemplar com maior alcance o objetivo de potencializar o grupo, objetivo esse contido na demanda inicial por um curso. De qualquer modo, vale ressaltar, continua aberta para eles a possibilidade de se candidatar ao curso existente para cuidadores de bebês.
Essa experiência também faz refletir a respeito da importância de escutarmos as demandas com ouvidos bem abertos, para evitar cair em armadilhas que podem restringir as possibilidades de intervenção, ou mesmo desviar das questões mais cruciais.
Devemos em breve retomar o trabalho, que ficou suspenso enquanto se processavam os trâmites burocráticos. E claro, permanecemos curiosas para ver o que virá por aí.
Psicanalistas do Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica participantes dessa etapa:
Anna Mehoudar
Eva Wongtschowski
Gisela Haddad
Marcia Arantes (coordenação)
Darão continuidade ao projeto:
Anna Mehoudar
Marcia Arantes (coordenação)
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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[3] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[4] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.