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Em memória de Rubia Zecchin

Em 22 de dezembro de 2022 faleceu Rubia Mara do Nascimento Zecchin. Integrante do Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica: da gestação à primeira infância e de quatro diferentes gestões da Comissão de Admissão, Rubia cursou Psicanálise entre os anos 1991 e 1994 e tornou-se membro de nosso Departamento no ano seguinte, 1995. Seu notável interesse pelo trabalho e pesquisa em psicanálise foi registrado em sua dissertação de mestrado em Psicologia Clínica: A perda do seio – luto de um amor (PUC-SP 2002), sob a orientação de Renato Mezan (editada como livro intitulado A perda do seio: um trabalho psicanalítico institucional com mulheres com câncer de mama. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004), assim como em resenhas, notícias e artigos publicados em Percurso e nesse boletim online.

 

Nossa amiga Rubia

por Gisele Senne de Moraes[1]

 

Muito difícil a tarefa de escrever sobre alguém enquanto estamos no processo de luto. Nossa amiga Rubia faleceu no final do ano passado. Mas ela já havia “nos deixado” meses antes, após sofrer um AVC uma semana depois do dia das mães.

Silêncio e um receio invadem. O segundo diz do temor em falar mais dos afetos que me tomam do que da amiga. O primeiro, o silêncio, está no nó no centro do peito. Nos sons dos aparelhos que a monitoraram, presentificados nos poucos momentos em que estive só, com ela, no quarto do hospital; na presença de cuidadoras, enfermeiros, médicos, auxiliares, nutricionistas, na televisão ligada em algum canal que ela nunca assistiria…

Estive duas vezes no hospital, os olhos dela não pareceram me enxergar, ou será que me captaram naquele átimo de segundo? Uma lágrima saiu de um deles após lhe contar sobre o comentário de uma colega, que recebeu uma de suas pacientes, sobre como ela, Rubia, havia sido delicada e cuidadosa, boa analista. Achei que ia gostar de saber; procurando no silêncio alguma palavra, essas me vieram, foram compartidas, a lágrima veio… Disseram-me que lágrimas vinham, vez ou outra, provavelmente involuntárias. No fundo, pouco importa, algum lugar de mim preferia que ela nem estivesse mais lá, presa no corpo.

O silêncio é meu fio de Ariadne aqui. Rubia foi talvez a pessoa que me re-ensinou a falar. Ela me tirou do meu mais prolongado silêncio, aquele que cala a capacidade de comunicar. Desde os eventuais almoços, caronas ou visitas nos intervalos dos atendimentos que fazíamos no PECP (Programa Einstein na Comunidade Paraisópolis) pelo Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica: da gestação à primeira infância, Rubia sempre me viu como interlocutora. Parecia se importar, me interrogava, gostava de falar, ser ouvida e de saber sobre coisa aqui ou ali da minha vida. Compartilhávamos algumas paixões, uma delas nos levou a uma viagem juntas. Quero guardar os passeios que fizemos então, a “insana” busca por este ou aquele livro nos cantos de Buenos Aires, um jantar e um almoço deliciosos em que comida e vinho bons são apenas enquadre para aqueles encontros que fazem a vida valer a pena. Quero guardar as longas conversas por vídeo conferência, que por vezes seguiam e seguiam, nas quais contava-me coisas de amor: pelas duas filhas, duas netas e o neto, pelas amigas, pela clínica, por seus pacientes – sim, seus pacientes também, nos relatos implicados que compartilhava – pela psicanálise… Quero guardar o sorriso meio travesso, quase infantil, ao fazer uma graça ou uma piada de ocasião. Rubia era divertida, brincalhona, acolhedora, amiga. Gostava de reunir e de nos unir, gostava de ter amigos e de se fazer amiga, de se fazer presente. No velório, ouvi de algumas pessoas algo que já havia lido em mensagens: tinha falado com a Rubia na semana anterior ou naquela do AVC, ia encontrar para um jantar, o café-da-manhã ou almoço do domingo, estava indo para casa dela… Minha amiga estava reencontrando amigos depois de voltar para São Paulo.

Rubia queria voltar a se analisar e mergulhou de cabeça em um processo intenso, quatro vezes por semana. Saiu dele reencontrada com o desejo de aprender e de transmitir -o que vinha fazendo-, desejosa por estar cada vez mais próxima do Sedes, sua casa de formação. Tinha acertado consigo frustrações, adoecimentos, perdas… Acho que tinha “passado a régua” e estava tentando viver um novo capítulo de sua vida. Para mim, Rubia deixou muito mais que vinho e chorizo trazidos da longa viagem – gesto amoroso de atenção às palavras que compartilhei sobre minha ascendência espanhola. Seu legado é a certeza de que as palavras carregam uma força da qual não devo recuar sempre e quando achar necessário. Fique bem, amiga, seja onde estiver. Fique bem em nossos corações.

 

Acervo de escritos de Rubia Zecchin em publicações do Departamento de Psicanálise:

Um curso para cuidadores de bebês. Com Anna Mehoudar, Daniela Athuil e Gisela Haddad. Boletim online 43, setembro 2017: http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=b_visor&pub=43&ordem=10

Parceria Sedes-Paraisópolis: instituições e comunidade. Com a equipe do Projeto Paraisópolis. Boletim online 27, novembro 2013: http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=b_visor&pub=27&ordem=5

O destino: da psicopatologia à cura. Um breve passeio pela Teoria dos Campos. Percurso 38 – O pensamento vivo de Fabio Herrmann, junho 2007: http://revistapercurso.com.br/index.php?apg=artigo_view&ida=222&ori=autor&letra=Z

Era uma vez…. Resenha de Anna Verônica Mautner, Crônicas científicas. Percurso 14, 1º semestre 1995: http://revistapercurso.com.br/pdfs/p14_leitura06.pdf

A formação do analista e a contratransferência. Resenha de Suzana Alves Viana, Contratransferência: a questão fundamental do analista. Percurso 12, 1º semestre 1994: http://revistapercurso.com.br/pdfs/p12_leitura05.pdf

O departamento e o curso na formação de seus analistas. Debatedora com Ana Maria Sigal, Cleide Monteiro e Luís Carlos Menezes. Percurso 12, 1º semestre 1994: http://revistapercurso.com.br/pdfs/p12_entrevista.pdf

Criar raízes. Resenha de Marcelo e Maren Viñar, Exílio e tortura. Percurso 09, 2º semestre 1992: http://revistapercurso.com.br/pdfs/p09_leitura04.pdf

 

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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante do Grupo de Intervenção e Pesquisa Clínica: da gestação à primeira infância, do Blog do Departamento e da Comissão de Admissão.

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