Em memória de Alejandro Luis Viviani
por Beatriz Teixeira Mendes Coroa[1]
Para contar um pouco da história de Alejandro Viviani farei o percurso reverso.
Em 19 de setembro de 2023, tive conhecimento que Alejandro havia nos deixado. Foi profunda a tristeza que se abateu sobre aqueles que compartilhavam da sua convivência. Despedimo-nos com pesar e gratidão.
Há que pontuar o reconhecimento da admirável coragem com que enfrentou a proximidade da morte, sobre a qual tinha plena consciência. Encarou com valentia longo período de internação, devido a severa enfermidade pulmonar.
Em sua última hospitalização dedicou-se à leitura de Historia de la eternidad, de Jorge Luis Borges. Reflexões sobre o tempo… Nestes penosos momentos, acompanhado permanentemente por sua esposa Maria Luisa Viviani, debruçou-se também a ler, pensar e conversar com ela sobre o Real em Lacan. Ao longo do tempo de espera ocupou-se, ainda, em escrever textos teóricos e estudar, “somente pelo prazer de saber”, como ele próprio afirmou. A dignidade e sabedoria com que atravessou esse extenso percurso comoveu e impactou os que o acompanhavam. Manteve a lucidez até o desfecho do seu caminho.
As palavras acima demonstram bem as facetas do Alejo, como o chamávamos: Um ser de coragem, bravura e lutador incansável. Um homem que tinha prazer em refletir, estudar e se interrogar. Mantinha um olhar perscrutador às complexidades das questões humanas. Psicanalista, tinha compromisso incansável com o seu campo de saber e paixão por compartilhar conhecimentos. Tais características tiveram fortes ressonâncias em seu fazer psicanalítico.
O homem de fibra, criterioso e sempre coerente com seus parâmetros éticos, marcou sua história profissional como clínico, professor, supervisor e editor. Manteve ao longo de sua jornada acurado rigor conceitual, sendo escrupuloso e exigente com o compromisso entre o discurso psicanalítico, a séria conceitualização teórica e o manejo clínico.
Alejandro nasceu na Argentina, onde trabalhou como psicanalista e como professor do curso de Psicanálise da Facultad de Filosofia y Letras da Universidad de Buenos Aires, de 1972 a 1974.
Posteriormente foi exilado do seu país pela violenta ditadura militar ali instalada. A situação política se agravava com perseguição e desaparecimento de opositores àquele brutal regime. Deste grupo faziam parte professores, intelectuais de esquerda e alguns psicanalistas. Viviani contava que havia comentários, entre os dirigentes deste governo, de que os psicanalistas eram os verdadeiros ideólogos da subversão.
Impossibilitado de trabalhar nestas circunstâncias políticas, decidiu vir para o Brasil em 1977. Foi recebido por Regina Schnaiderman no Instituto Sedes Sapientiae, assim como outros psicanalistas argentinos que aqui foram acolhidos. Começou a dar aulas e supervisões no curso de psicanálise deste instituto em 1981, aí permanecendo até 1986. Era discípulo de Oscar Masotta. Possuía profundo conhecimento da obra freudiana, bem como da lacaniana. Tinha muitos anos de estudos teóricos sobre Lacan, protagonizando importante influência neste campo.
Trilhava caminhos bastante particulares e por vários motivos preferiu seguir independente de instituições psicanalíticas. Professor, coordenou, de forma autônoma, grupos de estudo de teoria freudiana e lacaniana, assim como de supervisão clínica. Foi responsável pela transmissão da psicanálise para incontáveis psicanalistas.
Além das atividades descritas acima, Viviani deixou considerável legado, tendo sido autor de diversos textos publicados em livros e revistas especializados. Trabalhou como editor da Revista Textura e organizou diversos livros. Foi também palestrante em variados espaços. Contribuiu assim para a difusão e desenvolvimento da Psicanálise no Brasil.
Alejo, com seus plurifacetados interesses, era apaixonado por manifestações culturais, especialmente pela literatura e história da arte.
Assim como construiu sólida carreira profissional também estabeleceu vínculos significativos e profundamente amorosos com sua família e amigos.
Sempre franco e posicionado, contava suas histórias sem prolixidade. Generoso, tinha apreço em compartilhar suas vivências, sempre fornecendo informações e indicações valiosas das suas experiências. Provocativo e entusiasmado, promovia potentes debates entre colegas e amigos, ocasiões em que jamais se eximia de ser fiel e preciso em suas opiniões.
Amigo especial, estabelecia fortes e afetuosos relacionamentos. Sua retidão e posicionamento ético estavam sempre presentes, mesmo em conversas informais. Possuidor de ágil senso de humor, constantemente provocava boas risadas entre os amigos presentes.
Registro aqui minha gratidão pela amizade generosa, pelas trocas fecundas, pelo olhar sempre atento, pelo exemplo de integridade e seriedade profissional.
O mosaico composto por este ser multifacetado certamente produzirá reverberações indeléveis na lembrança daqueles que partilharam da sua convivência.
Seu legado há de perdurar através do tempo…
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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, co-editora da seção Debates Clínicos da Revista Percurso e co-organizadora da coleção Debates Clínicos, volumes 1 e 2.