Por uma Clínica viva
por Andrea Paes Favalli, Carolina Chaccur Abou Jamra e Márcia Mendes[1]
Basta um olhar atento através de um giro no primeiro andar do prédio do Sedes numa manhã qualquer que logo se percebe o agito nos corredores. O pessoal da secretaria se divide entre as telas dos computadores, um atendimento ao telefone e a entrega da ficha de inscrição para uma pessoa que acaba de chegar. A sala de espera está cheia, é dia de recepção de novos pacientes, algumas pessoas estão em pé. Um menino ainda pequeno sai em disparada pelo corredor e uma senhora o chama pelo nome aos berros. Uma pequena porta vai-e-vem separa a área de atendimento das salas de reunião dos terapeutas. Do outro lado, mais pessoas se ocupam com a escrita cuidadosa de um relatório, a participação em uma reunião de Equipe Clínica e uma pausa para o cafezinho. Aprimorandos, coordenador de equipe, voluntários e psiquiatra estão sentados em roda para a discussão de um caso clínico. A assistente social está discutindo uma intervenção familiar e uma possível visita domiciliar com o terapeuta de uma paciente. As vozes se confundem entre o dentro e fora, os corpos e mentes transitam na busca de respostas, o pensamento ferve, a palavra circula.
A Clínica do Sedes é uma grande engrenagem que gira através de uma dinâmica contínua de transmissão. Algumas peças se soltam, desgastam-se ou encerram seu percurso, tornando os ajustes necessários. O funcionamento se mantém, a roda é viva de ideias e afetos.
O movimento é circular e a gestão da Clínica, compartilhada entre os membros da equipe. As atualizações são desejadas, porque acompanham os tempos e discussões ético-clínico-políticas. O posicionamento de uma clínica decolonial e antirracista torna-se imprescindível para a sustentação de um princípio centrado na justiça social e na garantia de direitos, em sintonia com movimentos políticos do Instituto e da nossa sociedade. O enfrentamento começa na estrutura, portanto a decisão por contratações de profissionais do serviço social (02) e de coordenadores de equipes clínicas (02) através de vagas afirmativas foi consensual[2]. O processo requer acompanhamento sistemático e coragem para os embates. O olhar para os privilégios da branquitude e o processo de adoecimento psíquico produzido nas relações étnico-raciais exigem letramento e a interlocução com profissionais que são referência no assunto.
O modelo de atenção também se aprimora neste sentido.
A Clínica do Sedes faz parte de uma grande trama no campo da saúde mental da cidade de São Paulo, ocupando um espaço relevante na oferta de atendimento psicoterapêutico, tanto na modalidade individual quanto na grupal: se, em determinados casos, é fundamental oferecer um enquadre que garanta seu caráter exclusivo, a aposta no grupo mostra-se como cenário privilegiado para a emergência das multiplicidades em cada um e a possibilidade de criação de novas singularidades.
A política de pagamento busca responder ao reconhecimento de diferenças sociais e aos princípios da equidade com direcionamento de vagas gratuitas para pessoas vulnerabilizadas por sua condição de classe, raça e gênero.
A implicação com o território é investida pelas ações da Comissão de Rede, na interlocução com o SUS e movimentos sociais, identificação de demandas e possibilidades de futuros projetos clínicos intra e extra-muros, orientados pelos princípios em foco.
O CAIS (Serviço de Atenção às Adolescências da Clínica), em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, acaba de inaugurar o projeto Cais Apoia, com o objetivo de ofertar cuidado em saúde mental para os familiares das vítimas da violência de Estado, prioritariamente crianças, adolescentes e jovens, além de contribuir para a formulação de políticas públicas nesta direção.
As parcerias com os cursos do Instituto Sedes promovem a permanente interlocução dos preceitos teóricos com a clínica, em uma via de mão dupla, em que a experiência clínica produz o pensamento e, da mesma forma, este vem a aprimorar a clínica, num constante movimento de reflexão e criação. As experiências de seleção compartilhada de aprimorandos, o Fórum Aprimoramento, o Fórum Clínico Ampliado e as Equipes Clínicas mostram-se importantes dispositivos nesta direção.
Mesmo com tanta coisa a dizer, terminamos com a expressão de um desejo de que esta seja uma clínica viva, do Instituto e sempre aberta às novas tramas.
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[1] Integrantes da nova Equipe Gestora da Clínica do SEDES.
[2] Passaram a compor a equipe de contratados as assistentes sociais Vilma Gomes Barreto e Joice de Oliveira Santos e os coordenadores de equipes clínicas Mara Aline de Campos dos Santos e Jefferson do Nascimento de Oliveira.