Sobre as apresentações públicas de Marianna David e de Ester Alves
Apresentação pública: Marianna Santos David Melhem (Nana)
por Elcio Gonçalves[1]
Foi num clima bastante emocional e envolvente que tivemos o prazer de acompanhar, no dia 10 de novembro de 2023, entre muitos colegas e amigos, a primeira atividade como membro do nosso Departamento de Marianna Santos David Melhem: a Nana, como é mais conhecida pela maioria entre nós.
Na abertura do encontro foi recuperada a importância da participação da colega Natalia Gola, uma das entrevistadoras nesse processo de admissão, bem como a da(o)s demais componentes da Comissão nessa gestão (2022-2023): Elcio Gonçalves, Gisele Senne, Marcelo Cruz, Nanci Oliveira Lima, Roberta Kehdy, Silvia Ribes e Vilma Florêncio.
Com um percurso bastante interessante e singular, Marianna (Nana) parece ter sido despertada para a importância dos prazeres da vida desde muito cedo na infância quando, entre árvores, a família e a mesa farta, saboreava uma das boas heranças recebidas da família pela via da culinária libanesa.
Apreciadora não só da boa cozinha, descoberta na primeira infância, mas também das artes cênicas, paixão que a tomaria na adolescência, prestou e foi aprovada em seu primeiro vestibular naquela área aos dezoito anos.
Dois anos depois e graças a um trabalho de observação num hospital psiquiátrico, para a composição de um personagem nas artes cênicas, descobriu-se envolvida com os ideais da luta antimanicomial, a partir do que teve alterado todo o seu projeto inicial de formação.
Cursou psicologia (PUC/SP 2001-2005) iniciando em paralelo, no segundo ano de sua graduação, uma formação em Acompanhamento Terapêutico, com a qual seguiu atendendo por, aproximadamente, uma década, tendo inclusive a oportunidade de participar e codirigir uma ONG (ATUA).
Também desde o início da graduação em psicologia, a psicanálise já a convocava internamente e uma análise pessoal se impôs. A conclusão da graduação (2005) deu-se com a travessia pelos núcleos de “psicanálise” e “crises”; seguida de um estágio num serviço de atendimento a vítimas de violência (PROVE – UNIFESP) e de um programa de aprimoramento profissional no Hospital do Servidor Público Estadual.
Na sequência frequentou um programa de aprimoramento no GRAAC (Grupo de Apoio a Adolescentes e Crianças com Câncer) (2006), indo em seguida trabalhar na APAE (2007), sendo convidada dois anos depois a retornar ao GRAAC quando foi contratada como Oficineira de culinária e assim reconhecida em uma de suas vertentes terapêuticas, no mesmo local onde havia estagiado.
Nesse processo e entre um casamento, clínicas cruzadas e a chegada dos filhos, iniciou sua formação psicanalítica no CLIN-A, com a qual não se identificou e interrompeu, optando por prosseguir no seu percurso de formação no nosso Departamento (2007-2015).
Logo nos primeiros anos de suas atividades clínicas, trabalhou na inscrição e friso, no campo sobre a adoção, do termo “deficiência intelectual” ao invés de “deficiência mental”.
Da herança familiar nas origens, e com seus retornos, concebeu e deu início ao bem-sucedido projeto Cozinha como experiência, criado em 2010 e em atividade ainda hoje.
Nessa linha outros projetos surgiram, dentre eles: Do mamá ao papá (oficina de transição alimentar oferecido no SESC-SP); Ninguém cresce sozinho; Ateliê no escuro; Cinema na mesa e outros.
A formação prosseguiu entrelaçada com o fazer no cotidiano e assim a colega frequentou o curso Psicologia e parentalidade (Instituto Gerar (2016 – 2018), mantendo sua participação no grupo de trabalho e pesquisa: O feminino e o imaginário cultural contemporâneo e no grupo de trabalho e pesquisa: Problemáticas alimentares.
Dessa longa e diversa tessitura, sempre entremeada entre a clínica social e a privada, o individual e o grupal, nasceu o projeto clínico institucional mais recente: o Restaurante-Escola A casa diversa (2021), um restaurante que pretende formar para o setor da gastronomia jovens LGBTQIA+ egressas do sistema prisional.
Foram necessários muitos anos de percurso entre clínicas, e diferentes formatos de realização terapêutica, até que a analista em que se tornou encontrasse boas condições para apresentar-se, através de sua clínica individual e em seu consultório particular.
E foi assim que tivemos o prazer de compartilhar, como já dito no início, de uma apresentação clínica emocionada, com diferentes gerações de colegas e amigos de Nana presentes, tendo alguns participado, desde o início, da tessitura e constituição da analista e de sua Ariadne, conforme enunciado no seu convite:
Caso Clínico:
Tempos de uma análise: a trama de Ariadne.
Resumo:
Quanto tempo é necessário para se compor uma análise? Em quanto tempo um analista se conjuga como tal? A partir da possibilidade de tirar do hall dos pecados afetos como raiva, inveja, rancor, tristeza, ódio, ressentimento e mágoa, Ariadne entrega seu novelo de linhas inconscientes ao processo analítico. A tecelagem que se dá desde então, e há 12 anos segue seu curso, percorre o processo de uma analista se constituindo como tal e de um sujeito que deixa de ” ir de” e passa a “ir ao” encontro de seu inconsciente.
No recorte a ser apresentado cinco tempos “alegorizam” um processo que demonstra em sua radicalidade que, na vida, drama e tragédia também são gêneros que produzem efeitos bastante diversos na constituição da trama de um sujeito.
Seja muito bem-vinda, Nana. Que o seu trânsito pelo Departamento e pela vida siga sendo criativo e bem acompanhado!
Apresentação pública de Ester Alves
por Roberta Kehdy[2]
Em 24 de novembro de 2023, com a presença de vários colegas, aconteceu num clima muito amistoso a apresentação pública de Ester Alves: sua primeira participação já como membro do nosso departamento. Em seu memorial, Ester nos conta que se aproximou da psicanálise durante a faculdade de psicologia na Universidade de Guarulhos a partir de duas professoras ligadas ao Sedes, iniciando processo analítico e supervisão.
Depois de formada e de iniciar os atendimentos na clínica Conviver, fez o curso de Teoria Psicanalítica do COGEAE – PUC/SP, onde começou uma leitura mais detalhada de Freud. A partir do desafio que a clínica com crianças despertava: de leitura, intervenção e manejo, especialmente dos pais, ingressou no curso de Psicanálise com Crianças do Sedes.
Participou da fundação da Rede de Atendimento Psicanalítico, com Lia Pitliuk. Espaço muito importante no seu percurso: A Rede se constitui em uma proposta de trabalho horizontal entre analistas em diferentes momentos da formação e advindos de escolas heterogêneas que, juntos, visam fomentar sua atividade clínica, visto que a sustentação do tripé de formação depende dessa atividade. Na Rede, cada ponto pertinente à constituição e à sustentação do grupo é discutido horizontalmente a partir do que é assumido como critério para a entrada: ter decidido pela psicanálise e estar comprometido com essa decisão. No mais, é o exercício da autonomia e responsabilidade.
Em 2004, iniciou na PUC, com Alfredo Naffah, pesquisa de mestrado, cujo título é Possíveis significações na clínica psicanalítica a partir do estudo dos mecanismos de recalque e recusa e da dissociação do ego (2007)[1]. Nesta época, supervisionou com Mario Fuks o caso que trabalhou na dissertação.
As inquietações continuaram presentes na clínica e a levaram de volta ao Sedes em 2010, quando ingressou no curso Psicopatologia psicanalítica e clínica contemporânea, em que cursou o 1o ano. O interesse pela escrita da clínica a levou a outro curso de aprimoramento no Sedes, Escrita em psicanálise, ministrado por Ana Maria Medeiros da Costa. Esse estudo e outros, que a partir daí se desdobraram, contribuíram para ela fazer frente às indagações sobre a clínica contemporânea. Qual a condição de escrita numa cultura em que predomina a imagem, em que os objetos pululam na vala comum do consumo, em que as referências temporais e espaciais foram alteradas, em que a presença corporal é substituída pela virtualidade, em que as compulsões e as manifestações sintomáticas predominam em detrimento do sintoma, na qual a borda (ou o furo no qual ela deveria se situar) é tamponada pelo objeto da adicção?
Desde abril de 2021, faz parte do grupo de trabalho do Departamento Psicanálise e Contemporaneidade numa aposta de ter um lugar institucional de pertinência e produção mais sistemática. Escolheu este grupo movida pelo interesse pelo tema, principalmente, depois da pandemia de COVID 19.
Pensar sobre o esgarçamento do tecido social brasileiro decorrente da recusa de uma longa história de violência, que resultou em problemas como diferenças sociais e econômicas abissais, violência e assassinato disseminados entre a camada mais pobre, bem como sobre o mundo globalizado, os avanços tecnológicos e seus impactos sobre a política, a cultura, a arte e, consequentemente, o que produzem na vida cotidiana de cada um em grupo é uma de suas apostas para seguir exercendo a psicanálise.
Acompanhamos sua escuta delicada de um caso clínico no qual as perguntas e respostas do sujeito se aportavam no aqui e agora narcísico e imaginário, narcisismo incrementado pela condição de globalização e velocidade da banda larga e pelo deslizamento incessante das figurações de objetos de consumo. Neste cenário, a angústia, os actings e as passagens ao ato foram frequentes e a relação transferencial surgiu como possibilidade de um ponto de parada e da precipitação de um referente a partir do qual o sujeito se situe, podendo sonhar, produzir sintoma e vislumbrar um alhures.
Ester, seja bem-vinda!
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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante Comissão de Admissão na gestão 2022-2023.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante da Comissão de Admissão e articuladora da Área de Cursos na gestão 2024-2025 do Conselho de Direção.