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A sublimação[1]

por Lucía Barbero Fuks[2]

 

A sublimação é um processo postulado por Freud pelo qual se explicam as atividades humanas que não têm, aparentemente, nenhuma relação com a sexualidade, mas que encontram sua mola propulsora na pulsão sexual. É a única noção psicanalítica que permite explicar que as obras criadas pelo homem – tais como as realizações artísticas, científicas e incluso as esportivas, distantes de toda referência à vida sexual – sejam produzidas por uma força ou energia sexual que surge de uma fonte sexual. Quando se coloca a sublimação das pulsões como o que possibilita o trabalho analítico, o que está em pauta é o aparecimento do sexual na transferência, e não sua suspensão – pois o que está suspenso é a descarga direta. Além disso, sublinhamos que aqui se apresenta o aspecto da sublimação que propicia uma criação, tal como podemos conceber que seja o trabalho analítico.

A sublimação é um processo postulado por Freud pelo qual se explicam as atividades humanas que não têm, aparentemente, nenhuma relação com a sexualidade, mas que encontram sua mola propulsora na pulsão sexual.

Ainda que tenha sido muitas vezes citada por ele – a sublimação aparece na obra freudiana desde as cartas a Fliess (1892-1899) até O mal-estar na civilização, de 1930 –, não se trata de um conceito plenamente elaborado, não havendo uma conceituação abrangente e desenvolvida do processo sublimatório. Vale lembrar que corresponderia a um dos doze artigos que comporiam os “Preliminares a uma metapsicologia” que foram perdidos ou destruídos pelo próprio Freud.

Há momentos diferentes na teorização freudiana do processo sublimatório; num primeiro momento a sublimação se caracterizaria pela dessexualização pulsional, na qual haveria uma modificação da meta da pulsão, de tal modo que os objetivos passariam de sexuais a não sexuais.

Em um segundo momento, em Pulsões e destinos da pulsão (1915/1996), Freud define a sublimação como um dos quatro destinos pulsionais, que são: o recalque (sintoma neurótico), a inversão no contrário, o retorno sobre a própria pessoa (fantasia) e a sublimação. Freud (1932/1991) postulou que, dentre esses destinos, a sublimação seria o mais evoluído; mais tarde afirmaria, na 32a das Novas conferências de introdução à psicanálise, Angústia e vida pulsional, que paralelamente à mudança da meta na sublimação haveria também uma mudança nos objetos.

A primeira postulação de Freud sobre a sublimação implica impasses no que diz respeito à sua caracterização, enquanto as outras duas permitem uma abertura maior do conceito, tanto no que diz respeito à metapsicologia quanto no que diz respeito à clínica.

Entende-se que a primeira formulação freudiana tem como objetivo mostrar que a sexualidade está na origem das criações humanas – muito mais do que definir a sublimação em si mesma –, enquanto as duas últimas pretendem explicar mais detidamente o processo sublimatório.

Quando Freud formula a sublimação como um destino pulsional e quando fala da mudança do objeto na mesma, está em pauta um outro entendimento em torno da noção de sexualidade, possibilitando uma caracterização mais detalhada do processo sublimatório.

A sublimação é a única noção psicanalítica que permite explicar que as obras criadas pelo homem – tais como as realizações artísticas, científicas e incluso as esportivas, distantes de toda referência à vida sexual – sejam produzidas por uma força ou energia sexual que surge de uma fonte sexual. Isso quer dizer que sua origem é pulsionalmente sexual (pulsões parciais pré-genitais: orais, anais, fálicas) e, no entanto, o produto desse processo é uma realização não sexual, conforme aos ideais de época. Podemos dizer então que a sublimação dá conta da origem sexual do impulso criativo do homem. Permite transformar e elevar a energia das pulsões sexuais, que se convertem assim em uma força positiva e criativa.

Para Freud, a sublimação teria duas formas de ser vista: como a expressão mais positiva, mais elaborada e socializada da pulsão, e também como uma via de defesa susceptível de diminuir os excessos e os transbordamentos da vida pulsional. A sede de conhecimento está relacionada à curiosidade em relação à sexualidade, como Freud (1908/1992) o descobre em Teorias sexuais infantis. Ele assinala que as crianças constroem teorias a respeito dos enigmas da sexualidade, sendo que o tema a que mais se dedicam é a origem dos bebês. A partir de seu trabalho, sabemos ainda do papel que tem o período de latência na aquisição da capacidade de sublimar.

A sublimação também teria uma função de defesa que atenua e transforma o caráter insuportável das lembranças sexuais que o sujeito quer ignorar. A pulsão, nesse caso, opera um deslocamento de uma representação psíquica inconsciente ligada a um desejo incestuoso para outra representação psíquica aceitável para a consciência, ainda que produza sintomas e gere certo sofrimento.

Quando se coloca a sublimação das pulsões como o que possibilita o trabalho analítico, o que está em pauta é o aparecimento do sexual na transferência, e não sua suspensão – pois o que está suspenso é a descarga direta. Além disso, sublinhamos que aqui se apresenta o aspecto da sublimação que propicia uma criação, tal como podemos conceber que seja o trabalho analítico.

Poderíamos dizer, em relação à sublimação na transferência, que o vínculo amoroso de caráter passional, depois de um primeiro momento de investimento libidinal de um objeto erógeno – neste caso, o psicanalista –, se desenvolve como processo sublimatório tão lentamente como um trabalho de luto ou como o trabalho de elaboração que implica, para o paciente, integrar em si a interpretação feita pelo psicanalista.

A sublimação da paixão na transferência, do luto frente a uma perda de objeto e a elaboração consecutiva ou posterior a uma interpretação requerem muito tempo, o tempo indispensável para permitir que as representações do pensamento inconsciente se encadeiem.

Consideramos que a pulsão é sublimada quando sua força é desviada de sua primeira finalidade, que seria obter uma satisfação sexual, para se pôr a serviço de uma finalidade social – sendo esta artística, intelectual ou moral. Precisa para isto de um objeto não sexual. Resumindo: a sublimação consiste em substituir o objeto e a finalidade sexual da pulsão por um objeto e uma finalidade não sexuais.

Finalmente, podemos dizer: uma pulsão sublimada será considerada sexual por sua origem e pela natureza de sua energia libidinal, e será considerada não sexual se pensarmos no tipo de satisfação obtida e no objeto que a satisfaz.

Se considerarmos a curiosidade sexual infantil como expressão da pulsão voyeurista, e sua transformação posterior em sede de saber, teremos uma ideia desta substituição de uma finalidade sexual por outra dessexualizada.

A sublimação da pulsão voyeurística consiste na passagem de uma satisfação erótica e parcial ligada a um objeto erótico local (os genitais) por outra satisfação não sexual, mas igualmente parcial, ligada a um objeto mais global e dessexualizado (o corpo inteiro como objeto de conhecimento científico).

A sublimação não seria uma satisfação, e sim a capacidade plástica da pulsão de mudar o objeto e achar novas satisfações. Essa outra força, a de conhecer e produzir, é a que leva o artista a realizar sua obra. A sublimação requer a intervenção do eu narcisista para se produzir: primeiro o eu retira a libido do objeto sexual, depois retorna sobre si mesmo, e finalmente designa a esta libido um novo fim, não sexual.

O ideal do eu inicia e orienta a sublimação; esta não poderia acontecer intrapsiquicamente sem o suporte dos ideais simbólicos e dos valores sociais da época. Os objetos que facilitam a satisfação sublimada são objetos dessexualizados e sociais, quer dizer, que respondem a ideais sociais que exaltam a criação de novas formas significantes. O ideal do eu seria o desencadeante do processo, com a particularidade de que, uma vez iniciado o movimento de sublimação, o impulso criador da obra se separa do ideal do eu, que o tinha estimulado no começo. O elemento que impõe esse desvio, portanto, não é a censura que leva ao recalque, senão o ideal do eu que exalta, guia e dá marco à capacidade plástica da pulsão. Trata-se de imagens e de formas significantes, delineadas na forma da imagem inconsciente de nosso corpo, ou, melhor, de nosso eu inconsciente narcisista. Essas obras produzem efeitos inconscientes no espectador, fascinação frente à representação artística e desejo de identificação com o criador da obra.

O objeto imaginário e narcisista é o resultado da condensação de três elementos: força pulsional, narcisismo do criador e forma acabada da obra, que produzem o impacto e a emoção intensa no espectador.

O conceito de narcisismo reaparece em Leonardo, referido à escolha narcisista de objeto nos homossexuais. Nesse tipo de escolha o menino não abandona o vínculo inicial com a mãe. Ao invés disso, identifica-se com ela e escolhe, como objeto de amor, jovens que o representam.

Considerações finais

A sublimação não é para Freud uma mera expressão do conflito, mas sim um triunfo em oposição aos renovados fracassos nos neuróticos, já que as mesmas problemáticas que o conduzem a um empobrecimento libidinal e narcísico o levam a ser capaz de obter sublimações, a transformar suas necessidades singulares em finalidades originais e a transformar suas fraquezas em forças.

A capacidade de transformar a vivência interior em algo representável e transmissível é o que diferencia a transmissão científica ou artística da produção de sintomas. A criação artística é uma forma de retorno do recalcado e, em função disso, produz efeitos. O dialeto da arte, diferentemente da inércia do sintoma, é comunicável em sentido amplo.

Na sublimação a obra é necessária, é a possibilidade de responder aos ideais. O sofrimento do criador é a expressão de uma grande tensão determinada por um ideal de eu exigente.

O processo de sublimação permite ao sujeito autoinvestir-se e reinvestir a realidade. Há um esforço de representar o irrepresentável. Diferencia-se das atividades chamadas adaptativas, por sua dimensão transgressiva e pelo compromisso subjetivo. Pode opor-se ao discurso social, e transformar-se em algo apenas comunicável em um tempo futuro.

A sublimação não é simplesmente uma colocação em cena da fantasia, mas sim uma reelaboração desta. Nesse sentido, Freud assinalava que os criadores tentavam recuperar algo do recalcado, tanto próprio quanto coletivo.

O estudo freudiano enfatiza a recriação do objeto perdido, ou uma representação de uma realização de desejo vinculada a uma superação da infelicidade da vida afetiva do artista. Se o trabalho criativo de um artista é uma derivação de seus desejos sexuais, podemos observar duas derivações: a primeira se reporta às fixações edipianas – é, em Leonardo, a escolha objetal narcísica posterior, vinculada à homossexualidade platônica que daria sustentação à sua atividade artística; a segunda é articulada à sede de saber, fruto da transformação da libido edipiana, explicitamente nomeada por Freud como sublimação.

Os processos criativos dos sujeitos motivados por seu ideal de eu a criar sem a sublimação correspondente de suas pulsões não diferem quanto aos fins perseguidos. Em todos os casos, o ato criador é promovido pelo desejo narcisista de recuperar a plenitude perdida e, por isso, também representa um meio de alcançar o reencontro do eu com seu ideal.

As identificações edípicas e a instauração do supereu terão um importante papel no processo de sublimação, e, em consequência, da criação. Não existe um grande homem – artista, cientista, escritor ou pensador – que não tenha tido modelos, mestres, figuras marcantes na sua formação.

Segundo Laplanche, teríamos que pensar na relação criação – perversão, dado que Freud insistiu que o que é essencialmente sublimado são as tendências perversas polimorfas agindo cada uma por sua própria conta, ou seja, as chamadas tendências pré-genitais e não a sexualidade genital. Também, segundo esse autor, “se for admitida a hipótese de que a sublimação acompanha desde sua origem o nascimento da pulsão sexual, apresenta-se-nos como ligada ao próprio movimento de sedução que caracteriza a neogênese da sexualidade, isto é, ao que nos vemos forçados a denominar um desvio da autoconservação” (1989, p. 93).

Mas há um segundo aspecto – e aí está, talvez, o próprio paradoxo da perversão, a qual ora é entendida no sentido da perversão infantil polimorfa, ora é tomada na acepção de uma verdadeira elaboração da experiência do complexo de Édipo e do complexo de castração, nas perversões adultas: Freud não deixa de assinalar o vínculo existente entre certas atividades sublimadas e a perversão, tomada no sentido de estrutura psicopatológica diferenciada.

Por exemplo, sobre a relação de Leonardo com a homossexualidade, há algo a pensar como transposto quase diretamente para sua pintura, quando se considera o quadro A Virgem e o Menino com Santa Ana (1508-1513).

Para concluir, se se fala do primado genital como forma de organização das pulsões parciais nesta espécie de unidade que é a relação sexual adulta, se poderia também dizer que a atividade sublimada é uma espécie de substituto do primado genital, um modo também de organizar as atividades pré-genitais sob uma espécie de primado – o de uma obra, um trabalho ou um resultado a obter?

Referências

FREUD, S. Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis (1932). In: ______. Sigmund Freud Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1991. v. XXII, p. 1-168.

FREUD, S. Personajes psicopáticos en el escenário (1905). In: ______. Sigmund Freud Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1992. v. XII, p. 273-282.

FREUD, S. Sobre las teorías sexuales infantiles (1908). In: ______. Sigmund Freud Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1992. v. XIX, p. 183-202.

FREUD, S. Um recuerdo infantil de Leonardo da Vinci (1910). In: ______. Sigmund Freud Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. v. XI, p. 53-128.

FREUD, S. Pulsiones y destinos de pulsión (1915). In: ______. Sigmund Freud Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. v. XIV, p. 113-134.

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[1] Originalmente publicado em Cadernos de Psicanálise – SPCRJ, v. 32, n. 1, p. 25-29, 2016.

[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora do Curso de Psicanálise. Foi co-coordenadora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma entre os anos 1997 e 2023.

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