O sintoma, percurso de um conceito na obra freudiana[1]
por Lucía Barbero Fuks[2]
O sintoma ocupa na clínica psicanalítica uma centralidade indiscutível. Encontra-se no fundamento que dá sentido à prática psicanalítica, assim como na origem do progressivo estabelecimento de seu método de trabalho e da descoberta do inconsciente.
Começa com a contrariedade que a HISTERIA desperta na medicina científica, no desafio às leis que governam a anatomia e fisiologia tradicionais. O sintoma baliza o devir de cada tratamento, desde sua configuração inicial em transferência, até sua formalização final, passando pelos momentos de impasse que inevitavelmente transitam em cada cura.
Da hipnose ao método catártico e à livre associação, são as histéricas que guiam Freud por esse caminho. O sintoma histérico ensinou muito aos psicanalistas.
Deste modo, o sintoma demonstra ocupar uma tripla posição de causa, motor e objetivo da análise. A noção de sintoma tem percorrido um longo caminho no trajeto analítico, e se em algo contribuiu à originalidade do tratamento, é por ter possibilitado perceber, desde o início, a relação problemática do sujeito consigo mesmo.
O achado, a descoberta, é ter colocado essa relação em conjunção com o sentido dos sintomas. É o desconhecimento desse sentido por parte do sujeito o que o coloca frente a um problema. Esse sentido não deve ser-lhe revelado, deve ser assumido por ele ao longo do processo analítico.
Podemos considerar quatro eixos na obra de Freud que é preciso estudar: eles estão na Conferência XVII: O sentido dos sintomas; na Conferência XXIII: Os caminhos da formação do sintoma. As duas conferências são do ano 1917.
Depois devemos considerar: Inibição, sintoma e angústia, de 1926, e finalmente Moisés e a religião monoteísta, de 1939.
Em O sentido dos sintomas, Freud afirma que é possível decodificá-los, porque, assim como os atos falhos e os sonhos, estão regidos pelas leis de condensação e deslocamento e mais importante que a supressão do sintoma é sua tradução, a procura do significado do mesmo, assim como se procura o sentido dos sonhos.
Nesse texto, Freud faz uma aposta que não se dirige só à desaparição do sintoma, senão a de que o doente obtenha também um conhecimento maior de sua subjetividade, compreenda a significação do mesmo já que, inicialmente, esse conteúdo pertencia ao INCONSCIENTE. Podemos dizer que esse significado não lhe pertence, lhe é alheio, compete ao INCONSCIENTE.
Em Os caminhos da formação do sintoma ele insiste na procura do significado do mesmo. Mas enfatiza, mais que o significado, o que chama de formação do sintoma, o qual se configuraria como uma formação de compromisso, resultante de um conflito, uma luta entre o recalque do saber não sabido do INCONSCIENTE versus a satisfação pulsional.
O recalque opera substituindo a satisfação. Freud diz: “as representações sobre as quais a libido transfere sua energia pertencem ao SISTEMA INCONSCIENTE e estão submetidas às leis que regem o processo primário, a condensação e o deslocamento.”
Nesta versão do sintoma como satisfação substitutiva, ele procura uma realização do desejo e assim mascara a pulsão. “O sintoma nasce como um rebento do cumprimento do desejo libidinal inconsciente, desfigurado de múltiplas formas”.
Pensando a formação do sintoma por esta via, podemos destacar duas questões:
Supõe um cumprimento do desejo;
A procura de uma satisfação substitutiva, na formação do sintoma, se faz por um caminho sinuoso que tenciona mascarar a pulsão.
Temos que captar a mensagem oculta para que possamos desvendar o conflito e a implicação do sujeito nesse conflito. Temos também que aceitar que a satisfação do desejo não é reconhecida pelo paciente, que a percebe como sofrimento e se queixa disso. Isto faz parte do CONFLITO PSÍQUICO e foi por essa pressão que se configurou o SINTOMA.
Portanto, o que foi anteriormente uma satisfação, provoca neste momento uma RESISTÊNCIA.
Freud amplia sua descoberta e sua metodologia de trabalho e se debruça sobre os sonhos, os atos falhos, os esquecimentos e os chistes, para esclarecer através deles o fluxo das associações espontâneas dos pacientes em análise. Postula uma comunidade de estrutura com o sintoma neurótico.
As chamadas formações do inconsciente deixam em evidência o retorno do recalcado através das operações de condensação e deslocamento.
Exemplo de condensação: uma pessoa presente no conteúdo manifesto de um sonho acaba sendo, através das associações do paciente no trabalho de interpretação, a condensação de várias pessoas da vida real atual ou anterior do paciente.
Deslocamento: em um caso de representações obsessivas, o sentimento de culpa consciente e ilógico, devido a um crime imaginado a partir de uma notícia policial, se esclarecerá como resultado do deslocamento de um desejo masturbatório, recalcado defensivamente, que apenas se insinuava na consciência e foi rejeitado dias antes da emergência do sintoma.
Em Psicopatologia da vida cotidiana Freud aborda os erros involuntários e constata que o retorno do recalcado se manifesta aí sintomaticamente, mesmo que a pessoa não sofra por esta manifestação, como no caso de um sintoma, por “se tratar só de um erro acidental”. Isto permite a Freud estabelecer, contrariamente ao discurso instituído, uma continuidade e não uma ruptura entre a psicopatologia das denominadas doenças mentais e a vida “normal” cotidiana.
Freud estabelece relações entre o mecanismo de formação do sonho e o mecanismo de formação do sintoma, e assinala analogias e diferenças. Os sonhos são realizações de desejos, podemos afirmar que os sintomas também.
Mas os sintomas são FORMAÇÕES SUBSTITUTIVAS e produtos transacionais entre dois sistemas em conflito. No sintoma se expressa tanto SATISFAÇÃO (procurada por um deles) como CASTIGO (procurado pelo outro sistema).
Em A interpretação dos sonhos (1900), o conflito ocorre entre os sistemas inconsciente e pré-consciente/consciente já que no APARELHO PSÍQUICO existem duas instâncias constitutivamente cindidas, separadas por uma barreira: a censura.
Resumindo: Os sonhos são realizações inconscientes de desejos recalcados que seguem o seguinte caminho: desejos inconscientes recalcados – censura relaxada durante o sono – formação de um produto transacional: o sonho.
Este modelo levou Freud a conceber que os sintomas da HISTERIA podem ser pensados segundo o modelo da REALIZAÇÃO DE DESEJOS. A ideia de tal realização põe de manifesto uma trama de representações nas quais operam os mecanismos que já mencionamos, como a condensação e o deslocamento.
No trabalho do sonho, um desejo sexual recalcado é transferido aos restos diurnos que melhor se prestam aos fins da deformação. Sobre isto opera a ELABORAÇÃO SECUNDÁRIA e, como produto desse trabalho, aparece o conteúdo manifesto do sonho.
Retomando os dois eixos que faltavam, resta falar de Inibição, sintoma e angústia (1926), onde Freud destaca o sintoma como formação substitutiva ou formação de compromisso vinculada com o recalque e a angústia de castração.
O sintoma indica o caminho e é substituto de uma satisfação pulsional interceptada, é um resultado do recalque. Essa satisfação pulsional, dirá nesse texto, provém do ID.
Aqui, como verão, entramos na SEGUNDA TÓPICA, que só vamos mencionar, porque, nesse primeiro ano do curso, nos detemos e aprofundamos nos conceitos da PRIMEIRA TÓPICA.
A direção definitiva sobre a concepção freudiana do sintoma aparece no final de sua obra, em Moisés e a religião monoteísta, de 1939. A formação do sintoma é o resultado do conflito entre o recalque articulado à angústia de castração versus a pulsão que insiste na procura da satisfação.
O sintoma provém do recalcado. Seria um representante perante o Ego. O recalcado é, para o Ego, terra desconhecida, algo desconhecido dentro de si mesmo.
Como vocês estão percebendo, o conceito de sintoma foi trabalhado insistentemente, ao longo da obra de Freud, e foi sendo enriquecido por novos aportes teóricos.
Para finalizar vou mencionar um conflito da atualidade: nos últimos anos tem-se questionado o uso abusivo da medicação tanto para adultos quanto para adolescentes e crianças. Medicações nem sempre necessárias se aplicam como modo de adestramento e silenciamento do sujeito e seus sintomas, sem levar em conta que o sintoma é precisamente a ponta do iceberg que convida a um deciframento. A emergência da ANGÚSTIA, correlata do sintoma, não é reeducável. É um alerta, indica um caminho. O psicofármaco tampona, não resolve, adormece o sintoma, silencia-o. A psicanálise tenta elucidar suas causas assim como, também, diminuir sua intensidade através do entendimento das mesmas.
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[1] Apresentado como aula inaugural no curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma, março de 2023.
[2] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora do Curso de Psicanálise. Foi co-coordenadora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma entre os anos 1997 e 2023.