Narcisismo, alteridade e identidade: Aula aberta com Benilton Bezerra Jr. promovida pelo curso de Psicopatologia Psicanalítica e Clínica Contemporânea
por Ana Lúcia Panachão e Maria Carolina Accioly[1]
No dia 15 de outubro tivemos o prazer de receber Benilton Bezerra Jr[2] que, a convite do Curso de Psicopatologia Psicanalítica e Clínica Contemporânea, ministrou uma aula aberta[3] proposta pelo curso. Essa proposta configurou uma experiência nova que reuniu alunos e professores dos três cursos do Departamento e do GTEP e alguns ex-alunos do nosso curso, e promoveu uma atividade entre os espaços de transmissão do Departamento.
Marcia de Mello Franco, coordenadora, e Mania Deweik, professora, abriram a mesa apresentando algumas temáticas que vêm sendo trabalhadas com os alunos e entre os professores, a proposta da aula e o convidado.
Benilton iniciou sua explanação convidando a todos para um exercício de construção de perguntas, quando sublinhou ser mais importante sustentar questões para juntos pensarmos uma psicanálise comprometida com o tempo contemporâneo, do que propriamente encontrar respostas. Logo de partida abordou a psicanálise a partir de um horizonte ético, no sentido de pensar os conceitos como “maneiras, ferramentas para agir no mundo”, sustentadas pela impermanência e não essência das coisas. Benilton chamou atenção para o uso da “categoria do universal” ao enfatizar que a luta identitária aponta para o que, na categoria do universal, fica de fora. Falou de maneira consistente, espontânea e abrangente sobre os processos de produção de subjetividade desde a modernidade, colocando ênfase no neoliberalismo e no capitalismo colonial, para descrever as construções de modos de ser sujeitos no mundo.
Destacou que questões identitárias passaram a ter relevância há pouco mais de 20 anos, quando “o problema da identidade passou a ocupar o centro da vida política, cultural e da vida subjetiva, adentrando as áreas que se debruçaram sobre esses campos, inclusive a psicanálise”. Sublinhou que a proliferação de políticas identitárias, cujas questões produziram perspectivas muito distintas e críticas acirradas tanto por parte da direita quanto da esquerda, suscitou acusações de deturpar e desviar as pautas universais e revolucionárias da “grande política”.
Discorreu também sobre o fim da era das utopias revolucionárias, com a queda do muro de Berlim, que já apontavam para uma desesperança coletiva dificultadora da possibilidade de pensar e sonhar um outro modo de vida fora do capitalismo. Problematizou a entrada e a relevância da noção de identidade no campo psicanalítico – entendida, até então, como cristalização imaginária que sufocaria o processo identificatório ininterrupto, uma vez que o sujeito é “inessencial”. Para ele, esse argumento, repetido pelos psicanalistas durante anos, impediu-os de se debruçarem sobre a importância das experiências identitárias na elucidação de conflitos e de sofrimento psíquico, por serem consideradas como uma espécie de psicologização da psicanálise. Citou o livro Tornar-se negro, de Neusa Santos Souza – reconhecida como psicanalista e celebrada como uma autora muito importante – que, ao ser publicado, inaugurou uma nova perspectiva para pensar essas experiências e, no entanto, provocou a recusa da comunidade psicanalítica em reconhecer a originalidade e a contundência de seu trabalho. Ela mesma, sob efeito dessa recusa, afirmou que não deu continuidade aos estudos sobre raça e questões de racialidade por entender que isso era psicanálise aplicada.
Seguiu apontando que as lutas identitárias denunciaram e denunciam os pactos da branquitude e do patriarcado mesmo dentro dos movimentos revolucionários do século XX. Segundo ele, a própria psicanálise tampouco “tirava consequências da interseccionalidade” em sua escuta e em seu trabalho, mesmo no engajamento político na luta antimanicomial, o que resultou em que algo da interseccionalidade de raça e de gênero permanecesse recusado, marcando um limite da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Nessa trama ampliada de sua fala, foi traçando um pensamento sobre a constituição do sujeito, do laço social e do conceito de identidade. Benilton falou numa “armadilha da identidade”; afinal, se reconhecer e ser reconhecido numa “identidade pode ser uma alavanca que descoagula e possibilita sujeitos se emanciparem”, mas também pode produzir cristalizações, fechamentos e exclusões violentas. Para Benilton é fundamental ter como horizonte o propiciar condições para que o sujeito possa se perceber como criador de si mesmo, positivando assim o conceito de identidade. A aula e as perguntas que emergiram em seguida levaram a discussão até os tempos contemporâneos das redes sociais, algoritmos e a “monetização do inconsciente (captura da atenção)”, e à inteligência artificial e seu impacto na constituição das subjetividades.
Esse encontro suscitou questões instigantes ao abrir caminhos de pensamento, formular perguntas e possibilitar interlocução, contribuindo para um projeto de formação continuada no Departamento.
Vale assistir à sua gravação, disponível no canal do YouTube do Departamento
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[1] Psicanalistas, membros do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professoras no curso Psicopatologia Psicanalítica e Clínica Contemporânea.
[2] Psicanalista, psiquiatra, membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro , ex-professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, autor de vários livros, dentre os quais A criação de diagnósticos na psiquiatria contemporânea (2014) e Freud e as neurociências: o Projeto para uma psicologia científica (2013). Atualmente dedica-se a pesquisas em Saúde Mental e Identidades Culturais.
[3] No primeiro semestre tivemos uma aula conjunta com os alunos dos dois anos do curso, “O eu na contemporaneidade: identidade e alteridade nas tramas identificatórias” que foi publicada no último número deste Boletim.