Simpósio FLAPPSIP 2024
por Danielle M. Breyton[1]
“SONHAR UM FUTURO É POSSÍVEL?
A CLÍNICA DO DESAMPARO NOS TEMPOS ATUAIS”
Assim intitulou-se o Simpósio FLAPPSIP que aconteceu no 14 de setembro de 2024.
Tradicionalmente o Simpósio antecede em um ano o Congresso FLAPPSIP e é uma espécie de aquecimento dos motores na preparação deste. A cada Congresso uma nova Comissão Diretiva é eleita para um mandato de dois anos que se concluirá na ocasião do Congresso seguinte. No primeiro ano ela tem o desafio de organizar o Simpósio, que é um ponto de partida para esse trabalho da coletividade das associações.
Em tempos pré-pandêmicos, esse encontro era presencial e mais intimista. Uma atividade científica, na ocasião do encontro dos delegados para a Assembleia anual. Em geral uma discussão clínica disparada por uma vinheta organizada por uma das Associações que compõem a Federação e escolhida pela Comissão Diretiva entre as propostas enviadas.
A pandemia trouxe alterações nessa dinâmica e ainda não há um novo formato estabelecido, a não ser a sustentação da tradição FLAPPSIP de interlocução em uma atividade que congrega a Federação no exercício de reflexão e trocas, e que vai dando a tônica das temáticas sobre as quais se deseja trabalhar. A comodidade e maior abrangência do virtual, paralelo às crises políticas e econômicas que afetaram de forma significativa os países da América Latina, foram determinantes para a permanência da modalidade online para essa atividade. O caso clínico, mais complicado de ser aprofundado numa atividade virtual, foi cedendo lugar a reflexões teórico-clínicas em cima de uma temática pré-estabelecida.
Inseridos nesses tempos conturbados atravessados por calamidades climáticas e guerras que ameaçam o presente e o futuro, avanços tecnológicos que imprimem mudanças na subjetividade e nos modos de relações, incertezas profundas que provocam vivências de desamparo, a proposta que orientou a discussão é uma indagação sobre a capacidade onírica e imaginativa. Proposta que evidentemente carrega uma aposta de que no encontro, na ampliação das trocas, no debruçar-se sobre o problema, estimulamos nossa capacidade criativa e construtiva tão fundamentais para atravessar esses tempos brutos, sem ficarmos patinando na destrutividade.
Com exceção do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, que tinha uma programação institucional que impediu a participação, todas as outras Associações que compõem a Federação participaram do Simpósio com apresentação de um trabalho sobre a temática proposta. Também fez parte da composição das mesas um trabalho do grupo de investigação FLAPPSIP.
Foi uma longa e produtiva jornada, com 3 mesas compostas por trabalhos de diferentes países e línguas, mas com desenvolvimentos temáticos convergentes. E uma última mesa de fechamento, com comentaristas sobre o Simpósio e os trabalhos apresentados.
Silvia Alonso, que ocupa a função de Secretaria Científica, deu início ao Simpósio com um breve e profundo convite à abertura e à receptividade. Abertura ao futuro incerto que se desenha no horizonte, abertura da psicanálise para escutar outros saberes, para acolher as novas formas de sofrimento, para receber as diferentes interrogações que o mundo atual coloca, para dialogar com outros pensamentos e assim manter a sua potencialidade criativa e hospitaleira.
Dez trabalhos versaram sobre variadas experiências. Diversos deles aproximaram as temáticas do desamparo e da vulnerabilidade, acentuando suas diferenças. Violência, abuso sexual, a voracidade do capitalismo, as famílias em crise, dificuldades no exercício das funções parentais formam parte dos problemas abordados, assim como o valor da escuta, da ilusão, da esperança e do amparo como linhas de abertura e resistência. Como um denominador comum entre os trabalhos se reconhece uma psicanálise comprometida com o seu tempo, pensando a subjetividade, assim como a prática clínica, dentro do contexto sócio-histórico.
Nossos colegas do Departamento, Deborah Cardoso e Silvio Hotimsky, trataram dos desafios que se apresentam no ambiente escolar no império do neoliberalismo e sua lógica de mercado que incentiva a competitividade e enfraquece a dimensão solidária da sociabilidade. Dentro disso e dos permanentes riscos de reproduzir esses modelos, emerge a potência do pensamento e da escuta psicanalítica na composição e criação de dispositivos que fomentam a implicação subjetiva e o laço fraterno, guardando a dimensão conflitiva como força.
No trabalho de síntese dos comentaristas, Lorena Biason enfatiza que as violências apresentadas nos diferentes trabalhos são violências políticas, infligidas por um sistema que impõe um modelo e justifica as desigualdades socioeconômicas e as condições precárias de trabalho como inevitáveis. Discurso dominante, com forte convite à denegação, que nos atravessa a todos. Para além de caracterizar o contexto promotor do sofrimento, Lorena aponta para o imprescindível cuidado de, ao escutar, interpretar e falar sobre o sofrimento dos nossos pacientes, não repetir a traição da desmentida.
Facundo Blestcher por sua vez acentua o desafio de ampliar os limites do possível frente a padecimentos que tensionam o alcance das nossas teorias e o compromisso, que reconhece nos trabalhos apresentados, na busca por ferramentas teóricas que inauguram novas possibilidades de compreensão e intervenção. Frente à encruzilhada histórica que vivemos, que afeta de modo singular a América Latina, convoca a pensar, reinventar e reinvestir a utopia. Utopia que significa não se render às coisas como são e lutar pelas coisas como deveriam ser. Utopia que dá sentido à vida, porque insiste, contra todas as evidências, que a vida tem um sentido.
Assim terminamos essa jornada de trabalho e de fecundas trocas, alimentados para sonhar e construir novos encontros. O próximo Congresso FLAPPSIP acontecerá em Lima nos dias 16, 17 e 18 de outubro de 2025. Em breve traremos notícias sobre a proposta temática eleita.
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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante do grupo de apoio FLAPPSIP