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Eros e Civilização: um tema, um enredo, um encontro

por Edilene Freire de Queiroz[1] e Sérgio de Gouvêa Franco[2]

 

Entre os dias 05 e 08 do mês setembro de 2024 em Recife, pré-Congresso no dia 05, aconteceu o XI Congresso Internacional e XVII Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, organizado pela Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental a cada dois anos. O tema do Congresso foi Eros e Civilização. Os Congressos de 2020 e 2022 foram virtuais, mas este Congresso de 2024 foi presencial. Para surpresa da Comissão Organizadora, a opção de assistir às principais atividades do Congresso remotamente praticamente não foi demandada. Todo mundo queria ir para Recife. Eros estava solto, produzindo encontro, ciência e vida. Só quem esteve lá, sabe. Que bom se encontrar e trabalhar juntos outra vez!

O isolamento, aprofundado pela pandemia da Covid 19, causou estragos nas relações, na economia e restringiu as alternativas de bons locais para sediar o evento. A edição anterior deste Boletim, de número 73, trouxe texto muito generoso de Silvia Borghese sobre o Congresso em Recife. Ela reclamou corretamente que o local do Congresso não fazia jus às belezas de Recife; mas ela elogiou com emoção o que ouviu e sentiu no encontro com colegas, em uma experiência de uma psicanálise viva e vibrante no pós-período pandêmico. Foi impossível encontrar um local bonito e aprazível por preço condizente com os congressistas e com a realidade dos muitos estudantes presentes. Valorizar os estudantes é uma marca destes Congressos.

O tema do congresso ensejou diversidade de reflexões a começar pelo Argumento do Congresso com aguda reflexão sobre Eros e civilização, pensada a partir de Marcuse e tantos outros. O tema do Congresso foi também objeto de um dos minicursos, que convocou a literatura para falar dos amores e paixões com Proust, Baudelaire e Beckett. Todas as conferências, minicursos, simpósios e mesas-redondas transitaram do mal-estar ao amor e à paixão, da clínica ao social. Preocupações clássicas da psicanálise como as com as psicoses, com as melancolias, com as depressões, com as perversões e com os casos difíceis foram revisitadas, considerando os imperativos atuais de empuxo ao gozo e às adições. Questões candentes como a de gênero, de racismo, da exclusão, do feminino, da violência e do ódio foram tratadas sob diferentes abordagens. Estiveram presentes as análises sobre catástrofes e sobre a aceleração como fenômenos atuais que têm modificado a paisagem das cidades e das relações, indicando alteração do pacto civilizatório. Os debates reverberaram a questão de como, neste contexto, a psicanálise pode dar conta e contribuir clínica e socialmente?

O Congresso atualizou a reflexão sobre a Psicopatologia Fundamental, proporcionando boas trocas científicas, cumprindo plenamente o seu propósito. Foram dias de encontros alegres e tocantes, expressos nos abraços, nos olhares, nas palavras, na generosidade de acolher imprevistos com problemas de saúde de convidados. Ao todo foram três conferências, três minicursos, dois simpósios e 45 mesas-redondas.

O ciclo de conferências, uma para cada dia, se iniciou com a de Miriam Debieux Rosa, psicanalista e professora da USP, ganhadora do Prêmio Jabuti/2017, que tratou em sua Conferência dos desafios clínicos e políticos da psicanálise, ante os radicalismos e ruturas do pacto civilizatório atual. A conferência do segundo dia, ministrada pelo filósofo e escritor italiano Franco Berardi, abordou as “mutações antropológicas” que estamos sofrendo, resultantes do neoliberalismo que afeta o ritmo do desejo e cria um campo social deserotizado. Para ele há um desaparecimento tendencial da sexualidade no animal humano. Tal ciclo culminou com a conferência do psicanalista Jurandir Freire Costa que, do alto de seus 80 anos, mostrou a vivacidade de um pensamento que se renova e se atualiza. Seu discurso contundente, ético e sábio, abordou os traumas culturais que afetam opressores e oprimidos.

Os dois simpósios, numa abordagem mais clínica, promoveram o debate de temas viscerais como vida e morte e o traumático. Os minicursos, na abertura da jornada de trabalho, reuniam os congressistas em torno do ensino e de discussões calorosas sobre temas de suas escolhas: Eros e Civilização, Psicoses ordinárias ou Questões identitárias. As variedades de temas e subtemas das mesas-redondas deram testemunho do quanto esse tipo de evento pode ser um lugar privilegiado de trocas e de aproximações de pesquisadores dos quatro cantos do país para tratar do sofrimento humano, compartilhando e relativizando experiências. Na mesa-redonda sobre Eros na era da aceleração, coordenada por Edilene de Queiroz, uma das signatárias deste texto, o fenômeno da aceleração ao mesmo tempo em que foi tratado como uma tendência natural do ser humano, também foi realçado no quanto nos desconecta das experiências vitais. Outra mesa-redonda sobre o Pensamento e clínica não mecânicos de Christopher Bollas, dirigida por Sérgio de Gouvêa Franco, outro signatário deste texto, revisitou a questão da contratransferência, enfocando também o uso do analista pelo paciente no pensamento do psicanalista com formação inglesa.

Sabemos da relevância desse Congresso e nos alegra reconhecer a participação de muitos membros do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, com quem a Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental tem a honra de trocar experiências e juntos investirmos na pesquisa sobre o sofrimento humano.

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[1] Presidente do Congresso de Psicopatologia Fundamental em Recife em 2024.

[2] Presidente da Associação Universitária de Psicopatologia Fundamental.

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