Para tecer um envelhecimento em companhia
por Luciana Mannrich e Helena Albuquerque[1]
Para que o processo de envelhecimento aconteça de maneira potente e criativa, faz-se necessária uma rede de afeto que dê sustentação ao sujeito. Essa rede precisa acontecer no nível privado, com pessoas próximas que ajudem a manter a vida divertida e sustentável, e no nível público, com uma sensação de pertencimento e acolhida advinda de boas calçadas, serviço de saúde pública, contato com vizinhos e sensação de pertencimento ao tecido social.
Um cinema de rua funciona como um catalizador de redes de afetos. Não só porque convida o sujeito a caminhar por uma calçada, a bater papo nela depois do filme, a estar na rua por razões que não estão ligadas a compromissos de trabalho e burocracias. Mas também porque, ao ser ocupado com nossos corpos e reflexões, torna-se o locus de uma comunidade de pessoas interessadas em não só pensar sobre o envelhecimento, mas também em envelhecer bem.
É com esse espírito que seguimos com o Envelhecine, propondo filmes como disparadores para conversas que giram em torno de temas ligados ao envelhecimento. No último evento de 2024, fizemos uma parceria com o Grupo Teia de Aranha para refletir a respeito da amizade e das redes de afeto no processo de envelhecimento. Esse grupo faz da arte de criar, através dos fios coloridos, uma maneira de propiciar o encontro que possibilita o “cuidado de si” e o cuidado do outro. Composto por sete mulheres de diferentes faixas etárias, o grupo reúne-se mensalmente em São Paulo para criar e expressar, através do bordado, imagens sugeridas pela literatura e pelas contingências da vida.
O filme que inspirou esse encontro em parceria foi Colcha de retalhos, que conta a história de uma jovem mulher que, com o casamento marcado, vai passar um tempo na casa da avó e da tia-avó para terminar sua dissertação de mestrado. Essas duas mulheres, que ao longo da vida viveram alegrias e dissabores numa relação bastante conturbada, dividem com amigas de longa data o costume de se encontrar para bordar colchas comemorativas. Enquanto escreve sua tese, a noiva presencia as conversas em torno da confecção da colcha e os relatos de muitas histórias de amores e tragédias vividas por essas mulheres. Cada retalho da colcha conta a história singular daquela que o borda, cheia de som e de fúria, mas também da paz possível de ser encontrada. Escutar as histórias e participar da convivência, nem sempre pacífica, entre essas mulheres, em que os fios da conversa e dos bordados da colcha se entrelaçam, ajuda a jovem mulher a elaborar dúvidas e inseguranças em relação ao casamento já próximo, à tese que escreve e aos seus desejos para o futuro.
Na conversa depois do filme, o Grupo Teia de Aranha apresentou algumas das colchas comemorativas que fizeram ao longo dos anos. Usualmente feitas pelo grupo para celebrar os nascimentos dos netos, também foram confeccionadas para celebrar os 90 anos de uma das integrantes do grupo e para guardar na memória os 15 anos de vida do filho de outra integrante. Podemos pensar que nesses bordados feitos em companhia, fios da subjetividade de cada uma se entretecem e ajudam a trabalhar, a enfrentar a saída dos filhos de casa, a voltar a namorar, a passar pela menopausa, a envelhecer, a fazer os lutos e tantas outras coisas. A vida seria muito mais dura se não fosse pelas pessoas com as quais podemos compartilhar e elaborar tanto as dores como as delícias que vamos experimentando ao longo da estrada. Estar em companhia de amigos ajuda a fabricar tecido psíquico, um tecido que vai sendo bordado coletivamente, criando novos desenhos e novas formas de pensar e dar sentido às nossas vivências e ao nosso envelhecimento.
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[1] Psicanalistas, membros do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.