SOBRE O XIII CONGRESSO FLAPPSIP[1]
por Helena Albuquerque[2]
“Bem-vindo ao novo mundo
Que vai se desintegrar no próximo segundo”
Arnaldo Antunes, no álbum Novo Mundo
Como a psicanálise pode contribuir para manter o espaço aberto para o pensamento e a complexidade nesse novo mundo, “que vai se desintegrar no próximo segundo”, de acordo com o compositor?
O XIII Congresso FLAPPSIP: Eros, alteridade e criatividade em tempos de assombro – O pulso atual da psicanálise, nos convida a essa reflexão, sob o prisma do assombro diante da velocidade e da multiplicidade das transfigurações na civilização contemporânea.
Na cena mundial cotidiana temos um bombardeio de notícias sobre as mudanças climáticas e os anúncios de fim-do-mundo, as guerras genocidas, os discursos de ódio que proliferam nas redes sociais, as eleições de governos autoritários/fascistas ao redor do mundo e uma massa cada vez maior de excluídos dos direitos básicos de cidadania. Testemunhamos avanços tecnológicos que nos surpreendem e assustam, para o bem e para o mal. Somos então permanentemente invadidos por esse excesso de acontecimentos, que gera incertezas e insegurança quanto ao presente e ao futuro, principalmente quanto ao futuro das novas gerações.
Todavia, é importante constatar, no Brasil, avanços e conquistas importantes no que diz respeito à democracia e aos direitos humanos, liderados pelos movimentos: antirracistas, em sua luta contra a discriminação racial e nas políticas afirmativas; indigenistas, na luta pela demarcação das terras indígenas e a preservação de suas línguas e tradições, simbolicamente representado pela entrada histórica de Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras; feministas, nas lutas permanentes pela emancipação, direitos e liberdade das mulheres; LGBTQIA+, na luta por igualdade, respeito à diversidade e acesso a direitos; e ecologistas, na luta pela preservação das condições de vida do planeta.
Os eixos temáticos do Congresso são abrangentes e contemplam essa imensa complexidade da experiência humana nesses tempos desassossegados. Fica nítido o comprometimento com uma psicanálise consciente de sua inevitável inserção na história, na cultura e nos paradoxos de seu tempo. Os eixos temáticos propostos abrem para as contradições e para as nuances que envolvem cada um dos temas tratados, favorecendo o debate de ideias tão caro à psicanálise.
O primeiro eixo temático, Eros, entre desejo e conflito, compreende os relacionamentos, as novas configurações familiares, o erotismo, tanto como espaço de encontro como espaço de ruptura, o percurso do trauma à elaboração, e as novas formas de reprodução humana.
O segundo eixo, Alteridade entre a inclusão e a rejeição do outro, transita por diversos outros. O outro como espelho de transformação; como encontro com a diversidade; como desafio da subjetividade face à alteridade radical. Uma pergunta urgente surge diante da presença maciça da tecnologia: qual o outro da virtualidade? A visceral consequência do não reconhecimento do outro na diferença é trazida à luz: os fundamentalismos, feminicídios, guerras e crueldades. No campo do racismo e do colonialismo é reiterado o convite à reflexão sobre a discriminação e o narcisismo das pequenas diferenças.
O terceiro eixo, Criatividade: sobre os limites entre o perturbador e o transformador, convida a pensar a criação como resposta à catástrofe psíquica; a psicanálise na sua relação com a arte; a criatividade na clínica; a criação de novos mundos pelos povos originários; e a capacidade para o assombro como via sublimatória de criação e transformação.
O quarto eixo, Tecnologia, subjetividade e novos desafios, interpela sobre os avanços tecnológicos e seus efeitos na subjetividade; o desafio da inteligência artificial; a infância e adolescência nas telas; o cyber bullying e dinâmicas relacionais on line; a psicanálise e a tecnologia; e o mecanismo da recusa na compreensão da construção, circulação e adesão às fake news.
O quinto eixo perscruta a clínica psicanalítica, O pulso atual da psicanálise e os desafios atuais, averiguando a clínica psicanalítica entre o narcisismo e a alteridade; as sexualidades múltiplas; a medicalização e oferta diagnóstica; as clínicas públicas; a sociedade de consumo; e as crises climáticas e o sofrimento psicológico.
O sexto eixo, O assombro na clínica e na existência: oportunidade e ameaça, faz um convite para refletir sobre o impacto do assombro; o sinistro e o fascinante na sociedade contemporânea; a escuta analítica perante o assombro; o corpo como cenário de dor psíquica; a experiência da fragilidade permanente; e encerra com a pergunta premente de como manter aberto o espaço para a reflexão e a complexidade sem ficar paralisado pelo medo?
Nas conferências plenárias teremos a presença de três palestrantes convidados, dentre os quais Isildinha Baptista Nogueira, professora e supervisora no Curso de Psicanálise do Departamento. Isildinha certamente contribuirá de forma substancial para esse importante encontro de psicanalistas latino-americanos. Ela se destaca no amplo campo psicanalítico brasileiro e nos movimentos negros como uma pensadora dos problemas relacionados com o racismo e o colonialismo, com a sua perspectiva inédita sobre a constituição do sujeito negro e sobre a metapsicologia do racismo, com efeitos psíquicos tanto em negros como em brancos.
Para finalizar, cito Ailton Krenak; “Nós não podemos nos render a essa narrativa de fim do mundo. Essa narrativa é para nos fazer desistir dos nossos sonhos.” (post no Instagram arteescolanafloresta, 7/3/25). Interessante reflexão que ele faz, sendo conhecedor da experiência e da história dos povos indígenas, para os quais o fim do mundo desde séculos está presente como ameaça vinda dos conquistadores brancos. Os povos indígenas não só não desapareceram, mesmo que ameaças continuem existindo, mas, pelo contrário, estão em expansão até hoje e em um intenso processo de afirmação étnica. Essa reflexão pode nos ajudar a reconhecer que não sabemos o que nos espera. Que, em um mundo de crises e incertezas, manter a esperança e a aposta na capacidade de pensar saídas coletivamente é não “desistir dos nossos sonhos”.
O fio condutor proposto para esse XIII Congresso FLAPPSIP convoca a abertura da psicanálise para outros saberes, para as novas questões que se apresentam no mundo hoje, para o acolhimento das novas formas de sofrimento, reafirmando assim a sua capacidade criativa e sua hospitalidade.
A ampla participação dos membros, aspirantes e alunos do Departamento de Psicanálise nos congressos FLAPPSIP já virou uma tradição. Nossa presença tem sido uma marca forte, que tem contribuído para um encontro potente e dinâmico de muitas trocas, entre nós e com os colegas/amigos das outras associações, e que continua a reverberar quando voltamos às nossas clínicas e às nossas atividades no Departamento.
Próxima parada, Lima, Peru! Nos vemos lá!
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[1] A ser realizado em 16, 17 e 18 de outubro de 2025, em Lima, Peru.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, articuladora da área de Relações Externas no Conselho de Direção 2024—2025, delegada do Departamento na FLAPPSIP desde 2022.