Diálogo com o poema “Violência” , da obra Minha senhora de mim, de Maria Teresa Horta[1]
Por Rubia Delorenzo[2]
Ó secreta violência
dos meus sentidos domados
em mim parto
e em mim esqueço
senhora do meu
silêncio
com tantos quartos fechados
Anoitece e desguarneço
despeço
aquilo que faço
Ó semelhança firmeza
mulher doente de afagos
Maria Teresa Horta
Violência
Mulher doente de afagos?
Por que me desguarneço? Por que me desdigo?
Por que de mim esqueço?
Carrego em mim a cena muda da novela de família.
Trama escura por onde vivo a transitar.
Sinto, rondando como um presságio
a mãe louca, seu desatino
A criança suspensa no ar.
O pai que nega sua filha.
Sou a procura incessante de minha presença na alma de amores perdidos
Assim incansavelmente, sem trégua, dedico, destino meus
viscerais poemas.
Não posso sempre mostrar minha ousadia
Minha senhora de mim, por vezes, me escapa.
Donos de mim, quantos foram?
Sobrevivências ainda amordaçam minha língua.
Quais desses restos me atrasam?
Vivo a cercar a paixão.
Paixão do corpo, prazer do texto, amor ao verso.
Indesejada, entre abandonos e secos afetos, me ancoro em meu corpo.
Senti-lo, nomear suas partes, tatear suas dores, experimentar seus prazeres, dão formas à minha existência.
Do amor, da poesia que brota inadvertida, imprevisível, regresso viva.
1971
O que virá?
Presságios.
A mãe louca, seu desatino
A criança espancada, seu coração na boca
A filha trancafiada.
29/03/2025
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[1] Em 1971, ano da publicação do livro de poemas Minha senhora de mim, de Maria Teresa Horta, a escritora portuguesa foi perseguida e espancada nas ruas de Lisboa, por elementos da Polícia Internacional e Defesa do Estado e suas obras confiscadas pela ditadura salazarista.
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, colaboradora deste boletim online.