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Espaço clínico 2025 – Evento do Curso de Psicanálise
Fala de abertura

por Paula Francisquetti[1]

 

Desde 2019, o Espaço clínico, realizado anualmente, tem suscitado encontros, trocas e debates. Há 3 anos, ele tem sido construído de forma horizontal entre todos aqueles envolvidos no Aprimoramento do Curso de Psicanálise. A cada ano, diferentes temas e complexidades clínicas são escolhidos pelos grupos em supervisão para apresentação. Processo que tem sido rico, pois trata-se de um momento em que diferentes grupos se encontram para pensar junto e realizar uma tarefa implicada no trabalho de transmissão da psicanálise.

Os atendimentos individuais e em grupo são o coração da Clínica social do Sedes. Uma rede de pessoas com diferentes inserções e qualificações sustenta esse trabalho cotidiano. Trata-se de uma clínica entre vários/várias. Articulação complexa e viva, atualmente em momento de virada, de renovação do compromisso ético-político, na direção antirracista e decolonial, comprometida com a justiça social. Algo fundamental em um país como o nosso com imensas e profundas desigualdades sociais.

O espaço do Aprimoramento do Curso de Psicanálise busca trabalhar em sintonia com a equipe da Clínica. Retoma o espírito do desafio proposto por Freud, no V Congresso Internacional de Psicanálise de Budapeste (1918), de criação de centros de atendimento para camadas mais amplas da população, logo depois da experiência de destruição e devastação da primeira grande guerra.

Consideramos um compromisso ético-político pensar sobre o que a psicanálise tem a oferecer numa Clínica social. Trago as seguintes perguntas inspiradas na entrevista que Radmila Zygouris ofereceu para Pierre Babin e publicada no livro L’Ordinaire, Symptôme: O que a psicanálise pode escutar e quais intervenções tem a propor? Ela tem a oferecer algo de específico e pertinente? Ela tem a oferecer ferramentas para as pessoas viverem e se revoltarem? A revolta é saída para o lugar de vítima numa sociedade. Numa análise, a saída da situação de violência implica também na revolta relacionada à situação de sofrimento apresentada, na saída da posição de vítima. Isso pode inicialmente ser expresso em perguntas feitas a si mesmo sobre a própria implicação no sofrimento apresentado.

Para esse ano, os grupos de supervisão do Aprimoramento escolheram abordar a complexa temática da violência no contexto familiar. Sabemos que a compreensão da violência só é possível de ser feita no contexto de uma abordagem interdisciplinar. Cabe à psicanálise pensar e lidar com as implicações da subjetividade, mas não podemos esquecer que a produção da violência é social, histórica. Em nosso país, a estrutura social marcada pelo patriarcado, pelo colonialismo, pelo racismo e os preconceitos relacionados à dimensão de gênero tem sido produtora e reprodutora da violência social em suas mais diversas formas.

Na semana anterior assistimos ao monstruoso assassinato de um gari chamado Laudemir. Ele foi morto enquanto trabalhava, por um empresário incomodado com sua presença na rua. Na sequência, esse empresário foi para a academia de ginástica! Garantia de impunidade? O que esse fato fala de nossa sociedade? Não é surpresa saber que Laudemir era negro e pobre. Desnecessário seguir enumerando as situações de violência com que nos deparamos, mas quero apenas frisar que essa estrutura social, essa atmosfera, produtora de diversas formas de violência, contagia a todos nós e as famílias não ficam de fora disso.

E o que a psicanálise pode face à violência e sua reprodução, seus efeitos? Se compromissada eticamente, não pode deixar de testemunhar, dar visibilidade, nomear e oferecer hospitalidade para aquele que busca sair do sofrimento. A seguir serão apresentadas duas vinhetas que trazem nelas diferentes situações de violência ocorridas no contexto familiar. Um dos casos está no primeiro processo terapêutico e o outro já está no terceiro. Depois da apresentação dessas vinhetas, os analistas do aprimoramento trarão questões para disparar nossa conversa.

21/08/25

Bibliografia

Zygouris, Radmila. “L’Ordinaire, symptôme”. Paris: D’Octobre, 2012.

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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora e supervisora no Curso de Psicanálise.

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