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Intercâmbio Psicanalítico: divulgação e transmissão da psicanálise da América Latina

por Silvia Gonçalves[1]

 

No dia 2 de agosto último pudemos assistir ao segundo Colóquio da Revista Intercâmbio Psicanalítico, que pertence à FLAPPSIP – Federação Latino Americana de Associações de Psicoterapia Psicanalítica e Psicanálise à qual o nosso Departamento é afiliado desde 2017.  Fundada em 1999, a Federação é composta por dez associações, sendo que no Brasil, além do Departamento, contamos com o Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e o Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre.

A revista tem como responsável Luis Correa, que coordena o Comitê Editorial composto por representantes das associações. As representantes do Departamento são Mara Selaibe e Maria Beatriz Vannuchi. Como representante por pouco tempo, pude presenciar a seriedade e rigor com que Luis e o Comitê conduzem a publicação dos artigos. Bilíngue (espanhol e português), a revista contempla artigos, resenhas, entrevistas e pesquisas há 11 anos. Recentemente foi publicado seu 16º número. A leitura da revista pode ser feita pelo site https://intercambiopsicoanalitico.org/ojs/index.php/IPSI

Em 22 de junho de 2024 foi realizado o primeiro evento via zoom da Revista denominado Conversando com os autores – Intercâmbio Psicanalítico. Foram sugeridos dois artigos da revista que apresentavam temas comuns, com a apresentação de dois comentadores e dos dois autores, seguido de debate. O evento do dia 2 de agosto teve a mesma proposta e é preparatório do XIII Congresso da FLAPPSIP, que ocorrerá de 16 a 18 de outubro próximo em Lima, Peru. Foram sugeridos dois artigos: “O valor da ilusão e o traço da esperança” de Liz Coronel em https://intercambiopsicoanalitico.org/ojs/index.php/IPSI/article/view/414/719 e “Mal-estar na cultura, entre a violência e o desamparo” de Marcela Ramirez e Isidora Schlesinger em https://intercambiopsicoanalitico.org/ojs/index.php/IPSI/article/view/415/723, com comentários de Mara Selaibe e de Marcelo Leães do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre.  Estes artigos foram apresentados no Simpósio Clínico FLAPPSIP em 14 de setembro de 2024, denominado Sonhar um futuro é possível? A clínica do desamparo nos tempos atuais e publicados no último número da revista.

Mara abordou a crise civilizacional, citando Marilena Chauí, que se refere a uma nova subjetividade, em que aspectos como a ascensão da extrema direita, as guerras e as crises climáticas são ressignificadas pelo universo digital que leva a uma descorporificação, eliminando as coordenadas do tempo e do espaço. Este universo nos conduz, segundo Mara, ao limite, à fundação de uma subjetividade narcisista. Cita a demanda narcisista, o aumento significativo dos números de suicídios e de sofrimentos que comparecem na clínica de pacientes ditos não neuróticos. Pensa que a cultura em que vivemos instiga como Ideal do Eu que o sujeito se torne seu Eu ideal, oferta perversa, segundo ela.

Marcelo utilizou o significante da obesidade para se referir à violência, a violência contra si e a violência cultural que impede o acesso de todos a alimentos saudáveis. Falou da pulsão de morte, da sociedade do impulso e do cansaço. Assim como Mara, abordou a importância dos laços e da criação da ilusão.

Liz Coronel abordou um interessante estudo envolvendo a parábola do bom samaritano. Falou de subjetividades que apresentam menor vínculo e consequentemente maior dependência do outro, resultando em maior desvalimento e desamparo. O sujeito contemporâneo, segundo a autora, agarra-se ao cumprimento do Ideal do Eu, uma submissão a um ideal imposto pela cultura. Parafraseou Marcelo referindo-se aos desejos ultra processados.

Marcela Ramirez lembrou que o mal-estar para Freud está associado à culpa. Referiu a uma mudança de valores na atualidade que substituem a disciplina pela autonomia. Há um questionamento sobre nossa própria eficiência, o que somos capazes de ser. Observou que as telas enfraquecem os vínculos.

Isidora falou da violência como um não reconhecimento do outro como objeto, como uma manifestação sintomática respondendo ao desamparo. Distinguiu as formas de violência: cultural e estrutural, esta última relacionada à era digital e ao feminicídio.

O debate foi bastante rico, os temas giraram em torno do desamparo e de seus diferentes sentidos, constitucional, digital, da descorporificação diante da tela, dos caminhos do singular ao coletivo e da sua função comum, relações entre Ideal do Eu e do Eu ideal, de excessos do traumático e da importância da alteridade.

Penso que o evento atingiu as expectativas explicitadas por Luis, que fosse uma ocasião para que se conhecesse mais a Revista e que o conhecimento produzido por ela circule, cresça e seja material para discussão de seus leitores nas associações, nas escolas, em seminários, simpósios, cada vez mais.

Os trabalhos refletem os temas que serão abordados no Congresso, que coincide com 95 anos de publicação de “Mal-estar na civilização” de Freud, em tempos de assombro, não perdendo de vista os conceitos de Eros, alteridade e criatividade.

A dinâmica proposta pela organização do evento possibilitou, a meu ver, através de uma leitura cuidadosa dos comentadores e da resposta dos autores, essa circulação de conhecimento e trocas entre estes e o público que o acompanhou.

Enfatizo a importância da Psicanálise da América Latina se levar a conhecer, suas práticas, seus conflitos e valores. A revista representa, assim, uma ferramenta valiosa para essa difusão.

O evento revelou uma troca muito frutífera e necessária para seguirmos pensando e levarmos nossas reflexões até o Congresso em Lima.

Para acessar o evento: https://youtu.be/zC85PyOdS20

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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, delegada FLAPPSIP.

 

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