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Resenha de Ponto Segredo

Livro de poemas de Maria Cristina Teixeira Prandini[1]

por Ana Maria Siqueira Leal[2]

 

Quem foi o primeiro poeta brasileiro? Será Castro Alves? Que com seu “Navio Negreiro” e outras poesias aponta para o sofrimento do povo preto e o descreve com tanta sensibilidade?

Na passagem da Monarquia para a República, vozes protestam: José de Alencar, Machado de Assis, Álvares de Azevedo, que descortinam o caráter de nosso povo espoliado. Outro marco importante para a poesia nacional é a Semana de 22: um marco da modernidade.

Proliferam no Brasil, nesse período e posteriormente, diversas revistas de poesia: Zunai, Artéria, Zero, Atlas, Ouriço. Nos anos 60 e 70, os poemas estavam nos postes ou pichados nas paredes e nos muros, com a ajuda do spray, de um mimeógrafo ou de um silk screen.

Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, expoentes desse período, despejam seus poemas modernos, concretos numa métrica pouco conhecida.

Criatividade brasileira, onde se inscreve Maria Cristina Prandini, menina que ama as palavras e desde pequena pensa nelas e com elas.

Na apresentação de Cristina, Áurea Rampazzo comenta (…)  Essa voz inaugural, já sabia que a poesia nem sempre se encontra anunciada no sublime, às vezes se mistura às coisas do cotidiano, nomeando sentimentos e desconfianças” (…). São 53 poemas – já no início encontro “Herança”. Lendo esse poema, não posso deixar de sentir o que Cristina sente. Essas lembranças do avô – café com gosto de ananás, café na caneca verde ágate. Assim ela foi iniciada nos mistérios da linguagem.

Em “Noite Adentro”, na mesma linha de “Herança”, esse poema retorna as lembranças dos avós,

aprendi bem cedo a sua doçura.
Alumbramento, por exemplo, não tem gosto de quindim?
Capturar… arroz doce com canela
Minha avó acordava no meio da noite,
Fugia dos pesadelos
buscando os doces em calda
Figo, cidra, marmelo
Quando nenhum servia
se consolava com leite e açúcar queimado
Insônia para mim,
passou a ter gosto de cheiro bem marcado 

Eu acompanhava minha avó
e no dia seguinte sonolenta
inventava palavras para o meu avô,
que se ria muito, de tudo
Ele tinha dormido a noite inteira

No poema “Recordações”, dedicado ao neto Felipe,

algumas palavras querem ser ditas bem lentamente (…)
Algumas nos acordam
Estupendo
Outras nos adormecem
Cantelena
As palavras só querem saber de mandar 

Em “Sina”,
Um dia desses experimento a obediência – só prá ver que gosto tem” 

“Nunca mais”:
Foi no enterro do seu Joaquim
Lembro-me bem
Encantei-me com as flores
Com os sequilhos, com o café e biscoitos
de polvilho
Mas houve quem dissesse
Nunca mais, nunca mais 

Entendi que morrer é para sempre
Espantei-me que houvesse aula depois
A madre superiora riu de minha ingenuidade
‘Morre gente todos os dias’
Percebendo meu espanto arrematou
‘Todos os minutos’

Claro que não caberia aqui falar de todos os poemas, mas vou continuar pincelando alguns que foram mais expressivos para mim.

“Sombras”;
café fraco me deixa assim
Desarvorada”

“Ressentimento”:
A quieta mulher em sua madurez
trancada a chave
o cheiro de sândalo
escuta a chegada do outono
em breve a beleza se vai
e a sabedoria não chegou ainda” 

“Gramática”
Pensando bem, eu não preciso saber o plural de arco-íris 

“Despudorada”:
“Enquanto a poesia não chega,
penso bobagens” 

“Melancolia”:
Às vezes me encanto com uma palavra
cismei que sozinho tinha acento
o dicionário me diz que não
súbita tristeza me invade
além de sozinho
nem acento tem” 

“Com Leminski”:
Louvado seja Deus
Não apenas entre roupas lavadas no varal
mas também entre as sujeidades do mundo imundo” 

“Solar”:
A gargalhada
multiplica-se em vogais
alaranjadas

“Pré – história”, a última que poderia ser a primeira:
Quando eu era bem menino
pesava palavras a ermo
nas conversas entre os adultos
O que dizer, eu perguntava
quando respondiam, ficava tão triste
a brincadeira terminava
às vezes eram ótimas fontes
A Salve Rainha por exemplo
de onde retirar a palavra desterro
Deu trabalho ninguém sabia
tem de haver um erro, não
é o marido da Terra
alguém tirou algo de alguém
foi mandado embora

Finalizando, algumas palavras: Cristina dedica seus poemas a seus queridos. Filhos, neto, a seu analista e ao seu amor que se foi.

__________

[1] Maria Cristina Teixeira Prandini, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Diretora do Instituto Vox de psicanálise.

[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

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