Querido amigo Mario
por Silvia Leonor Alonso[1]
Querido amigo Mario, que saudades!
Conheci o Mario em 1972, numa reunião da militância; militávamos juntos no mesmo bairro da periferia de Buenos Aires. Reunião para pensar projetos que seriam desenvolvidos na favela.
A lucidez e a profundidade na análise das situações, realizada pelo Mario, me surpreenderam e encantaram, assim como as boas trocas que desde esse momento inicial existiram entre nós. Saímos da reunião com um esboço de um projeto, no qual trabalhamos juntos durante longo tempo com as mulheres da Vila.
Só interrompidos nos últimos tempos mais sombrios e terríveis de Argentina, os projetos compartilhados entre nós se multiplicaram ao longo do tempo… Já no Brasil, no referido ao âmbito do trabalho, eles foram muitos: o Curso e no Curso, no Departamento, na FLAPPSIP. Mas quero me referir a um em particular, o da escrita.
Lá atrás, Flávio Ferraz me ligou um dia para contar da coleção que estava organizando; disse que tinha pensado 10 temas fundamentais da psicopatologia e queria que eu escrevesse sobre um: histeria. Não quis fazer isso sozinha, liguei para Mario e lhe propus que escrevêssemos juntos. Para minha alegria, ele ficou muito entusiasmado com a proposta.
Foram cinco anos de intenso trabalho, que acabou se convertendo num espaço importante de trocas clínicas, discussões teóricas, reflexões sobre o entorno cultural e político. Cada frase do livro condensa horas de trocas, sempre ricas e prazerosas.
Publicamos o livro Histeria em 2004; em 2005, fizeram a segunda edição. Depois escrevemos mais dois capítulos sobre o tema, que publicamos em duas coletâneas; durante a escrita do último, resolvemos que faríamos um segundo livro sobre histeria e contemporaneidade, mas… o tempo corre, foi passando e o sonho ficou na gaveta.
Em outubro de 2022, recebi da editora Artesã, que agora cuida da coleção, o material do livro para aprovação, já que fariam a terceira edição. Fui conversar com Mario para ver se incluiríamos os dois capítulos escritos posteriormente, mas como sempre acontecia nas nossas conversas, poucos minutos depois, estávamos entusiasmadíssimos, retomando as ideias que tinham ficado na pendência. Aí Mario disse: “Não vamos incluí-los, daqui a pouco, quando eu melhorar, vamos continuar e escrever o novo livro”.
Ele manteve projetos e sonhos até o final. Alguns ficaram inconclusos.
Perante o fim de sua vida, senti que era importante juntar num livro só tudo o que tínhamos escrito sobre o tema. Como se juntá-los num livro só desse o aconchego de algo concluído. Lucía e Julián, aos quais consultei, também acharam importante. Mas não era fácil, o livro já estava na gráfica, tínhamos que conseguir que a editora o retirasse para podermos fazer as mudanças que não eram poucas, sozinha não teria conseguido, mas apelei à generosidade dos colegas: Flávio Ferraz, Nelson da Silva Jr., Sílvia Nogueira, que ajudaram. Conseguimos que o livro voltasse para a gráfica em pouco tempo e ficasse pronto, com os novos capítulos, para hoje, como vocês viram na exposição aqui fora. Mais uma homenagem que fazemos hoje para Mario.
Fora do âmbito profissional os projetos compartilhados foram inúmeros, o grupo da família ampliada, que aqui constituímos, e que agora já tem três gerações: a nossa, a dos filhos e a dos netos, muitas coisas vividas!!
Muitas saudades, Mario, de sua generosidade, da irmandade que existiu entre nós, das conversas, da longa e rica amizade.
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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora do Curso de Psicanálise e coordenadora do grupo de trabalho e pesquisa O feminino e o imaginário cultural contemporâneo.