Homenagem ao Mario
por Bruno Esposito[1]
Queria fazer aqui um breve depoimento a partir da minha experiência com o Mario, algo que me possibilitou o privilégio de vê-lo e acompanhá-lo de pontos de vista muito diferentes, de construir uma convivência bastante intensa, mas de ângulos diversos, e de constatar como ele era um ser humano incrível, fora de série, em todas essas facetas dele.
O primeiro ponto de vista do qual vi o Mario foi do ponto de vista da criança pequena que eu era quando já convivíamos. Evidentemente, a maioria de nossas famílias que vieram da Argentina por força do exílio não tinham família biológica aqui no Brasil exceto a própria família nuclear, portanto fizemos dessa colônia argentina a nossa família. Então o Mario era meu tio, implícita ou explicitamente. E eu lembro muito de várias vezes dormir lá na casa deles, acordar no quarto do Julián e irmos ao quarto do Mario e da Lucía, para assistir Fórmula 1 aos domingos. No café da manhã lá, foi ele que me ensinou a cortar maçã, de um jeito muito minimalista e eficaz, só usando a palavra “no” quando eu posicionava a faca meio em direção aos meus dedos, e assentindo com a cabeça quando eu estava indo bem.
Na minha adolescência, e tenho certeza que para todos os meus primos da colônia argentina também, ele foi decisivo na nossa formação e reflexão política. Sempre o vi como um cara completamente atravessado pela política, implicado, um sujeito-político. Dos incontáveis Dias das Mães, Dias dos Pais e Natais que passávamos juntos, na mesma mesa em que ele me ensinara a cortar maçã, sempre surgia o assunto da política, no sentido de uma leitura do social, que ele fazia de um jeito belíssimo num vaivém entre a trajetória militante dele na Argentina e o Brasil do momento em que estávamos, alinhavando tudo pelo seu pensamento psicanalítico.
Mais ou menos no começo da minha prática clínica no meu próprio consultório, eu e o Tomas Bonomi, querido amigo também aqui do Curso e do Departamento, decidimos escolher o Mario como nosso supervisor. Foram mais de cinco anos nos reunindo semanalmente, deslumbrados com a capacidade que ele tinha de pensar clinicamente sempre duas, três, quatro vezes na frente de qualquer outro clínico. Mas compartilhava seu saber de uma forma absolutamente humilde, democrática, gentil. Tudo isso permeado por um interesse absolutamente genuíno e generoso pelo nosso percurso, vibrando com cada conquista, cada novidade, cada avanço. E acima de tudo, de um jeito muito afetuoso, e muito, muito, muito bem humorado, com a risada mais deliciosa e verdadeira que um ser humano pode ter, que temperava toda nossa experiência com ele.
Foi um tempo de ver também seu corpo acusar o golpe, progressivamente, e assistirmos a batalha que ele travou tão bem, e por tanto tempo, contra as limitações do seu pulmão. Com a pandemia, evidentemente, somada às suas fragilidades pulmonares, foram raras as oportunidades de encontrá-lo, mas, de novo em um Natal, em uma viagem que fizemos, tive a última chance de conviver de maneira próxima com Mario. E foi surreal a minha percepção de como ele simplesmente tinha transcendido. Parecia que ele tinha pensado assim: já que eu não tenho um corpo que me ancore, vou virar pura alma, puro intelecto, pura vida, relação. Ele fazia as reflexões mais belas e mais profundas sobre a vida, a partir do que quer que fosse. Nessas, fica a sensação de que ele pôde aproveitar tudo ao máximo, até o último instante que teve, e nós também o aproveitamos ao máximo, até o último instante… Foi um prazer.
_______________
[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.