O retorno do Colóquio de Monografias
por Marina Pikman[1] e Flávia Ripoli[2]
O XII Colóquio de Monografias do Curso de Psicanálise aconteceu no dia 16 de setembro de 2023, passados 4 anos da última edição, realizada em 2019. Criado em 1998, o Colóquio acontecia a cada 2 anos, mas o evento de 2021 foi suspenso pelo mandamento de isolamento social da pandemia de COVID.
Nos bastidores da organização[3], circulou uma dúvida sobre a adesão das pessoas ao evento, especialmente por parte dos alunos. Ficamos apreensivos no período de recebimento dos trabalhos. Depois, preocupamo-nos com o comparecimento das pessoas ao evento. Talvez, o efeito da pandemia sobre as possibilidades de grupalização ainda se fizesse sentir. Diante da apreensão, os professores que integravam a Comissão nos incentivaram e transmitiram a experiência dos colóquios anteriores, com entusiasmo. Contrariando nossa expectativa, o evento foi um sucesso: recebemos 39 trabalhos, divididos em 13 mesas diferentes. O sucesso também foi sentido pela adesão dos alunos e professores, pela qualidade das discussões e pelo efeito tão desejado de grupalização pós-pandemia.
O Colóquio traz à tona a importância do processo de escrita na formação em psicanálise. Esse processo revela as inquietações latentes dos analistas em formação, em busca não só de uma escuta, mas de uma escrita própria. A escrita é um ato de singularização do analista, de apropriação da teoria freudiana para a criação de algo novo que faça sentido na vida e na clínica do analista em formação. Expor a própria produção e testemunhar a produção dos colegas possibilita compartilhar essas inquietações e se deixar afetar por elas.
No início das apresentações, era possível sentir uma atmosfera de nervosismo. Afinal, não é fácil se expor para o outro nesse contexto de formação. As inseguranças afloraram, especialmente diante de professores que aparentam saber tanto e nós, tão pouco. Contudo, no decorrer da discussão, o nervosismo foi substituído por muitos outros afetos, especialmente de entusiasmo. Foi possível fazer discussões aprofundadas e, sobretudo, livres.
Organizar, apresentar, coordenar e assistir foi uma experimentação interessante das formas de circulação das produções dentro do Departamento. A diversidade temática dos trabalhos revelou a liberdade de pensamento de seus alunos e professores.
Uma das marcas do Curso de Psicanálise é o incentivo à interlocução com outros campos do saber e com seus diversos autores e se imprimiu nos trabalhos, que conversaram com a arte, a poesia, a literatura, a filosofia e a psiquiatria. Ocorreu o diálogo entre Freud e seus sucessores: Bion, Winnicott, Lacan, Ferenczi, entre outros. A preocupação com a construção e transmissão de uma psicanálise contemporânea, brasileira e à altura das questões de nossos tempos foi evidente, considerando as discussões sobre o racismo, as questões de gênero, os povos indígenas, o trauma e a transgeracionalidade.
Entre as 13 mesas que ocorreram no dia do evento, destacamos duas, tanto pela grande adesão, quanto por evidenciarem questões que nos preocuparam coletivamente nos últimos quatros anos. A primeira foi intitulada “Escuta clínica: sonhos e identidade racial” e, nela, foram apresentados trabalhos produzidos na interlocução da experiência pessoal com a teoria, trabalhada principalmente a partir da perspectiva de autores e autoras até recentemente pouco lidos pela maior parte dos psicanalistas brasileiros, como é o caso de Frantz Fanon e Lélia Gonzalez, assim como da interlocução com produções de outros campos para além da psicanálise, como é o caso da discussão sobre o sono e o sonho para os povos Xavante e Ianomâmis. A grande mobilização e participação nessa mesa, assim como a produtiva discussão, que, entre outros temas, buscou pensar formas de escutar o sofrimento produzido pelo racismo em nosso país e discutir modos de fazer-saber a partir das perspectivas decolonial e antirracista, são evidências importantes dos efeitos do trabalho de letramento racial e do enfrentamento do racismo institucional que nos últimos anos vem sendo feito no Departamento e no Curso de Psicanálise.
A segunda mesa que destacamos, chamada “Trauma, transgeracionalidade e compulsão à repetição”, trabalhou com temáticas que ganharam relevância para os debates psicanalíticos contemporâneos no decorrer dos últimos anos, particularmente após a pandemia e o Golpe de 2016. Os trabalhos discorriam sobre o trauma e seus efeitos em um caso clínico, em um filme e na própria história de uma das autoras. Todos os presentes se emocionaram e o choro emergiu. Histórias íntimas daqueles que estavam presentes foram compartilhadas e elaboradas coletivamente. O encontro foi tocante.
Nas conversas após o evento, pairava o entusiasmo com o Curso, com a instituição e com o grupo de professores e alunos. O Colóquio foi uma prova de que o Curso de Psicanálise se mantém vivo e seus integrantes produtivos, mesmo depois do impacto e das perdas sofridos nos últimos anos.
_______________
[1] Psicanalista em formação, psiquiatra e aluna do terceiro ano do curso de Psicanálise.
[2] Psicanalista, psicóloga e aluna do terceiro ano do Curso de Psicanálise.
[3] A Comissão Organizadora do XII Colóquio de Monografias foi composta por Atilio Bombana, Beatriz Trabanco, Carolina Guimarães de Battista, Cida Aidar, Flávia Ripoli, Ivy Martinez, Lívia Sagula, Lucas Ribeiro Arruda, Maitá Figueiredo, Marina Pikman, Maristela Vendramel Ferreira, Nayra Ganhito, Olivia Chagas da Costa Manso e Renata Pires.