Instituto Sedes Sapientiae

boletim online

jornal de membros, alunos, ex-alunos e amigos de psicanálise

Entretantos Cá entre Nós: três das Rodas de conversas

Para transformar o trauma

pelo GT Diários clínicos[1]

 

Mobilizados pelos atravessamentos da pandemia e a partir dos relatos realizados nos encontros semanais do grupo, o GT Diários Clínicos convidou os participantes do Entretantos para uma conversa sobre os efeitos deste período na pessoa do analista.

Por narrativas entremeadas, tecemos sentidos para o trauma. Temos o desejo de organizar, de buscar referências, temporalidades, de ficcionalizar o que não conseguimos recuperar ou entender. Seguem testemunhos de um diário impossível da pandemia.

Setembro/2023
Eu lembro das ruas desertas, silenciosas… era esquisito… sim, tinha medo, mas não do vírus. Mas também apareceram golfinhos nos canais de Veneza, parecia uma utopia materializada.

Fevereiro/2022
Não me lembro daquela cena da máscara; hoje é como se ela não tivesse existido, ainda que esteja presa na minha cara.

Maio/2020
Entrei pelos corredores da UTI sem cumprimentar ninguém. Na porta do quarto, uma pequena mesa: álcool gel, propé, touca de cabelo, luvas, avental, máscara N99 e máscara normal, face shield. A médica à minha frente usava duas máscaras. “Dra., é necessário usar duas máscaras?” “Faça o que quiser!”

Junho/2021
Silêncio, falta oxigênio!

Março/2020
Depois de driblar um câncer de pulmão por dez anos, meu pai falece de madrugada, quase dia. Ao nascer do sol, enquanto o corpo dele é levado pelos fundos do hospital, a recepção do pronto-socorro é envolta de faixas de sinalização e equipada com sprays de álcool gel, a entrada é vedada aos visitantes. Embora não soubéssemos dimensionar o que ainda estava por vir, sabíamos que algo de incontornável havia chegado. O tempo era outro, e eu também.

Julho/2020
Quando eu voltei para o consultório, os limoeiros e o manacá haviam secado. Sobraram apenas o terrário e as espadas de São Jorge e Santa Bárbara – que nunca voltaram a ser as mesmas. Eu deitei no tapete e fiquei olhando para o teto. Me lembro de ficar esperando ouvir o barulho das portas abrindo e das pessoas entrando. Mas, naquela hora, eram só eu, o tapete e as plantas.

Setembro/2023
Na roda, Juliana lembra do primeiro encontro presencial com seu grupo do seminário, até então online, e da saudade que descobriu sentir. Os psicanalistas dizem que todo encontro é um reencontro. Reencontro de uma saudade?

Fevereiro/2021
Do outro lado destas paredes,
furtivo, invisível
Um vírus espreita minha carne entediada
Sem cor
Sem cheiro
Sem gosto
Não reclamo: sobrevivo

Setembro/2023
A pandemia de COVID me afetou em vários setores da vida – no total perdi 23 pessoas entre amigos daqui, de Moçambique e parentes próximos. E meu cachorro de 11 anos, Yanzer. Mas eu sofri mais com o dia-a-dia do (des)governo B. Cada declaração, cada “live” (“morta”), o completo descaso com a resposta nacional à pandemia (sem testes, sem vacina), o negacionismo…. E era TODO DIA. Então, em lockdown tendo um vizinho martelando (literalmente) das 7h30 às 19h30, minhas salvações foram a análise, o aumento de trabalho, o isolamento acústico do quarto que virou escritório e as tantas conversas online em que podia “brindar” com amigos, compartilhar as dores e superações.

Perdi muita gente sem poder chorar devidamente, sem os rituais do luto e na única vez em que aceitei participar de um zoom-de-velório fiquei mal uns dias na sequência e decidi não participar mais. As aulas do Sedes eram um bálsamo: ter o que ler, ter os pares para comentar, aprender com os queridos professores…. Foi parte do kit de sobrevivência. Ter saído dos grupos de família com b**naristas e entrar nos grupos dos pares foi vital. As eleições que tiraram os fascistas do poder executivo também ajudaram. Sobrevivemos! Sequelados aqui e ali, mas sobrevivemos!

1976, Paulo César Pinheiro
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil

Setembro/2020
O passarinho
na pitangueira
não é
tema
as milhares de mortes
todos os dias
é:
tema

Abril/2020
Sonho: Eu estava no meu quarto no apartamento do Rio. A casa havia sido invadida por bandidos armados. De repente percebo que os bandidos tinham esquecido uma metralhadora sofisticada em meu quarto. Ali eu me via num dilema: tinha a oportunidade de usar aquela arma e tentar salvar minha família ou ficar escondido. Eu teria que sair do quarto com a metralhadora nas mãos e render os bandidos que nos mantinham reféns. Eu sentia medo, teria que me arriscar muito correndo o risco de ser rendido com a metralhadora em punho. A falta de habilidade para operar uma arma daquelas me segurava, nunca me interessei por armas na vida. Eu imaginava um filme, como que antecipando a cena onde sairia do quarto com a metralhadora, desesperado, tentando salvar a família. Em seguida, acordo assustado.

1951, Adorno
Seria impossível para o fascismo ganhar as massas por meio de argumentos racionais, sua propaganda deve necessariamente ser defletida do pensamento discursivo; deve ser orientada psicologicamente e tem de mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos.

Setembro/2023
Alguém conta na roda a pergunta da pequena neta que continua a nos inquietar: quando será a próxima pandemia? Ecoam outras perguntas: quando será a próxima guerra? Quando vai acabar a água? A Amazônia? Quando a última casa de São Paulo vai ser demolida? Quando vamos deixar de conseguir driblar a pobreza em nossas (des)confortáveis bolhas? Quando voltaremos a ter esperança? Sobrevivemos?

1977, Michel Foucault
Em um texto precioso chamado ‘Uma introdução à vida não fascista’,  ele diz que resistir ao fascismo não é apenas lutar contra um ditador e seus asseclas. Resistir é também perceber como se produz o fascismo em todos nós. Pergunta Foucault: “Como fazer para não se tornar fascista mesmo (e sobretudo) quando se acredita ser um revolucionário? Como livrar do fascismo nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres? Como desentranhar o fascismo que se incrustou em nosso comportamento?”

Setembro/2023
Dois tempos do trauma: o tempo de sobreviver e esperançar que a barbárie se transforme em humanidade (mas parece que ainda não foi dessa vez…) e o tempo, a posteriori, de recordar e tentar elaborar o que hoje parece distante, mas completamente vivo dentro de mim. Será que somente no coletivo é possível dar conta dessa experiência pandêmica e transformar o trauma em outra coisa?”.

 

Relato da roda de conversa “Do trauma ao luto: relato do atendimento grupal e virtual a familiares de vítimas de violência policial” ocorrida no Entretantos Cá Entre Nós

  por Gustavo Lerner Battagliese[2]

 

Na tarde do dia 30/09, durante a última rodada de apresentações dos trabalhos do Entretantos, aconteceu a Roda de conversa “Do trauma ao luto: relato do atendimento grupal e virtual a familiares de vítimas de violência policial”. O grupo Faces do traumático (ao qual chamarei de “Faces” ao longo do relato) estabeleceu a modalidade “roda” para criar um espaço de troca transcendente ao mero relato de suas experiências.

A roda de conversa é um dispositivo versátil e pressupõe horizontalidade entre seus participantes. Sua disposição física varia de situação para situação. No evento, a composição foi a de um semicírculo onde os participantes se sentaram enquanto os membros do Faces, Maria Angelina Cabral, Camila Munhoz, Clarissa Motta e Flávio Veríssimo, o fizeram em sua extremidade plana. O início da atividade se deu com a leitura de um texto sobre a experiência do atendimento. A contraposição entre a base plana e o restante da roda me evocou diversas associações que abordarei nesta minha exposição.

A narrativa se inicia com a procura feita pela Defensoria Pública de São Paulo para que o Faces estabelecesse atendimento aos parentes de nove jovens que foram mortos pela polícia em um evento dentro de uma das maiores comunidades da cidade. Com isso, estabeleceu-se o contato com os familiares e, a partir daí, a construção de uma proposta de grupo terapêutico.

O desenvolvimento do trabalho foi marcante em diversos aspectos. Citarei alguns: os desafios de formar um grupo frente aos limites impostos pela pandemia e a consequente escolha da modalidade online, que se fez a única viável frente às distâncias geográficas de seus participantes; a premissa por parte do Faces de que a responsabilidade pelas mortes era unicamente da polícia, fato que parece ter sido o ponto fundamental para que a transferência grupal pudesse se estabelecer; o duro trabalho de tessitura de representações e memórias do acontecido, daquilo que foi visto e do que foi apenas imaginado; e, por fim, o significativo trabalho de diferenciação das diversas esferas do poder público, com o reconhecimento do que seriam gestos de reparação, acolhimento e descaso. O final do relato ficou marcado pelo movimento de reconstrução da história e complexidade de cada uma das vítimas, precipitado pela exigência que a justiça colocava ao grupo para que fosse celebrado um acordo extrajudicial.

A roda recebeu esta história com bastante intensidade. Era notável nas expressões de todos nós a mobilização que uma situação de violência de Estado é capaz de provocar. Em um primeiro momento, quando os motores da discussão ainda se aqueciam, pude reparar algo que deve ter sido, no mínimo, análogo ao que essas famílias viveram: a indignação e o questionamento de onde estava o poder público. Foi aí que ocorreu minha primeira associação em relação à base plana do círculo onde estavam os membros do Faces. Era quase como se os colocássemos, ainda que de uma maneira sutil, em um lugar de balcão de direitos humanos de uma ONG ou até da própria Defensoria.

Questões técnicas foram sendo levantadas. Por que a escolha de um grupo operativo? A primeira resposta a esta questão surgiu referida à escolha do supervisor do grupo, mas me parecia que falava de algo mais, que só foi se esclarecendo ao final do encontro. Vale ressaltar as duas tarefas construídas pelo grupo: “Lidar com a dor de forma a abrir mais espaços de vida e esperança” descrita pelo Faces como um solução de compromisso entre duas tendências do grupo e, posteriormente, “Como lidar com sentimentos ruins que a revolta trouxe de forma a poder lutar e continuar com a vida?”.

Foi interessante observar como, ao acompanhar os pontos neurais do relato, nossos questionamentos perpassaram aspectos angustiantes e sofridos da situação, bem como os da condução do grupo. A começar pelo sentimento de impunidade relativo à absolvição dos policiais pelo tribunal militar e à violência advinda de distorções feitas pela grande mídia e opinião pública, que pintavam uma ligação preconceituosa entre os mortos e o crime. Seguido por todo o trabalho de reafirmação de que nenhum dos jovens tinha antecedentes, de rememorar e nomear a violência, a fim de tornar legítima a dor dessas famílias, significando-as também como uma dor política que tem em seu seio a inação e a cegueira das autoridades.

Aspectos do atendimento grupal foram apresentados e muito foi trocado entre os tantos de nossa roda. Vale ressaltar mais um ponto: o posicionamento dos coordenadores do grupo em sustentar que havia algo importante proposto no acordo extrajudicial que o poder público ofereceu. Essa posição, passível de ser lida em sua complexidade, também carregava a afirmação de um reconhecimento da culpa da polícia pelos assassinatos ocorridos, abrindo assim um caminho ainda difícil de memória e reparação. Para que o acordo fosse válido seria necessário que todos os familiares o aceitassem. De forma que o consequente trabalho de juntar os documentos e rever a história das vítimas e suas famílias fez com que dinâmicas e intensidades viessem à tona. Muitas ideias e questionamentos circularam ao tentar discernir o que retraumatizava e o que elaborava nesses movimentos do grupo.

Ao passo que discutíamos isso em roda, a imagem daquela extremidade plana, onde os membros do Faces estavam, me remeteu a um tribunal – não ao tribunal militar parcial e tampouco à justiça civil, onde o processo foi aberto e se encerrou com o acordo. Era um tribunal onde a justiça se fazia com a palavra e o reconhecimento. Outra imagem que me veio foi a de uma coletiva de imprensa, onde as reputações dos jovens eram salvaguardadas pela narrativa e memória de seus familiares recontada pelo grupo. Estas imagens tiveram força e ressoaram em mim, pois ainda que o princípio de horizontalidade da roda de conversa tenha se mantido até o fim, a impressão era a de que estas funcionaram como fantasias de reparação ou poderiam ser resquícios de algo que ficou depositado no grupo terapêutico, um anseio pela solução absoluta de uma dor irremediável.

A última parte da conversa foi permeada por perguntas do que teria sustentado esse grupo: o que o formou? A iniciativa de escuta? Ou ele já estava formado pela coletividade imposta pela tragédia compartilhada? Qual era o papel dos psicanalistas frente a tanto descalabro e descaso das autoridades? O que é testemunhar tudo isso?

Foi aí que pudemos retomar a ideia do grupo operativo e de como suas tarefas, de alguma forma, foram tecendo o contorno de uma maneira de compartilhar a dor em coletivo e de trabalhar estas questões com os psicanalistas que os escutavam. A tarefa pareceu servir de balizador e proteção ao grupo. A escolha do Faces por esse modelo de trabalho foi ao encontro do que foi formulado: lidar com a dor, achar lugar para a revolta e rever algum sinal de esperança.

No final da discussão, algo muito curioso ocorreu. Por um pequeno momento, ficamos todos um pouco ansiosos e começamos a falar um por cima do outro. A ordem de fala, quase orgânica da roda, se perdeu em um pequeno tumulto. Não foi um grave mal-estar ou discordância ampliada; pareceu mais o desejo de todos de participarem e estarem dentro da discussão. Isso rapidamente foi absorvido pelo Faces, que ordenou uma fila de falas apenas com gestos e olhares, garantindo o espaço de manifestação de cada um. Não pude deixar de enxergar ou fantasiar no gesto daqueles que ocupavam a extremidade plana do círculo a manutenção de um espaço vivo e de intensidade, sem que nos pisoteássemos uns aos outros.

Que rodemos mais entre nós e entre tantos!

 

O movimento Articulação no Entretantos III – Cá entre Nós

por Ana Claudia Patitucci, Paulo Jeronymo Carvalho[3] e Ana Maria Sigal[4]

 

A roda de conversa proposta por nós para o evento Entretantos III teve o objetivo de compartilharmos com o Departamento de Psicanálise as questões que ocupam (e preocupam), atualmente, o trabalho do movimento Articulação. O texto abaixo também segue com esse intuito.

Ana Sigal, que fez parte do grupo que fundou o Articulação, nele atuou por 22 anos e segue sendo nossa articulanda, abriu a conversa para contar como se deu a história do movimento. Ela relatou que a participação do Sedes abriu uma frente importante para nosso Departamento, por se incluir em um espaço único de interlocução entre instituições e escolas de diversas origens do campo psicanalítico. Um primeiro e grande trabalho foi fazer com que o nosso Departamento fosse conhecido, já que poucas pessoas sabiam sobre nossa instituição e, além disso, que se pudesse entender por que haviam 3 representantes do Instituto Sedes, pois os departamentos Formação em psicanálise e Psicanálise com crianças (este ficou por pouco tempo) também estavam representados no Movimento.

O movimento Articulação reúne instituições de todas as escolas teóricas que declarem em seu regulamento que fazem formação de analistas. Não aceita pessoas individuais. Além desses citados, o único critério necessário até hoje para fazer parte do Articulação é que sejam instituições laicas, sem filiação política, que não tenham pessoas físicas como donos e cujo interesse de pertencimento seja a não regulamentação da psicanálise. O próprio movimento se recusa a formar-se como instituição, pois se assim o fizesse seria, por si mesmo, um órgão regulador.

O movimento Articulação se criou como reação e resposta a uma tentativa de lei que delimitaria quais seriam as condições de formação e que definiria como um grupo poderia denominar-se como psicanalítico. Temos dois livros que falam desta história, e vários artigos publicados no site do Departamento e no Boletim online, que desenvolvem longamente esta posição, motivo pelo qual não abordamos todos os percalços de sua história, só ressaltamos que: “Se a prática analítica sustenta, fundamentalmente, a desalienação do sujeito faz sentido pensar, já de início, a formação de um analista como não avalizado por um órgão oficial que submete o exercício do ofício do psicanalista a uma autorização exterior a sua ética.”

No seu início, o Articulação teve que enfrentar duas frentes de trabalho, uma externa, contra a lei da regulamentação e outra, interna, porque foi difícil que se entendesse que nesse espaço todas as instituições tinham o mesmo lugar. De alguma maneira, a Sociedade de Psicanálise, ligada à IPA, entendia que era ela própria a instituição que deveria ter mais espaço na condução do movimento, pela sua longa tradição desde que Freud organizou um grupo de analistas que seriam os autorizadores.

Atualmente, há dois processos em curso no Congresso Nacional: a Sug. 40, que ainda não se constituiu como Projeto de Lei, e que define a psicoterapia como uma prática exclusiva de psicólogos. Não cita a psicanálise, mas em outros países a consequência imediata de aprovação de uma lei como essa foi a aprovação da regulamentação da psicanálise. E o PL 2386/2023, proposto pelo Deputado Henderson Pinto – MDB Pará, que define que os cuidados com saúde mental sejam restritos aos psicólogos e psiquiatras e que a psicanálise deve ser praticada por psicólogos e psiquiatras. Para tentarmos barrar os processos em curso, alguns representantes do Articulação atuam junto aos políticos sempre no sentido de informá-los sobre a especificidade da psicanálise e a nossa posição contra a regulamentação desta pelo Estado.

Em 2018, tramitou um PL que propôs a profissionalização do psicanalista por meio da formação acadêmica, com diploma reconhecido pelo MEC. Com o trabalho do Articulação, o PL não foi adiante e uma ideia como essa nos parecia distante. No final de 2021, recebemos entretanto a notícia do bacharelado de psicanálise, lançado pela UNINTER, Centro Universitário Internacional, um curso de 4 anos e online. Desde então, foram feitas várias ações, que incluem: o Manifesto do movimento Articulação contra o bacharelado, no qual assinam 104 instituições, do Brasil e exterior, e das quais 49 são participantes do movimento; envio de Nota técnica para o Conselho Nacional de Educação (CNE) e para a Coordenação Geral de Regulação de Educação Superior (COREAD), na qual é justificada a posição contra a oferta de bacharelado pela UNINTER ou qualquer outra universidade; ofício para o Ministro da Educação, solicitando uma reunião para tratar dessa situação, porém sem resposta. Em julho deste ano aconteceu uma reunião no MEC e no CNE, onde fomos informados de que o curso deverá ser reconhecido, pois a universidade está cumprindo as formalidades necessárias e tem autonomia para ministrá-lo. O prazo para o reconhecimento é final de 2023.

O reconhecimento do bacharelado de psicanálise é preocupante, pois é o primeiro passo para que seja instituída a profissão de psicanalista, que deverá, portanto, contar com um Conselho profissional e ser devidamente regulamentada. Nada mais exterior ao campo psicanalítico, da forma como foi explicitada por Freud no seu texto A questão da análise leiga.

Como sabemos, a discussão sobre a formação do analista começou em 1924, quando um membro do Conselho Superior de Saúde, de Viena, solicitou a Freud um parecer sobre a análise ser praticada por não médicos. A questão envolvia uma queixa de um ex-paciente de Theodor Reik, queixa que se tornou um processo contra o analista por prática ilegal da medicina e consequente proibição da clínica psicanalítica, em 1925. Desse modo, formação e regulamentação da psicanálise são questões interligadas, portanto, uma remete à outra. O reconhecimento do bacharelado de psicanálise coloca muitas questões para nosso campo, dentre as quais podemos destacar: como democratizar a formação do psicanalista sem que se percam as características fundamentais dessa formação, a ética da psicanálise e, nesse sentido, quais são essas características que se reconhecem próprias a esse campo? Porque o tripé já não é suficiente se pensarmos que a UNINTER nele se justifica ao propor o bacharelado. Dessa forma, qual é a especificidade da formação em psicanálise que a coloca em um lugar próprio dentro do campo de conhecimento, dado que é um campo de saber que é irredutível a qualquer outro, como a medicina ou a psicologia?

Discutir essas questões com o conjunto de membros do Departamento seria enriquecedor para todos nós, para os cursos que ministramos, e, talvez em breve, seja até mesmo necessário caso o reconhecimento do bacharelado for realizado.

_______________ 

[1] Moisés Rodrigues da Silva Jr, Elisa Amaral, Gláucia Faria da Silva, Gustavo Battagliese, Gilberto Mariotti, Helena Lima, Juliana Scharff, Juliana Vidigal, Luciana Miranda Penna, Luciana Resende, Mariana Fresnot, Pedro Antunes, Silvia Collakis, Simone Pugin e Vima Lia de Rossi Martin.

[2] Psicanalista, integrante do grupo de trabalho Diários clínicos.

[3] Delegados do Departamento de Psicanálise no movimento Articulação das entidades psicanalíticas brasileiras.

[4] Articulanda junto à delegação.

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