Instituto Sedes Sapientiae

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Entretantos, Cá entre Nós: sobre a mesa de abertura

Cá entre nós, cá entre tantos

por Cláudia Justi Monti Schönberger[1]

 

Após o longo período em que nossos eventos aconteceram via telas, tivemos a alegria de nos encontrar pessoalmente em setembro de 2023 no evento Entretantos Cá entre Nós. Foi emocionante rever colegas não só para ouvir, mas para nos apropriarmos do que permaneceu sendo produzido em diversos grupos do Departamento de Psicanálise.

Já na abertura, Fátima Vicente, pela Área de Eventos, utilizou palavras que anunciavam um encontro diferente. Diverso nos conteúdos, nas vozes, nos autores citados e até na forma de ocuparmos os espaços do Instituto Sedes.

Silvio Hotimsky mediou a mesa da sexta-feira dia 29 de setembro, que contou com dois instigantes textos e foi a única apresentação que se deu no espaço do auditório. Ao abrir-se o debate para as falas da plateia já se podia perceber a necessidade de outra configuração espacial, onde palavras, olhares e afetos pudessem circular com maior facilidade.

O primeiro texto, elaborado pelos participantes da Comissão de Reparação e Ações Afirmativas, “Experiência do Aquilombamento Cá entre nós, Aquilombamento e letramento”, foi apresentado por Christiana Freire. Em seguida Sílvia Nogueira nos brindou com a leitura do trabalho da equipe editorial do Boletim online, “Entre golpes, o alfabeto enfurecido no Boletim online 2016 – 2023”.

Tomando como ponto de partida a evidente constatação de que nos encontramos em uma instituição permeada pelo racismo institucional e tendo como mote a questão “quem letra quem?”, a Comissão de Reparação articulada ao Grupo de Trabalho A Cor do Mal-estar (GTACME) propôs a realização do “1º Ciclo de Oficinas de Aquilombamento Afetivo”.

Se os quilombos surgidos no Brasil colônia podem ser descritos como espaços de resistência à privação de liberdades, mas também como espaços de convivência, de gestão de conflitos inerentes ao convívio humano, de resgate e valorização cultural de saberes e fazeres ancestrais, aquilombar pressupõe a formação de um grupo e se propõe a trabalhar no sentido da desconstrução dos conflitos atuais ligados ao racismo estrutural, institucional e individual, utilizando-se das expressões artísticas, da oralidade, da troca de saberes e principalmente dos afetos.

As seis oficinas já realizadas, acompanhadas por aproximadamente 180 pessoas, do Departamento e do Instituto, vêm possibilitando reflexões fundamentais e abertura para novas questões norteadoras da continuidade do trabalho, num formato vivencial e não expositivo.

Ao modo dos Griots, guardiões da história e memória de um povo, que transmitiam esse conhecimento de forma oral, por meio de contos, cantos, música e poesia, as oficinas de Aquilombamento alcançam afetos e evidenciam o sofrimento institucional, a ser reconhecido e nomeado, para que mudanças possam ter lugar. Propõem-se também, nas oficinas, a leitura de autores como Grada Kilomba, Bianca Santana, Beatriz Nascimento, Antônio Bispo dos Santos, entre muitos outros que até então não integravam a bibliografia do Departamento de Psicanálise, seus cursos, grupos de trabalho e estudos.

Ao final da exposição, Christiana, em nome do grupo, convida para uma vivência de Aquilombamento no dia seguinte do evento.

Em seguida, Sílvia Nogueira, pela equipe editorial do Boletim, inicia a apresentação com um resgate da filiação do Boletim online, publicação que se caracteriza por “permanente reflexão; contínuo questionamento sobre a psicanálise que queremos e praticamos; sobre como se dá nossa inserção no Departamento, no Sedes, no mundo, buscando respondê-lo por meio da ética do desejo”.

Ao longo dos 16 anos de edição do jornal, o conteúdo das várias seções que o compõe – tais como: Escritos; Mal-estar na cidade; Crônicas; Política da psicanálise; Notícias do Departamento, dos Cursos, do Sedes; Política e Psicanálise; In memoriam; Literatura; Dança; O mundo hoje; Decolonial, citando apenas algumas, – é permeado pelo desejo de apresentar as produções do Departamento e fazer circular democraticamente a palavra.

Com uma proposta de leitura instigante, o Boletim online nos possibilita conhecer o que se produz nos vários grupos de trabalho que compõem o Departamento. Por meio de seus textos sabemos o que acontece no Instituto em que estamos inseridos, em sua Clínica, entramos em contato com as produções de membros, aspirantes a membro e de psicanalistas de outras associações, além de sermos atualizados sobre os movimentos psicanalíticos contemporâneos.

Para além disso tudo, a equipe editorial do Boletim online recorre, como proposta ética e estética, às artes visuais. Através da iconografia contemporânea ou, mais recentemente, de suas próprias produções, temos contato com imagens que, tal como sonhos, potencializam e expandem os sentidos da palavra escrita.

Como exemplo, em sua apresentação, Sílvia nos remete à instalação denominada Pulmão da mina, de Luana Vitra, artista mineira que expõe na 35ª Bienal de Arte de São Paulo, Coreografias do Impossível. Luana apresenta uma composição de pássaros e setas, criação inspirada nas histórias que ouviu em Ouro Preto sobre a forma pela qual os escravizados africanos, geralmente vindos da Costa do Marfim e que possuíam extenso conhecimento do trabalho de extração de minérios, se protegiam do ar rarefeito nas minas. Eles levavam um canário engaiolado ao adentrar nos estreitos túneis em busca do minério. Quando o pássaro morria, era permitido a eles saírem da mina, pois em segundos já não poderiam mais respirar, lhes faltaria o ar.

Dessa forte imagem e narrativa decorrem inúmeras reflexões, mas o que se sobrepõe, a meu ver, é a urgente necessidade de mudanças. As duas apresentações da noite de abertura do Entretantos, Cá entre Nós, cada uma a seu modo, abordaram o tema das urgências e possibilitaram que muitas outras falas fossem escutadas. Falas que revelam um Departamento implicado na construção de uma psicanálise brasileira que traga luz à nossa história, aos nossos traumas coletivos.

Desde esta primeira mesa pudemos ter a noção da relevância deste evento, que, entre muitas outras funções, pode transmitir e fazer trabalhar em cada um de nós os avanços que se vem construindo no Departamento de Psicanálise. Avanços necessários no sentido de expansões, aberturas e ações transformadoras, tal qual a campanha Benfeitoria – Levante! por uma psicanálise antirracista, que foi anunciada pela Comissão de Reparação e Ações Afirmativas.

 

Aquilombamento afetivo e Letramento

pela Comissão de Reparação e ações afirmativas

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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

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