Instituto Sedes Sapientiae

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60 anos do golpe militar no Brasil. O papel do Instituto Sedes Sapientiae na luta pela democracia

Anderson Pedrini[1]

 

No dia 01 de abril de 2024 realizamos, no auditório Madre Cristina, o debate 60 anos do golpe militar no Brasil. O papel do Instituto Sedes Sapientiae na luta pela democracia. Debater o momento, as violências, as resistências, o contexto e sobretudo as consequências de um período tão recente de nossa história certamente foi uma tarefa desafiadora e que, por essência e princípios, só poderia ser efetivada de forma coletiva e plural.

Trazer à tona o debate sobre uma das páginas mais tristes da nossa jovem história, marcada por ser um período político de privação das liberdades individuais e coletivas reprimidas através do autoritarismo, censura e violência do próprio estado brasileiro, é uma forma de olhar e lutar pelo direito à memória e traçar de forma responsável e justa os destinos de nosso país.

Nesse sentido, é fundamental resgatar que, na gênese da criação do Instituto Sedes, a democracia e a luta pela liberdade são princípios fundamentais, uma base de alicerce do pensamento de sua concepção. Reafirmar a democracia e os direitos humanos como centralidade do nosso trabalho não é um esforço menor, neste momento da história. Em nosso debate, resgatamos diversos episódios ímpares de enfrentamento a ciclos de autoritarismo em nosso país. Para além da essência do ensino de excelência que essa casa abriga, seu acolhimento de nossa vida política e, por que não, de nossa necessária rebeldia, colabora concretamente para sermos um polo orgânico da luta pela liberdade e pela redemocratização do Brasil.

Em nosso atual contexto, seguimos o desafio de trazer à tona os debates atuais da sociedade, o debate de caráter crítico necessário às nossas convergências frente aos desafios que temos enquanto classe trabalhadora, que sempre teve e tem prioridade na agenda e na disposição da comunidade Sedes: os trabalhadores, os estudantes e todas as organizações que vivem e convivem historicamente em nosso instituto.

Sabemos quão importantes são as articulações construídas dentro dessa casa para a manutenção e permanência dos trabalhos realizados pelos diversos setores e grupos internos, em diálogo com grupos sociais – o que possibilita real incidência junto à população e nos reafirma a cada dia enquanto instituição que possui papel, história e posição em defesa da democracia. Isso sobretudo nos dá a condição de recordar o legado que Paulo Freire nos trazia em sua concepção: “a cabeça pensa onde os pés pisam.”

 

A atualidade da luta pela memória

Mesmo passadas 6 décadas, é notório que as marcas do período do regime militar são ainda sentidas na pele do povo brasileiro que convive com feridas que não foram cicatrizadas. O fato é que, apesar de diversos esforços e iniciativas, a verdadeira memória e verdade deste infeliz ciclo no Brasil não veio à tona em sua totalidade, muito menos a esperada e necessária justiça frente a todas as violações de direitos ocorridas.

Democracia no Brasil é uma luta constante. As elites brasileiras, ao longo da história, não demonstraram e não demonstram qualquer compromisso com a pauta de nossa soberania e manutenção de um sistema governamental verdadeiramente democrático. Nosso exemplo mais recente, uma profunda marca do mais recente ciclo, é o golpe político que sofremos no ano de 2016 que – através de um conteúdo misógino e de falsas acusações – utilizou centralmente as estruturas das classes empresariais, da mídia e da representatividade parlamentar para destituir a presidenta legitimamente eleita pelo povo brasileiro. Em decorrência desse processo, acelera-se um ciclo de perda de direitos e de reformas que incidiu na vida cotidiana dos trabalhadores, gerando um cenário de maior grau de empobrecimento e vulnerabilidade da população e, por consequência, um profundo estágio de crise social e política que abriu possibilidades de re-agrupamentos de grupos de extrema direita. Através da conivência e do apoio de boa parte da mais alta classe do país, dos setores fundamentalistas e de uma campanha marcada por diversas mentiras e difamações, ocuparam o mais alto posto da institucionalidade brasileira entre 2019-2022. Podemos caracterizar esse ciclo pelo autoritarismo, pela ameaça constante à democracia brasileira e pelo descaso concreto com a vida da nossa população – vide o episódio da não procura e não compra de vacinas frente à ocorrência da pandemia. Mesmo perdendo as eleições no ano de 2022, esses grupos permanecem ativos, tal como demonstrado no dia 08 de janeiro de 2023 quando, em sua não aceitação do resultado do pleito eleitoral, armaram uma tentativa de golpe, sustentados por diversos setores do empresariado brasileiro  assim como apoiados por diversas personalidades políticas e parlamentares.

Uma segunda marca a se discutir é a da violência do estado brasileiro. A cultura da violência como resposta aos problemas sociais oriundos da crescente desigualdade é algo que ocorre e se expande em todo território brasileiro. O exemplo que nos cerca de forma mais atual é a demonstração de toda violência policial ocorrida nos últimos meses no litoral sul de São Paulo, em que uma operação do governo do Estado de São Paulo, de pouco mais de um mês, resultou até o momento em 56 mortes, sobretudo de jovens, negros e moradores de áreas periféricas.

Por fim, a marca do período ditatorial brasileiro que impacta em nossa realidade até os dias atuais é o medo da participação política, que afasta as pessoas do debate necessário do cotidiano da luta por direitos de participação social. Política acaba sendo um termo criminalizado, banalizado e associado apenas à obrigatoriedade de voto em eleições de dois em dois anos, muito distante do que afirmava o teatrólogo popular Augusto Boal – “ viver é político”.

Por esses e por outros fatores, é mais do que necessária a vigilância e a permanente luta dos setores sociais pela democracia brasileira.

Não há dúvidas de que vivenciamos um complexo ciclo político, não só no Brasil mas no mundo, que nos exige maior capacidade de análise e, principalmente, maior capacidade de atuação pela defesa e aperfeiçoamento constante da democracia brasileira. O momento exige a habilidade de olharmos nosso passado e construir com energia e disposição os novos desafios.

Relembremos a importante contribuição de Madre Cristina no ato das Diretas já no ano de 1984 “Fala Brasil! Seu povo exige punição exemplar pelos 20 anos criminosos da ditadura militar”. É com essa ousadia, com essa disposição e responsabilidade que seguimos.

Sem memória e verdade não há justiça.

Uma nação sem memória é uma nação sem futuro.

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[1] Educador popular do Centro de educação popular do Instituto Sedes Sapientiae – CEPIS.

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