A psicanálise diante da violência: notas para um debate
por Renato Mezan[1]
Bom dia a todos. Gostaria de começar agradecendo ao Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae a indicação para o representar na mesa plenária “Transformações sócio-culturais”, e aos organizadores do Congresso pela compreensão com a demora – por motivos alheios à minha vontade – em enviar as notas que vou submeter à consideração de vocês.[2]
No belo texto que apresentou ao Congresso de 2021, nossa colega Silvia Alonso se referiu à violência de que são objeto as mulheres, tanto em países distantes, como o Afeganistão dominado pelo Taleban, quanto no Brasil e na América Latina, “onde as mortes por feminicídio – uma verdadeira epidemia – não param de crescer.”[3] Transcorridos dois anos, a observação continua válida, e nos incita a refletir sobre as razões da sua sinistra atualidade.
Partiremos de uma evidência: as agressões contra mulheres fazem parte de toda uma série de atos violentos, que assumem múltiplas formas e visam diferentes setores da população. Há, portanto, que levar em conta os tipos e os alvos deles. Por outro lado, deve haver algum elemento presente em todas essas ações, que permita considerá-las como espécies de um mesmo gênero – a violência – passível de ser apreendido na forma de um conceito. Essa apreensão não eliminará as diferenças entre as variedades do fenômeno; apenas abrirá caminho para tentarmos compreender, com o auxílio das nossas categorias psicanalíticas, a quais aspectos da mente humana elas correspondem.
Assim, organizei essa comunicação em torno de dois eixos: um factual, e outro conceitual. Metodologicamente, o primeiro é indispensável para dispormos de um conjunto de dados compartilhados, capazes de servir como apoio para as hipóteses que viermos a construir sobre o tema em pauta. As informações a seguir foram coletadas nas últimas semanas em jornais brasileiros, e obviamente não teriam como ser exaustivas. Têm apenas a vantagem de ser recentes, e de provir de fontes respeitadas, como o instituto de pesquisas Datafolha e o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em seguida, o que surgir do estudo desses dados será discutido com o auxílio de matérias publicadas na revista Percurso sobre violências de vários tipos – de gênero, raciais, simbólicas, emocionais, jurídicas, políticas, nas relações pessoais – e de alguns outros textos, dos quais destaco um clássico da literatura psicanalítica em português, que desde já recomendo à leitura de todos: Violência e psicanálise, de Jurandir Freire Costa[4].
I. A naturalização da brutalidade: fatos
Vamos a uma amostra do que se pôde ler na imprensa paulistana nos últimos tempos:
1. “Violência se torna a maior preocupação na cidade de São Paulo” (FSP, 03.09.23)[5]: segundo uma pesquisa do Datafolha, pela primeira vez desde 2011 ela supera o atendimento médico nas instituições públicas como o maior problema na principal cidade do Brasil (22% dos entrevistados opinam assim, e 16% colocam a saúde no topo da lista, ante proporções aproximadamente inversas na consulta anterior, de 2021). O motivo é a quantidade de roubos cometidos no centro da capital, há anos invadido por pessoas viciadas em drogas (a “Cracolândia”, assim chamada por consumirem sobretudo crack), sem que as autoridades consigam oferecer soluções para essa situação, calamitosa tanto para os desabrigados quanto para quem vive ou trabalha nas áreas em que eles acampam. É o que ressalta na notícia a seguir:
2. “Sé e Campos Elísios, no centro de São Paulo, têm recorde de roubos” (FSP, 30.08.23): dados oficiais das respectivas delegacias informam que, somados os registros desses dois bairros, de janeiro a julho deste ano ocorreram 7.300 roubos (assaltos à mão armada e com ameaça de violência física) e 14.100 furtos (espantosamente descritos como “sem violência”, porque o ladrão simplesmente agarra o que pretende levar – bolsa, colar, sacola, pacote, telefone celular etc. – e foge sem machucar quem o portava à vista). Como consequência, na mesma página do jornal lemos que “Violência e Cracolândia fazem motoristas de ônibus desistirem de linhas na região central” (FSP, 30.08.23). Ataques com paus e pedras contra os veículos que dirigiam levaram os condutores a apelidar a região de “Faixa de Gaza”, com o que certamente concordariam lojistas cujos estabelecimentos foram saqueados por usuários em busca de artigos para vender, para com o dinheiro assim obtido adquirir pedras de crack.
3. “Celulares roubados ou furtados chegaram a quase 1 milhão em 2022” (OESP, 21.07.23): o dado se refere ao país como um todo, mas não deixa de ser impressionante. Foram precisamente 999.223, que divididos por 365 representam 2.738 aparelhos a cada dia, ou dois em cada um dos 1440 minutos entre um nascer do sol e o seguinte). Nos últimos meses, tornou-se comum ver assaltantes batendo no vidro de carros presos em congestionamentos, apontando uma arma e exigindo que lhes sejam entregues os celulares dos ocupantes. Outros se instalam num dos muitos viadutos da cidade para atirar pedras sobre os automóveis que passam na avenida embaixo deles. Alarmado, o motorista estaciona para ver o que aconteceu; comparsas dos meliantes se aproximam, procedem ao assalto e desaparecem como por encanto.
E por que o celular é o objeto mais visado neste tipo de crime? Se até pouco tempo atrás o destino dele era ser desmontado e ter seus componentes utilizados no reparo de outro aparelho, o enorme incremento no uso de plataformas digitais para todo tipo de atividade durante a pandemia do Covid-19 fez surgir uma modalidade inédita de trapaça: os golpes financeiros pela internet.
4. “Golpe virtual leva a 1,8 milhão de estelionatos no País em um ano” (OESP, 21.07.23): dados do Anuário de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam um aumento de 38% neste gênero de golpe frente aos já escandalosos números de 2021. Duzentos mil deles foram aplicados via internet, para o que contribuiu muito o surgimento de uma nova maneira de efetuar pagamentos e transferências de dinheiro, o Pix, que os realiza gratuita e instantaneamente da conta bancária de quem envia para a conta de quem recebe. Com o celular roubado, o falsário se faz passar por alguém conhecido da vítima, embolsa o valor transferido e desaparece nas sombras. O alvo preferencial desse tipo de delinquente são pessoas sem grande familiaridade com o mundo digital, tipicamente idosos e aposentados. “Estes delitos são mais seguros para os bandidos, porque não precisam envolver violência”, dizem os especialistas citados no artigo.[6]
Delitos contra o patrimônio, como os mencionados até aqui, podem parecer irrelevantes se comparados aos que levam à morte da vítima, mas sem dúvida contribuem mais do que estes para a sensação de insegurança generalizada que se observa no Brasil, porque atingem um número bem maior de pessoas. Muitos de nós já os sofremos pessoalmente, ou conhecemos alguém que foi alvo de um deles, e nem sempre saiu fisicamente ileso. Outra razão para sentir raiva e impotência frente ao roubo do celular é o fato de que cada vez mais dependemos deste aparelho, no qual, no dizer de um especialista do Fórum, “está a vida toda da pessoa” – contatos, registros financeiros, arquivos de fotos afetivamente importantes, mensagens que por este ou aquele motivo devam ser conservadas, etc. Um terceiro incentivo para que este sentimento tão difundido nos invada aparece no recorte a seguir:
5. “Polícia envelhecida não resolve crimes modernos” (OESP, 21.07.23): a polícia no Brasil se diz no plural: temos a Polícia Federal (equivalente ao FBI americano) e 54 corporações, duas para cada Estado da Federação. A conhecida ineficiência dessas últimas em resolver uma proporção aceitável de crimes, quer contra a propriedade ou contra a vida, vem de longa data e tem motivos difíceis de erradicar. O primeiro deles surge da divisão entre uma Polícia Militar, encarregada das rondas ostensivas e da captura de criminosos, e uma Polícia Civil, que investiga usando elementos de inteligência. Além da rivalidade entre elas, o pessoal de ambas é cronicamente deficitário, os recursos são poucos e mal alocados, e os governos “investem mais em políticas de patrulhamento, quando o que precisamos é modernização na mentalidade e na forma de fazer a gestão da segurança pública. Sem isso, os crimes da internet não serão resolvidos”, diz o especialista citado acima.[7]
Infelizmente, a frase se aplica também a assassinatos em geral, assim como aos estupros. Em 2022, os primeiros somaram 47.508 em todo o Brasil, o que significa 130 mortes violentas em cada dia do ano. A taxa por 100.000 habitantes (métrica usual nestes casos) é de 23,4, mas este valor está longe de ser semelhante nas várias regiões de um país continental como o Brasil. Para ele contribuem de modo decisivo as mortes causadas pela Polícia Militar, particularmente na Bahia e no Rio de Janeiro. Não por acaso, estes são os estados em que a proporção de crimes solucionados é mais pífia: “Líder em homicídios, Bahia resolve apenas 17% dos casos” (FSP, 07.09.23). Em 2022, os policiais da “boa terra” mataram nada menos que 1.464 civis, e os do Rio de Janeiro não ficaram muito atrás, superando porém seus colegas baianos na incompetência das investigações (somente 11% de casos foram solucionados, mostra uma tabela na mesma página do jornal).[8]
O Estado de São Paulo, que até recentemente vinha mostrando índices razoáveis tanto na quantidade de mortes violentas (3.735 para 44 milhões de habitantes, ou 8,4 por 100.000) quanto na proporção de casos elucidados (60%), deu recentemente um exemplo de barbárie como não se via há mais de trinta anos. Em reação à morte em serviço de um policial militar, iniciou-se uma “operação” no litoral paulista que em um mês matou 28 civis, muitos dos quais, ao que tudo indica, sem relação com o alvo declarado da intervenção, a saber a organização criminosa que ali controla o tráfico de drogas. Denúncias de crueldade desnecessária, de execuções sumárias e de torturas levaram à demissão do comandante do batalhão, cujos soldados (com algumas poucas exceções) não portavam as câmeras que, por lei, deveriam trazer fixadas em seus uniformes.[9]
Avançando nesta amostra dos atos de violência relatados cotidianamente no noticiário, mencionemos os atentados contra mulheres. As estatísticas confirmam o diagnóstico de Silvia Alonso: “Feminicídios têm crescimento de 42,6% em SP” (OESP, 21.07.23), e “País registra recorde de estupros, com 8 por hora” (OESP, 21.07.23).
Os dados, mais uma vez retirados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são aterradores: 74.930 casos de estupro declarados em 2022, sem contar os que não chegam aos registros públicos porque as vítimas não conseguem superar a vergonha, o medo, ou a alta probabilidade de se ver acusadas de terem elas próprias provocado a agressão. O jornal informa ainda que oito entre dez delas têm menos de 18 anos, seis em cada dez menos de 13, e 10% são bebês ou crianças até quatro anos. Em 90% dos casos, os estupradores são da mesma família que a jovem ou criança abusada.
Quanto aos feminicídios, foram 1.347 em 2021 e 1.437 no ano passado, 6% a mais, elevando a taxa para 1,4 por 100.000 habitantes. Novamente, a média oculta variações importantes por região, com o máximo de 3,1% no Estado de Rondônia. “Como proteger essas mulheres, se as violências acontecem em um contexto doméstico e privado?”, se indaga Juliana Martins, coordenadora do Fórum. [Isso] demanda uma atuação em rede não só dos profissionais, mas de pessoas próximas a essas mulheres.”
Para concluir esta série de dados sobre a extensão e variedade dos atos violentos praticados Brasil afora, é necessário enfatizar que o segmento da população proporcionalmente mais atingido pela violência homicida (principalmente, mas não só, das polícias militares) é constituído por jovens negros, pobres e do sexo masculino, com idade entre 12 e 29 anos. “Este perfil dos assassinados a cada ano no Brasil indica que a violência não prospera apenas no vácuo das políticas de segurança pública do País, mas também na fragilidade das agendas de educação, de emprego, de crescimento econômico sustentável, de combate ao racismo e de inclusão e assistência social”.[10]
A afirmação acima basta para perceber que estamos diante de um problema crônico na nossa sociedade, a qual não economiza atrocidades para com os mais vulneráveis. Cabe então a pergunta: que fatores poderiam dar conta dessa situação calamitosa? Certamente, serão de várias ordens – políticos, sociais, e também psicológicos. Vejamos então o que é possível dizer a respeito deles, com vistas a saber sobre o quê deve se debruçar nosso esboço de interpretação psicanalítica.
II. Por que somos uma sociedade tão violenta?
Numa entrevista concedida à revista Percurso[11], nosso colega Paulo Endo fornece algumas pistas para articular uma resposta a essa questão. Relembrando seus tempos de residente em psicologia num hospital psiquiátrico, comenta que a instituição “replicava o desenho do Brasil” (p. 95), ou seja, dividia-se em alas reservadas a pacientes pobres e ricos, com recursos e tratamentos muito diferentes para cada grupo. “Naquela estrutura corrompida, violenta, os pacientes que entravam em camisa de força eram os pobres, nunca um das alas ricas. Violências muito profundas são praticadas contra a população psicótica, eu diria quase sem exceção.” (pp. 97-98). Primeiro ponto a reter: ninguém se espanta com a desigualdade abissal entre os privilegiados e os miseráveis. Ela é considerada como algo natural, que não precisa se justificar porque está inscrita na ordem das coisas.
Um segundo ponto relevante surge quando Paulo se refere aos ataques contra delegacias, lojas e ônibus protagonizados em São Paulo, no ano de 2006, por uma organização criminosa auto-intitulada Primeiro Comando da Capital (PCC). A reação desarvorada das autoridades naquela ocasião demonstra, diz ele, a “desistência de realizar políticas públicas de segurança eficazes. Então… matança.” Após sugerir que a falência do Estado brasileiro na tarefa de garantir segurança aos cidadãos tem como complemento a negativa em pensar a sério em soluções para muitos outros problemas que deveriam reter sua atenção, nosso colega prossegue:
“A vocação das instituições brasileiras é a hesitação e a pusilanimidade em relação ao seu papel castrador. A castração tem, inequivocamente, efeitos sociais, políticos e subjetivos. O que se vê hoje no Brasil é uma ausência quase absoluta de castração: pode fazer o que quiser, falar o que quiser (…). Essa ausência de castração institucional potencializa a criação de ambientes traumatogênicos. Não só por personagens não castrados que ocuparão vários espaços, mas também subjetivamente, por certa autorização pessoal dada à população para que faça o mesmo.” (p. 101).
Há aqui dois pontos fundamentais para a nossa discussão: a frouxa aplicação das leis quando os infratores são da classe dominante, o que acrescenta aos inúmeros privilégios dela um grau espantoso de impunidade, e o estímulo às demais (a “população”) para imitar em seu comportamento as mesmas atitudes que vêem adotadas pelos que ocupam o topo da escala social.
Confundindo liberdade com permissão para delinquir, estabelecendo um sistema de justiça penal que em nome do direito de defesa estimula a contestação infindável das sentenças condenatórias, autorizando que políticos e juízes legislem em causa própria, criando sem o menor pudor regalias sobre regalias para aumentar seus vencimentos, o ordenamento jurídico do Brasil – já por si leniente com abusos de toda ordem – parece feito para ser burlado, e de fato o é. Não é de admirar que, como diz o jornalista William Waack num comentário sobre fatos políticos recentes, “a sociedade [esteja] carente de lideranças, e profundamente descontente com os sistemas político e de governo.”[12]
Em suma: desigualdade monumental, indiferença pelo que ela possa acarretar em termos de miséria para uns e insegurança para outros, falhas gritantes do Estado em muitas áreas da sua competência[13], um sistema de leis e de tribunais perante o qual alguns são muito mais iguais do que outros, exemplos diários e abundantes de comportamento vergonhoso por parte de quem deveria zelar pelo bem comum. Conclusões semelhantes podem ser extraídas dos escritos de historiadores, cientistas políticos, filósofos, sociólogos e demais especialistas em assuntos do Brasil, este país do qual Tom Jobim disse certa vez que “não é para principiantes.”
De onde provêm tantos fatores que, agindo em conjunto, fazem ocorrer e persistir a violência na vida pública e privada dos brasileiros? Nos últimos anos, essa questão vem sendo estudada também pelos psicanalistas, que buscam nas teorias clássicas e contemporâneas instrumentos para compreender não só os efeitos, mas também as causas dos fenômenos a que vimos aludindo. Um deles, assinado por nosso colega da USP Pablo Castanho[14], traz contribuições que complementam as de Paulo Endo, até pelo fato de ambos terem trabalhado vários anos no Jardim Ângela, um bairro na zona sul de São Paulo na época qualificado pela ONU de “lugar mais perigoso do mundo”.[15]
Para nossos propósitos, merecem destaque dois pontos no trabalho de Castanho: o papel da escravatura na constituição da subjetividade dos habitantes da colônia, e posteriormente do Brasil independente, e o emprego de conceitos de analistas contemporâneos, como Hélio Pellegrino, Maria Inês Fernandes, René Kaës e Paul Racamier, para compreender certas peculiaridades do laço social no Brasil.
Para o sociólogo Jessé Souza, deve-se ver no instituto da escravidão a “estratégia geral da colonização portuguesa”, pois dela deriva o elemento social e político fundamental na vida da colônia: o poder praticamente ilimitado do senhor local sobre quem vivesse nos seus domínios. Quer se tratasse do dono de um engenho ou de um simples chefe de família, “longe da metrópole e dos contrapoderes vigentes em Portugal, aos quais o próprio rei se submetia, os proprietários podiam fazer o que bem entendessem. A relação de escravidão delimitava o quadro legal em que isso ficava mais explícito” (p. 155), escreve Castanho, resumindo o pensamento do autor.
Essa circunstância estabeleceu um padrão relacional que permeia toda a estrutura social brasileira, e também o “pacto narcísico” oferecido a quem nasce nela: de um lado a onipotência, ou o que mais se assemelhar a ela, do outro a submissão absoluta e a dissimulação como estratégias de sobrevivência. Os efeitos deste padrão se fazem ver, por exemplo, no gozo sádico do criminoso que aponta a arma para a cabeça de quem está assaltando, e na angústia desse mesmo indivíduo ao imaginar que sem ela se tornaria “pequeno e frágil”, ou alvo de uma “queima de arquivo” (assassinato preventivo) por parte dos seus ex-companheiros.
Os mesmos efeitos ecoam no que Maria Inês Fernandes chamou de “pacto denegativo de grande alcance social”, destinado a mascarar a percepção das imensas desigualdades econômicas, sociais e raciais no Brasil (p. 154). Para Castanho, ao longo dos séculos este pacto foi acumulando falhas sucessivas, o que faz dele um “contrato civilizatório insuficientemente estabelecido, cujo resultado é a repetição incessante de violências físicas e simbólicas” (p. 155).
Na esteira de Fernandes, nosso autor propõe levar em conta um “pacto com função de recusa”, encarregado de dissimular violências passadas e presentes. Em parte eficaz, em parte não, esse mecanismo psicótico de defesa estaria ligado à transmissão de “fragmentos traumáticos” no tecido social brasileiro. Inevitável nesse contexto, a referência a Ferenczi poderia fazer pensar na identificação com o agressor como um dos operadores atuando nessas alianças inconscientes.
A lembrança de infância de uma educadora que participava de um trabalho realizado por nosso colega no Rio de Janeiro ilustra dramaticamente outro aspecto da precariedade vivenciada por largos segmentos da população brasileira. A cena é aterradora: após uma operação da polícia na favela em que morava, a menina grava na memória a imagem da rua coberta por corpos despedaçados em meio a poças de sangue. “Me faz pensar no dia de matar porcos na fazenda do meu pai”, diz ela.
Castanho toma a frase ao pé da letra, e a associa por sua vez ao estudo de Nathalie Zaltzman sobre o homo sacer (que na Roma antiga podia ser morto sem que o assassino fosse punido). “No Brasil, existe uma categoria de pessoas que não é considerada humana: os pobres, os negros, os indígenas, uma mistura disso tudo. Podem ser mortos como os porcos, em massa”, diz ele à p. 157.
Como algo tão chocante pode ser um elemento estrutural na sociedade brasileira sem despertar vergonha e indignação? O psicanalista recorre aqui ao conceito de “identificação de base do Eu à espécie humana” (P. Racamier), que para René Kaës funda o contrato narcísico oferecido a quem nasce numa comunidade humana. Empregando outros termos, Hélio Pellegrino defendia uma ideia semelhante já em 1983: o tecido social se esgarça irremediavelmente quando o custo das renúncias pulsionais necessárias à vida em dada sociedade não é compensado como prometido ao sujeito, ou seja, com a outorga de uma identidade que lhe permita sentir-se parte integrante dela.[16]
Este conjunto de conceitos e hipóteses permite articular um esboço de resposta à questão de por que somos uma sociedade tão violenta: porque, no âmago da nossa formação social – e também, talvez, nos recônditos do nosso inconsciente cultural – não nos reconhecemos de forma suficiente como pertencentes à mesma tribo. Para manter a ilusão narcísica de superioridade de alguns, é necessário que outros componham a malta, a turba, a ralé. Por outro lado, esta concepção e este fato precisam ser tornados invisíveis, o que fica a cargo do pacto implícito entre os que mandam e os que obedecem. O discurso oficial sobre a ausência de racismo no Brasil, incontestado até pouco tempo atrás, é uma excelente ilustração da eficácia deste tipo de “aliança inconsciente.”
É evidente que a dimensão psicológica destacada no que precede não explica por si só o alcance e a profundidade da violência com sotaque brasileiro. Parece-me contudo plausível que ela constitua um dos fundamentos da indiferença frente ao sofrimento produzido pelas desigualdades econômicas, sociais e raciais da nossa sociedade, assim como da tolerância (e por vezes do apoio abertamente cínico) quanto às distorções do nosso sistema político e jurídico.
Seria possível avançar mais na demonstração dessa tese? Em certa medida, sim. Para isso, convém deixar de lado por um momento o caso específico do Brasil, e, abrindo um pouco o leque da nossa investigação, averiguar o que a Psicanálise tem dito acerca da violência enquanto tal.
III. Algumas ideias da Psicanálise sobre a violência
Escrevendo no início da década de 1980 a respeito das concepções da violência propostas por nossos colegas, Jurandir Freire Costa admirava-se da pouca atenção que a teoria psicanalítica dedicava a ela, e também do fato de o próprio termo ser usado, no mais das vezes, de modo “confuso” e “impreciso”. O estudo de alguns exemplos mostrava, a seu ver, uma oscilação entre a “banalização” e a “sacralização” da violência: esta por defini-la “como sinônimo do que há de impensável na experiência humana, portanto irredutível a qualquer análise”, aquela por encontrá-la na raiz de toda e qualquer ação, ideia ou atitude: a violência seria “a impulsão primeira e permanente do psiquismo”.[17]
Quarenta anos depois, essa situação se alterou por completo, tanto quantitativamente quanto no nível científico dos trabalhos. Ao menos no Brasil, é bastante grande o volume de artigos, livros e eventos abordando os diversos aspectos do fenômeno, e segundo perspectivas teóricas bastante variadas. Um exemplo entre muitos: no Índice Temático disponível no site da revista Percurso, foi necessário há alguns anos destacar do verbete “Psicanálise e Fenômenos Sociais” um item específico intitulado “Psicanálise e Violência”, tantos eram os textos que já então abordavam o assunto. E continuam a abordar: somente nos números publicados em 2022, 14 dos quarenta e poucos títulos listados nos Sumários refletem sobre o racismo, a misoginia, a ideologia fascista no passado e no presente, os fundamentalismos religiosos em expansão, e assim por diante.
Mesmo sem maior valor estatístico, essa breve relação permite perceber que a violência se apresenta sob muitos aspectos, e por isso – sem prejuízo do vértice propriamente psicanalítico – exige uma abordagem multidisciplinar. Retomo aqui algumas observações feitas a propósito de uma obra coletiva editada há alguns anos, que a meu ver se mantêm pertinentes:
“A violência se diz no plural: há violência individual (contra si mesmo ou contra outrem) e coletiva (guerras, massacres, regimes totalitários, escravização de povos e grupos vencidos, ou mais fracos); há violência física (espancamentos, tortura, crimes brutais), psíquica (domínio por excelência da clínica psicanalítica), cultural (opressão dos dominadores sobre os dominados, como a proibição de usar seu idioma ou praticar sua religião); violência aberta ou implícita, ocasional ou permanente, neste caso implicando um “estado de violência” que não deixa de ter consequências sobre os atores sociais enredados em tal condição.”[18]
Os autores da coletânea se revelam de acordo quanto a alguns pontos fundamentais. Um deles resulta da constância com que a violência comparece ao longo da história da humanidade: ela sugere que existe algo subjacente e invariante a atravessar as inúmeras formas que ela assume segundo as épocas e as culturas. Este “algo” é ora concebido como “invasão e ruptura da esfera íntima” por uma força superior, ora como resultado de ações agressivas praticadas com o intuito de ferir, causar dano, e mesmo aniquilar a si mesmo ou a outrem.
Quer acentuem mais um ou outro aspecto, todos os autores aceitam como evidente uma tese herdada de Freud: a violência deriva da constituição pulsional do ser humano, na qual a agressividade e a destrutividade têm a importância que conhecemos. Esta constituição é essencialmente a mesma desde que nossos ancestrais desceram das árvores, e, juntamente com as angústias fundamentais e um reduzido elenco de defesas, faz parte dos invariantes psíquicos que definem a espécie Homo Sapiens.[19] É o que explica, aliás, que uma fala na Medéia de Eurípedes (“o funesto desespero, do qual provêm a morte e os infortúnios terríveis que fazem ruir os lares”) soe ainda hoje tão pungente quanto o verso de “A terra desolada” em que T. S. Elliot evoca, 2.400 anos depois, o vazio emocional dos “homens ocos”.
Uma segunda linha de pensamento, mais próxima de Melanie Klein e de Winnicott, concebe a violência não tanto como ancorada na dinâmica pulsional, e sim como reação do sujeito a situações dramáticas de desamparo ou abandono, a feridas narcísicas que nunca cicatrizam, ou ainda a angústias de tipo psicótico. Sob este ângulo, a ação violenta consiste numa atuação ao mesmo tempo impulsiva e defensiva. Há ainda que considerar uma expressão da violência que nada tem de irrupção emocional cega e desprovida de simbolização: a premeditada, que culmina num crime planejado e executado com lucidez e frieza.
Todos estes casos se referem de um modo ou outro ao modelo da agressão física (tapa, pancada, golpe de arma branca ou de fogo etc.), e deixam de lado as modalidades da violência que podemos qualificar como simbólica. Estas vão da humilhação verbal (por exemplo nas invectivas racistas que ultimamente se tornaram praga nos estádios de futebol) a formas muito mais sutis, nas quais o dano é tanto mais profundo quanto menos imediatamente aparente (como as que se originam nos “pactos denegadores” mencionados atrás).
Neste sentido, diversos capítulos do livro destacam o que os autores denominam “desagregação dos referenciais culturais”. Trata-se de um processo por assim dizer em forma de pinça: ao mesmo tempo em que as condições econômicas, sociais e ideológicas da atualidade favorecem o surgimento de angústias frequentes e intensas, tornam mais e mais difícil a elaboração delas, porque solapam sistematicamente os meios simbólicos que até um passado recente permitiam contê-las e processá-las. Nas palavras de Leopold Nosek,
“Não se conta mais com as formas tradicionais de cerimônias, rituais de passagem, costumes sociais, formas de relação. Voltamos à reflexão de Émile Durkheim sobre a anomia (…). Os indivíduos passam a se mover num mundo carente de referências, sem o aconchego dado por um repertório de representações comuns. Geram-se assim graus de violência crônica” [20]
A ideia de que a violência não se limita a ações agressivas de um indivíduo ou de um grupo contra outros, mas comporta uma dimensão sistêmica que permeia a cultura como um todo, está igualmente no centro do livro de Jurandir Freire Costa. O que o torna ainda hoje uma leitura indispensável é a amplitude do campo coberto por suas análises, que se estende da obra de Freud e dos principais sucessores a estudos sobre a sociedade contemporânea, da Escola de Frankfurt a obras então recém-publicadas de Christopher Lasch e Jean Braudrillard. Após apresentar os argumentos principais de cada um desses textos, Jurandir os submete a uma rigorosa crítica quanto à consistência lógica, epistemológica, eventualmente clínica, e é do debate com esses pensadores que vão sendo extraídas as características que permitem definir a violência.
A primeira é que devemos considerá-la sob duas perspectivas, que ele denomina quantitativa – desproporção entre a força do violentador e a do violentado – e qualitativa – presença no ato violento do desejo de ferir ou destruir o alvo da agressão. Curiosamente, ambas estão contidas na origem dos termos latinos violentia e violatio: ambos procedem da raiz indoeuropéia ‘gi (ou ‘gvi), presente nos termos sânscritos ginati (violentar) e gayati (vencer). Vis (força) é aquilo que permite vencer, e portanto maltratar, oprimir, ofender, ultrajar quem é victus (vencido, derrotado), e, no limite, aniquilá-lo.[21]
Sob este aspecto, a originalidade da concepção de Jurandir é manter sempre juntas essas duas vertentes, enquanto o mais frequente nas discussões psicanalíticas sobre violência é limitá-la ao aspecto quantitativo. Segundo ele, isso se deve à assimilação do fenômeno violento pelo conceito de trauma, compreendido como a ruptura de uma superfície por uma força superior, que ao invadir o que ela protegia desorganiza o equilíbrio até então vigente entre as suas partes (modelo de Além do princípio do prazer). A metáfora da erupção vulcânica comanda essa visão, cuja consequência lógica é conceber a violência essencialmente como ímpeto incontrolável, impulso cego, ao qual posteriormente se ligaria alguma justificação projetiva, ou racionalizadora.
Opondo-se ao que considera um reducionismo nocivo, o autor não perde ocasião de apontar suas limitações, e os equívocos aos quais elas conduzem. Sem descurar a dimensão quantitativa – “violência não é poder, é abuso de poder”, lemos logo na primeira página do livro – ele insiste que a violência não é algo natural, mas sim cultural – “uma forma de resolver conflitos pela força”, que assim se torna “meio de negociação”, e portanto pressupõe a existência entre os adversários de outras maneiras de processar diferenças, momentaneamente eclipsados pelo recurso à força (p. 48).
Falar em cultura implica supor normas para a vida em conjunto, de modo a garantir certa segurança e certa medida de liberdade para os seus integrantes. A dimensão qualitativa da violência consiste na recusa do acordo tácito pelo qual elas ganham legitimidade, ou do “contrato” que outorga a cada membro da comunidade certos direitos e certos deveres: “para que haja violência, não basta que o violentado seja objeto da agressividade ou do desejo de domínio do outro. É preciso que ele sinta, da parte do violentador, a disposição para transgredir as leis simbólicas que o proíbem de fazer da vítima o objeto do seu gozo ilícito.” (p. 15).
Qual seria o “gozo ilícito” do agressor? Sem dúvida, a sensação de poder advinda do domínio exercido sobre o outro, ou seja, uma vivência ligada ao narcisismo. Reencontramos aqui um ponto sublinhado por Pablo Castanho ao falar do assaltante apontando a arma para a sua vítima, mas também a explicação para algo que nos surpreendeu quando comentávamos as notícias da imprensa: a idéia esdrúxula de que arrancar da mão de alguém o seu celular, ou os golpes financeiros via internet, “não são violentos”, porque não envolvem ferimentos corporais. Parece claro que o ladrão experimenta aqui o prazer de se considerar mais ágil ou mais esperto que a pessoa que está lesando (“nasce um otário a cada minuto”, reza a cínica frase atribuída a P. T. Barnum).
O segundo ponto a ressaltar em Violência e psicanálise são justamente as teses que vinculam a violência a certas dimensões do narcisismo. Salta aos olhos – mas era preciso por de pé este ovo de Colombo – a raiz narcísica do racismo contra os negros, que entre outras estratégias recorria à de impor a eles padrões de beleza brancos, tidos por universalmente válidos. “Uma vez introjetado, o fetiche da “brancura” funcionava como uma fonte incessante de violência interior (…), como agente desintegrador da unidade egoica, pela imposição de um ideal de eu racista conflitante com a realidade psicofísica do sujeito negro”. (p. 16)
Outros exemplos de identificação com o agressor, menos conspícuos porém não menos eficazes, são analisados no capítulo sobre a sociedade de consumo, no qual se discutem as formas contemporâneas do que Marx denominava “alienação”. Na seção intitulada “Narcisismo: os atropelos de uma noção”, encontramos não apenas uma exposição utilíssima das aventuras desse conceito na obra de Freud e depois, mas uma ideia de grande alcance: o narcisismo da cultura contemporânea não é hedonista, e sim defensivo, isto é, uma forma de proteção contra a violência sistêmica nela embutida.
“O investimento compulsivo do corpo que presenciamos hoje é uma maneira encontrada pelo indivíduo de limitar os efeitos violentos da sociedade de consumo. O narcisismo moderno é um narcisismo regenerador”, lemos à p. 192.
Essa variedade de violência – sutil, mas onipresente na publicidade e no recurso constante a “especialistas” – também opera pela imposição de ideais “conflitantes com a realidade psicofísica dos sujeitos”, no caso o corpo que possuem, e que vêm a odiar por não ser como deveria, maltratando-o cruelmente a pretexto de o tornar mais belo e mais desejável. É numa interpretação arguta do que Freud escreve em Além do princípio do prazer sobre o investimento narcísico do órgão lesado numa doença ou num acidente – que ele possa ocorrer “para controlar ou extinguir uma experiência de dor”[22] que Jurandir encontra apoio para essa nova espiral da sua reflexão:
“Violência, a nosso ver, é toda ação traumática que conduz o psiquismo ou a desorganizar-se completamente, ou a responder ao trauma através de mecanismos de defesa análogos à economia da dor. Violenta é qualquer circunstância da vida em que o sujeito é colocado em posição de não poder obter prazer, ou de só buscá-lo como defesa contra o medo da morte.” (p. 195, grifos no original).
É tempo de concluir essas notas. Nosso trajeto pelos textos de alguns analistas contemporâneos mostra que a Psicanálise dispõe de instrumentos bastante sofisticados para elucidar alguns aspectos do fenômeno que nos ocupa. Sugiro que estes sejam os que dependem de causas psíquicas, aqui incluídas as que têm por origem a identificação com modelos, normas e valores historica e socialmente determinados, por exemplo a tolerância com a incompetência e a roubalheira na política do Brasil.
É diferente, por outro lado, o caso dos fatores que se originam e operam em esferas da vida coletiva stricto sensu. Penso aqui nas práticas específicas em que se elas se materializam (políticas, sociais, econômicas), nas leis mal feitas (ou talvez muito bem feitas) que as estimulam, nos abusos de toda ordem que permanecem impunes, e assim por diante. Que possamos pensar psicanaliticamente a respeito delas não elimina a densidade própria dessas esferas, que exigem conceitos, hipóteses e métodos adequados a cada uma. A Psicanálise pode dar sua contribuição, mas não deve nem precisa se julgar detentora de qualquer última palavra seja sobre o que for.
Mas será que por isso os psicanalistas não podemos fazer nada a respeito do que vemos de errado, injusto e revoltante ao nosso redor? Seria a Psicanálise, como às vezes se diz maldosamente da Filosofia, aquela disciplina com a qual ou sem a qual o mundo permanece tal e qual? Nada mais distante da realidade! Inúmeras iniciativas comprovam que os analistas do Sedes (e de outras instituições) vêm buscando nossas formas de praticar nosso ofício, formas abertas à diversidade de demandas que não chegam a ser formuladas como de ajuda terapêutica, mas que nos desafiam a enfrentar os efeitos da violência ali onde eles estão. É o que nos contam, por exemplo, os textos do Debate da Percurso 69, intitulado “O poder da Psicanálise como dispositivo do fazer político”, ou, no mesmo número, os artigos de Mario Fuks, “Psicopatologia psicanalítica e clínica contemporânea” e “Psicanálise: o futuro de uma des-ilusão”. É também o que podemos ver em eventos da nossa instituição, e de outras, cujas comunicações são posteriormente reunidas em coletâneas, ou ficam à disposição do público em plataformas digitais.
Toda esta produção mereceria uma análise detalhada, mas ela terá de ficar para outra oportunidade. Muito obrigado, e vamos ao debate.
Referências Bibliográficas
Alonso, S. A construção de um diálogo: psicanálises e feminismos. Comunicação no XI Congresso da Flappsip, 2021.
Castanho, P. Violence et criminalité : réflexion sur les écueils de la Kulturarbeit au Brésil. Revue de psychothéraie psychanalytique de groupe 81, Toulouse, Erès, 2.2023.
Endo, P. Violência e delicadeza. Entrevista em Percurso 68, Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, 1/2022.
Freire Costa, J. Violência e psicanálise, 4a. edição, São Paulo, Ed. Zagodoni, 2019.
Jornal Folha de S. Paulo, edições de julho de 2023 a setembro de 2023.
Jornal O Estado de S. Paulo, edições de julho de 2023 a setembro de 2023.
Mezan, R. “Homens ocos, funesto desespero”, in Intervenções, S. Paulo, Casa do Psicólogo, 2011.
Revista Percurso, Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, números 68 (1/2022) e 69 (2.2022).
São Paulo, setembro de 2023.
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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Comunicação na Mesa Plenária “Transformações sócio-culturais”, XII Congresso Internacional da FLAPPSIP (Federação Latinoamericana de Associações de Psicoterapia Psicanalítica e Psicanálise), Santiago do Chile, outubro de 2023.
[3] Silvia Alonso, “A construção de um diálogo: psicanálises e feminismos”.
[4]> Jurandir Freire Costa, Violência e psicanálise, 4a. edição revista e ampliada. São Paulo, Ed. Zagodoni, 2019.
[5] No que segue, as siglas FSP e OESP designam os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo; os números entre parênteses dão a data da notícia.
[6] A peculiar noção do que seja violência presente nessa afirmação será discutida mais adiante.
[7] Outro tipo de golpe via celular consiste em forjar, mediante recursos de inteligência artificial, “palestras” falsas, e atribuí-las a médicos e cientistas de destaque. Um deles, o prestigioso oncologista Drauzio Varella, precisou desmentir energicamente que estivesse fazendo propaganda comercial de remédios (“O diabo que os carregue”, FSP, 07.09.23)
[8] A principal razão para isso não é, evidentemente, a presença de mais gente burra na polícia carioca que em outras, e sim a cooptação de muitos integrantes dela pelo crime organizado e pelas “milícias”, como são designadas as máfias criadas por policiais corruptos para extorquir a população nas áreas em que atuam.
[9] “Termina ação no litoral de SP, com 28 mortos” (FSP, 06.03.23), e “[Governador de São Paulo] Tarcísio troca comandantes da Rota e da Cracolância em São Paulo” (FSP, 05.09.23).
[10] Cf. “Incivilidade brasileira” (22.07.23), editorial de O Estado de S. Paulo comentando os dados do Anuário do FBSP publicados na edição do dia anterior.
[11] “Violência e delicadeza”, Percurso nº 68, São Paulo, Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, junho de 2022. No que segue, as frases entre aspas são citações dessa entrevista.
[12] William Waack, “Roubalheira e vergonha”, OESP 07.09.23.
[13] Não todas: o sistema público de saúde, por exemplo, funciona razoavelmente bem – porém muito mais pela competência e dedicação dos seus funcionários do que pela capacidade de gestão do Estado.
[14] “Violence et criminalité en banlieue: réflexion sur les écueils de la Kuturarbeit au Brésil” (Violência e criminalidade: reflexão sobre os obstáculos para a Kulturarbeit [trabalho de cultura] no Brasil). Revue de psychothérapie psychanalytique de groupe nº 81 (2/2023), Toulouse, Éditons Érès.
[15] Cf. R. Brancatelli, “Por que se mata menos em São Paulo”, Veja São Paulo, 06.07.2005. Apud Castanho, “Violence...,” p. 152.
[16] Cf. respectivamente René Kaës, Les Alliances inconscientes, Paris, Malakoff-Dunod, 2009, e Hélio Pellegrino, “Pacto edípico e pacto social”, Folha de S. Paulo, Folhetim, setembro de 1983. Ambos apud Castanho, op. cit.
[17] Jurandir Freire Costa, Por que a violência? Por que a paz?”, in Violência e psicanálise, São Paulo, Ed. Zagodoni, 2019, p. 28.
[18] Renato Mezan, “Homens ocos, funesto desespero”, resenha de Magda Khouri et alii, Leituras psicanalíticas da violência, São Paulo, Casa do Psicólogo, 2004. In R. Mezan, Intervenções, São Paulo, Casa do Psicólogo, 2011.
[19] O que varia de cultura para cultura, de época para época e de inúmeras formas segundo os indivíduos é o que, na organização psíquica, tem origem nos processos de socialização: os ideais, normas, valores etc., e tudo o que funciona segundo o processo secundário, ou seja o mundo da cognição. Este, porém, é um tópico a tratar numa outra oportunidade.
[20] Cf. Leopold Nosek, “O terror na vida cotidiana: revisitando o sr. Kurtz”, in Leituras…, p. 125.
[21] É o que informa o Vocabolario Etimologico della Língua Italiana de Ottorino Pianigiani, acessível na internet sob o título etimo.it.
[22] “Além do princípio do prazer”, capítulo 4, apud Freire Costa, op. cit., p. 188. A passagem se refere ao esforço para ligar a representações a energia invasora, que – tendo rompido o pára-excitação – se encontra de início em estado flutuante (modelo do trauma).