Tempo é dinheiro?
A psicanálise como resistência aos discursos neoliberais
por Sarah Karoline Santos de Souza[1]
“Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso, faço hora, vou na valsa…”
(Lenine – Paciência)
Vivemos numa era em que o tempo foi capturado pelo mercado. Produzir, render, performar. Cada minuto precisa ser aproveitado, rentabilizado, contabilizado. A lógica do neoliberalismo transformou o tempo em mercadoria e os sujeitos, em empreendedores de si mesmos. Se por um lado há uma urgência na contemporaneidade, por outro, há a psicanálise que trabalha na contramão do imediatismo, valorizando os intervalos, as pausas e a contemplação, na aposta de se observar as questões subjetivas.
Byung-Chul Han aponta que o neoliberalismo nos faz crer que somos livres, quando na verdade nos aprisiona em imperativos de desempenho. “Você nasceu para vencer!”, “Trabalhe enquanto eles dormem!”. Slogans que, mais do que motivar, exaurem. Produz-se cansaço, adoecimento, depressão. Como descansar se “tempo é dinheiro”? Como sentir, se sentir é “perder tempo”?
A urgência é tanta que se tornou comum ver pacientes que “adiantam” o trabalho analítico com diagnósticos prontos, “sou fulano e tenho TDAH”. Outros interrompem suas queixas com um “vida que segue, não posso parar”. Como se parar, fosse fracassar. Como se a angústia não merecesse escuta, mas solução imediata.
Nesse contexto, a psicanálise caminha no sentido contrário. Ela não promete cura rápida. Não oferece atalhos. Pelo contrário: aposta no tempo. Tempo da escuta, da repetição, da espera. Como nos alerta Freud, é um processo longo, e por isso mesmo ético.
Como propõe Lacan em sua teoria do tempo lógico, há uma sequência própria ao sujeito: o instante de olhar, o tempo para compreender e o momento de concluir. A psicanálise, aposta nesse percurso — não apressa, não encurta. Atravessa o tempo, respeitando seus ritmos singulares.
Em análise, lidamos com um tempo outro: o tempo do inconsciente, que não obedece relógios nem calendários. Passado, presente e futuro se entrelaçam. Uma história não se conta em linha reta, mas em pontos que se condensam, que pulsam no agora. Como escreve Silvia Alonso: “a realidade que se opera é psíquica e não cronológica”.
A psicanálise ética não se orienta pela lógica mercantil. O que é considerado produtivo, não encontra espaço. Há sessões em que se sai “sabendo de tudo e não mudando nada” e outras em que “nada se entende, mas muito se transforma”, porque o que está em jogo é essa dimensão incerta do inconsciente. Não há roteiro fixo, mas uma construção que se dá pela técnica e pela ética no encontro entre analista e analisante.
Desse modo, trata-se também de um gesto político. Um desacato ao tempo veloz do mundo. Uma aposta no desejo e na pausa. Um tempo que não corre, mas pulsa.
Referências
ALONSO, S. L. O tempo que passa e o tempo que não passa. Cult – São Paulo. Edição 101. Acesso em: 10 Out. 2023.
BYUNG-CHUL HAN. Psicopolítica. Belo Horizonte: Ed. Âyné, 2020.
BYUNG-CHUL HAN. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
FREUD, S. O caso Schereber e outros textos (1911-1913). In: Obras completas, vol. 10. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
KEHL, M. R. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.
LACAN, J. O tempo lógico. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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[1] Psicóloga e psicanalista, ex-aluna do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma.