SEXTA-FEIRA | 25 OUTUBRO
MESA 1

A adaptação da família e do psicanalista à chegada de gêmeos

Juliana Pires de Campos Pedroso e Adela Judith Stoppel de Gueller

A escuta psicanalítica de mães de gêmeos realizada num grupo virtual , resultado de uma parceria entre o grupo Gemelar do Departamento de Psicanálise com crianças e o Braço clínico do Painel de gêmeos da USP, em funcionamento desde maio de 2023, revelou o impacto traumático  da chegada de múltiplos às famílias. A metade desses nascimentos são prematuros e, a prematuridade é a principal causa de morte de bebês na atualidade. A morte ronda essas gestações desde o momento em que
as famílias sabem que será mais de um bebê e esses fantasmas perduram por muito tempo.
O grupo tornou-se um dispositivo importante para acolher o sofrimento psíquico dessas mães e também para fazer função de barreira protetora para as crianças, inibindo atitudes intrusivas das mães ou desviando sentimentos de raiva e rejeição resultantes do fracasso narcísico da maternidade de múltiplos. O grupo mostrou às mães que o sentimento de fracasso não é uma questão pessoal ja que outras mães, as vezes em condições mais difíceis, passam por situações ou afetos parecidos.
Escutar mães em condições semelhantes permitiu a troca de experiências e a ressignificação de posições  até então intocada pelas analises individuais. Permitiu também tomar consciência de modos de agir e falar que não levam em consideração a individualidade de cada filho apesar do discurso no qual elas se apoiam ser o da singularização. O grupo tem ajudado às  mães a se sentir menos sozinhas, e a desfrutar mais o tempo passado com as crianças, que inicialmente era hiper carregado de tarefas.
Além disso, têm possibilitado a troca de experiências entre elas,  fazendo uma função paliativa da solidão que essas mães sentem, pela falta de pares e também pelo fechamento da dupla ou do trio num conjunto só, do qual as mães se sentem excluídas.
A partir de algumas falas das participantes, pretendemos mostrar as particularidades dessas mães e dessas infâncias singulares em que permanentemente ha um outro que esta por perto e na que o ”nos” parece ser mais presente e importante que o ” eu”.

Palavras-chave: gemelaridade, rede de apoio, colapso materno, grupo de mães

Gestações gemelares: quando vida e morte se entrecruzam na construção do lugar materno

Maycon Andrade Fraga e Vanessa Freitas

O nascimento de um bebê implica perdas, como a perda do bebê idealizado, das fantasias referidas a um modelo onipotente de maternidade e da autonomia de quem gesta e pari, as quais podem gerar medos, sensação de falha e impotência. No encontro com o bebê, podem surgir ambivalências de sentimentos que precisarão de elaboração, afinal nem sempre este será recebido como a majestade. A notícia de uma gravidez gemelar pode duplicar essas reverberações, em um excesso traumático para o aparelho psíquico. Os excessos que apresentam o potencial de instalar o mal-estar na maternidade gemelar precisam ser reconhecidos para que os afetos ganhem contornos por meio do encontro com palavras que os nomeiam. Em virtude de seu componente de risco, frequentemente, outras perdas podem acontecer durante as gestações gemelares: a morte de um ou de ambos, enquanto fetos ou após o nascimento. Estamos assim, diante do luto, em outra perspectiva: o luto perinatal. Nesses casos, sentimentos ambivalentes entram em cena, a alegria pela sobrevivência e o nascimento de um e a tristeza pela morte do outro, o luto pela perda do(s) filho(s), dos ideais e dos planos até então investidos na vinda da dupla. É preciso escutar o luto materno perinatal em seu caráter insólito: frente a quebra da regra, a de que uma gestação/nascimento levaria à vida, o que dizer para essas pessoas? Nesse contexto, consideramos essencial que o psicanalista possa realizar a criação de dispositivos de cuidado sobre o sofrimento, para romper com o silenciamento e a invisibilização dos afetos, por meio do trabalho de acolhimento, escuta e empatia. É na inserção do psicanalista enquanto um lugar psíquico na relação com o outro, um lugar transferencial, que o permite operar como tal, favorecendo que algo possa ser dito sobre o acontecimento que gera sofrimento. As particularidades que envolvem os nascimentos e mortes de um bebê gêmeo necessitam ser simbolizadas, uma vez que o excesso traumático dessa experiência, em consonância às dificuldades de reconhecimento, comunicação e acolhimento do campo social, fazem obstáculo para o atravessamento da solidão e para o compartilhamento das experiências dolorosas vivenciadas por essas gestantes, incidindo na construção do lugar materno e no exercício desta função.

Palavras-chave: gemelaridade, gestação gemelar, parentalidade, luto perinatal.

O Complexo Fraterno na Gemelaridade e o Brincar Subversivo

Taisa Nerath Martinelli e Ada Morgenstern

Ainda que as queixas e os sintomas de crianças gêmeas sejam similares aos de outras crianças, deparamo-nos nesses casos com características particulares tais como uma “circulação” dos sintomas entre eles ou “a retirada de um em benefício do outro”. (Freud, 1920). O complexo fraterno passa, então, a ter um relevo particular na dinâmica da dupla. Diante disso, nos interrogamos sobre os possíveis desafios ao longo do processo de subjetivação que os irmãos gêmeos encontram para separar-se desse outro tão próximo. O que acontece quando se convive com um espelho vivente? Ou, ao contrário, quando esse espelho revela diferenças, como por exemplo, doenças orgânicas ou síndromes? Nestes casos, como pensar os efeitos da doença de um deles na dinâmica da dupla: surgimento do sentimento de culpa, necessidade de cuidar do outro, ressentimento, ódio ou rivalidade?Diante da gemelaridade, com tais intercorrências ou não, que lugar pode ser construído no discurso dos pais para cada um desses filhos? Ou, antes, há um lugar construído para cada um? O caminho para conquistar uma singularização requer um trabalho suplementar na constituição subjetiva dos gêmeos. Nesse sentido, gostaríamos de refletir sobre o lugar e a importância do complexo fraterno nesse processo. Esse conceito pode nos ajudar a pensar , por exemplo, nos casos em que os gêmeos se fecham numa unidade impenetrável (muitas vezes aprisionados numa língua privada), quando se colocam em posições complementares ou contrárias e hostis entre eles (instalando-se o ódio mortífero ou a anulação de um dos irmãos).Gostaríamos de pensar como as crianças gêmeas nos trazem, através do brincar, o lugar que ocupam diante do outro gêmeo e no discurso familiar. Entendendo o brincar como caminho de elaboração e, portanto, de potência e de transformação, testemunhamos a possibilidade da subversão de lugares até então estabelecidos em uma dupla ao longo do processo de análise. Testemunhamos também os desafios implicados nessa possibilidade de subversão, tanto para as crianças gêmeas quanto para os pais. Através de vinhetas clínicas, faremos essas articulações entre complexo fraterno, gemelaridade e brincar subversivo.

Palavras-chave: complexo fraterno, gemelaridade, brincar.