
Tempos, temporalidades, temporais: a importância do acompanhamento e oferta de recursos terapêuticos para as famílias adotivas
Carla Alessandra Barbosa Gonçalves Kozesinski
Desde os anos 1980, o termo parentalidade foi recuperado na literatura psicanalítica para melhor compreender esse momento. Resultante destes estudos, ferramentas clínicas foram desenvolvidas. Por sua vez, no campo das adoções, as primeiras pesquisas enfocavam o aspecto traumático, creditando à história e/ou comportamento da criança a raiz das dificuldades. Felizmente, muitas mudanças sociais e jurídicas vêm ocorrendo desde então e a adoção, assim como outras formas de parentalidades que não se constituem pela exclusividade do vínculo biológico, vem sendo legitimadas social e culturalmente. Nesse sentido, tanto estudos sobre parentalidade e filiação vem ganhando novos desenvolvimentos, como as especificidades e vicissitudes da adoção têm sido visibilizadas e compreendidas sem o viés patologizante. Este trabalho tem como objetivos: compreender as dificuldades vivenciadas por pais e filhos adotivos desde as etapas iniciais até o período pós-adotivo, bem como refletir criticamente acerca do acompanhamento que vem sendo ofertado a essas famílias. Uma das especificidades da adoção legal é a intermediação pelo judiciário, assim, os trabalhos voltados para adoção – avaliações, preparações e acompanhamento – são realizados pelas equipes técnicas do judiciário. Entretanto, um dos maiores desafios tem sido apoiar as famílias na superação das dificuldades que podem ocorrer e que, em última instância, levam à interrupção do processo adotivo. A partir desse cenário, questiona-se se o acompanhamento deveria ser atribuição exclusiva da equipe técnica do judiciário, já que o psicólogo judiciário ocupa um lugar transferencial híbrido, enquanto avaliador e terapeuta, o que pode impactar no estabelecimento da confiabilidade das famílias. Com isso, procurou-se identificar os alcances e limites da atuação desses profissionais nas adoções. Outro dado importante é que são cada vez mais presentes iniciativas da sociedade civil – como os grupos de apoio à adoção e instituições clínicas – que se aprimoraram para atender essa população específica. A literatura indica que as famílias que puderam contar com esses recursos demonstraram maior capacidade para lidar com os conflitos que se apresentaram. Destaca-se que a busca por esse tipo de suporte é independente, salvo casos em que é feita uma determinação pelo judiciário. Este cenário demonstra que os dispositivos de cuidado ofertados às famílias adotivas, que foram desenhadas para responder aos desafios de décadas anteriores, não têm podido atender às demandas que vêm se apresentando hoje em dia, exigindo a construção de novas respostas. Este trabalho procura colaborar com tal empreitada, identificando aspectos da parentalidade e filiação adotivas no Brasil atual, que precisam ser considerados ao se repensar o acompanhamento nos processos adotivos, incluindo-se o período pós-sentença de adoção, o que, por fim, pode colaborar no desenvolvimento de recursos de cuidado voltados para as famílias adotivas.
Palavras-chave: adoção (criança), parentalidade adotiva, atendimento psicanalítico, psicanálise.
A ficcionalidade das narrativas parentais e a ética do cuidar hospitalar em pediatria
Gláucia Faria da Silva
A morte de um bebê é sempre comovente, mas exponencialmente mais tocante para os pais de crianças hospitalizadas, que sentem na pele a angústia e o terror das experiências próprias e alheias de uma UTI pediátrica de alta complexidade. Assim, em uma reunião de pais, após a morte de um bebê tão sem prognóstico que os pais tiveram opção de desligar as máquinas, uma mãe disse: “Eu rezo sempre, muito, mas não ouso rezar o Pai-nosso…” O que essa mãe não podia pronunciar? O impronunciável era a frase: Seja feita a Vossa vontade… Diante do terror, o psiquismo sofre um abalo sísmico. Há uma regressão no funcionamento psíquico e as palavras lentamente perdem seu estatuto simbólico e se tornam concretas, palpáveis, vaticínios. Os pensamentos se tornam perigosos e os olhares, salvadores. O que acontece? Algumas fronteiras psíquicas então estabelecidas (eu/outro, real/imaginado) se dissolvem a ponto de reaparecer o pensamento mágico da infância. Esse movimento psíquico regressivo se mostra na e pela linguagem (Silva, 2007). Assim, sustentada pela premissa psicanalítica de uma subjetividade aberta (Silva Junior, 1998/2019), essa apresentação abordará a linguagem, a fala e teoria narrativa, ressaltando o aspecto narrativo, dinâmico, intersubjetivo e essencialmente ficcional de toda subjetividade. Abordaremos, especificamente, a narrativa parental sobre o adoecimento de um filho durante a internação em um hospital pediátrico, quando o terror da perda e da morte da criança se torna ponto de fratura das narrativas parentais, fazendo ruir toda ficcionalidade. Desta perspectiva, a experiência hospitalar é didática: da fenda aberta pelo adoecimento ressurge, em plena ebulição subjetiva, a potência do encontro, fonte de possíveis traumas e possíveis curas (Silva, 2007). A proposta é realizar um recorte teórico-clínico, iluminado pela prática clínica hospitalar, com o objetivo ressaltar a específica potência subjetiva das palavras que brotam ou se desfazem no encontro entre equipe de saúde, o paciente e a família. Cientes dessa potência ontológica, todos os envolvidos são convidados a se reposicionarem eticamente, atentos aos desdobramentos presentes e futuros de seus atos e palavras.
Palavras-chave: psicanálise; pediatria; trauma; desafios da parentalidade.
A invisibilização das babás nas infâncias brasileiras
Renata Zarenczansky
Este trabalho é fruto de uma pesquisa de mestrado a qual investiga as invisibilizações que envolvem a figura da babá na relação com as famílias que contratam seus serviços, nas quais a importância de sua função e de seu vínculo com os bebês não é reconhecido. A observação de cenas em instituição destinada a bebês e seus acompanhantes foi o método utilizado para analisar, nas relações entre famílias, bebês e babás, a hipótese do lugar invisibilizado da babá e suas possíveis formas. A análise das cenas foi feita a partir de leitura psicanalítica, considerando os atravessamentos de questões sociais, como a articulação das categorias de opressão que agem sobre a figura da babá da ordem de gênero, raça e classe. Cada cena abre a discussão para diferentes aspectos dessas relações e a invisibilização nelas envolvida. Aspectos esses como a participação da babá na constituição subjetiva do bebê, a fusão entre afeto e trabalho, o lugar dos cuidados maternos no imaginário social, as aproximações da função materna e a atuação da babá, o valor do significante mãe e a terceirização da maternidade. Assim, a partir da localização da babá no contexto sócio-histórico brasileiro atual, é possível analisar o lugar de ”quase da família” em que é habitualmente colocada nas relações familiares enquanto uma importante marca presente em uma parcela significativa das infâncias brasileiras, principalmente as elitizadas. Por meio da articulação da análise das cenas com um debate sócio-histórico pode ser construído um mapeamento das inúmeras facetas que operam a invisibilização da babá e de seus vínculos, considerando os aspectos político-sociais e psíquicos que são envolvidos. A partir desse mapeamento busca-se mostrar a relevância de evidenciar a presença das babás como importante personagem quando se discute infâncias no cenário brasileiro, assim como tornar visível todo esse processo de invizibilização da figura das babás tanto na dinâmica das relações familiares, quanto na produção teórica.
Palavras-chave: babás, invisibilização, maternidade, psicanálise.