SEXTA-FEIRA | 25 OUTUBRO
MESA 6

O brincar subversivo em crianças acolhidas institucionalmente

Camila de Carvalho Cordeiro Portella, Osmar Moreira de Souza Júnior

O presente estudo é fruto de uma dissertação de mestrado que teve como objetivo identificar e compreender os processos educativos decorrentes do brincar realizado pelas e entre as crianças de uma Casa de Acolhimento de crianças e adolescentes de um município do interior de São Paulo, algo muito presente na vida delas/es e um momento potente, fundamental e constitutivo para o seu desenvolvimento. Partimos da compreensão de processos educativos como inerentes e decorrentes de práticas sociais. As pessoas que participam de tais práticas interconectam o aprendido em uma prática com o que estão aprendendo em outra. Pesquisar as práticas sociais e processos educativos com grupos sociais marginalizados possibilita conhecer, aprender, compreender e legitimar os saberes ali existentes e entender como fazem parte da identidade de cada um/a. Assumindo uma perspectiva freireana, compreendemos o ser mais como vocação ontológica dos homens e mulheres e, por conseguinte, das crianças. Através das brincadeiras, do ato de brincar, a criança pode se expressar, dar lugar à fantasia, bem como elaborar psiquicamente sua realidade e reproduzir papéis e situações vividas, sejam elas conflituosas ou não, podendo assim, ser ou não uma atividade exclusivamente prazerosa, mas de toda forma uma ferramenta que possibilita a comunicação, o ser no mundo, de resistência e subversão diante de uma sociedade que coloca o brincar, o ócio, o lazer em um lugar desvalido. Segundo Winnicott uma criança que não brinca indica um desequilíbrio em sua estruturação psíquica, constatação que denota a importância do brincar para as crianças, inclusive aquelas que se encontram em situação de acolhimento institucional. Participaram desta investigação, nove crianças de 3 até 12 anos de idade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que compreende 21 encontros, em que a produção de dados foi realizada a partir da observação participante, com mapeamento de rotinas e de brincadeiras, bem como a realização de rodas de conversa, sendo feitos registros em diário de campo. Para a análise de dados, realizamos a codificação de categorias. Os resultados preliminares apontam para a importância da infância e das brincadeiras para a estruturação psíquica, para a aprendizagem e para o enfrentamento da realidade das crianças em acolhimento institucional demonstrada a partir das categorias analíticas: relações opressoras, nas quais apareceram relações de poder entre crianças e entre adultos e crianças; afetividade, em que se destaca o estabelecimento de vínculo entre pesquisadora e crianças e entre as crianças; e brincar e suas expressões, em que as brincadeiras apareciam em diversos momentos, muitas delas reproduzindo papéis adultos e relações cotidianas das crianças.

Palavras-chave: processos educativos, brincar, crianças, acolhimento institucional.

O atendimento psicanalítico de crianças em acolhimento institucional: considerações sobre a transferência erótica no setting analítico e seus afeitos no analista.

Luciana de Lima Silva

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre os desafios presentes na clínica psicanalítica com crianças, em especial aquelas que foram separadas de suas famílias de origem e que se encontram em acolhimento institucional. A partir de uma experiência clínica, pretende-se fazer uma análise acerca da transferência erótica presente no atendimento psicanalítico de uma criança em acolhimento institucional e seus afeitos no analista. Para isso, será considerado a peculiaridade desta clínica, na qual as crianças são vulnerabilizadas, separadas abruptamente de suas famílias e privadas de relações éticas, bem como, os impactos destas ações no processo de subjetivação. A prática psicanalítica com estas crianças marcadas pela ruptura dos vínculos afetivos e violentas devoluções, impõe ao analista um posicionamento ético frente a uma pulsionalidade transbordante e sexualidade desorganizada que se apresentam no setting analítico, via brincadeiras, palavras e comportamentos. Neste contexto, é fundamental que o analista esteja atento aos seus próprios afetos e reações diante das manifestações da criança, marcadas por um brincar sexualizado, que denunciam um extremo desamparo, e assim manejar as questões transferenciais eticamente, respeitando o tempo de cada criança, evitando interpretações apresadas dos conteúdos, cuidando para não reproduzir as situações traumáticas que marcaram o psiquismo da criança. A postura implicada e ética do analista possibilita a simbolização das situações traumáticas, bem como, o estabelecimento de limites entre o dentro e fora, eu e o outro, que foram atravessados durante o processo de constituição psíquica, pelas inúmeras violências vividas. Assim, estes atendimentos se apresentam como um desafio complexo que demanda do analista sensibilidade, ética e disponibilidade para lidar com as diversas formas de expressão do sofrimento e afetos. Portanto, a clínica psicanalítica com crianças separadas de suas famílias de origem e em acolhimento institucional requer do analista um olhar atento, uma escuta sensível e uma postura ética diante das demandas e sofrimentos vivenciados pelas crianças.

Palavras-chave: psicanálise, sexualidade infantil, transferência, clínica psicanalítica com crianças.

Origem e Pertencimento: A Experiência de Self em uma criança adotiva

Shaienie Monise Lima Longano, Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo

A adoção é um processo legalmente assegurado para estabelecer vínculos parentais quando a convivência da criança ou adolescente com sua família biológica se torna inviável. No Brasil, mudanças legislativas e jurídicas têm buscado reconhecer os direitos das crianças e adolescentes no contexto da adoção. As leis atuais garantem a igualdade de direitos entre filhos adotivos e biológicos e a natureza irrevogável do processo de adoção. No entanto, a adoção deve ser compreendida não apenas como um procedimento legal, mas como um processo complexo que demanda reflexão e cuidado. Na perspectiva psicanalítica, conforme discutido por Silvia Bleichmar, o psiquismo humano é constituído na relação com o outro, estruturando-se por inscrições primárias que encontram modos de transcrição e retranscrição. É no encontro com o outro que se encontra apoio psíquico para transformar uma impressão de sentidos em experiência emocional. No contexto das adoções, ocorre uma fratura devido à perda do objeto original, dificultando o processo de recuperação das marcas necessárias para a tradução adequada. O diálogo fragmentado pode inviabilizar a representação, deixando marcas nas bordas do corpo, que é atacado como a única representação da ausência sentida, estabelecendo uma repetição compulsiva. Contudo, é a partir de novos vínculos narcizantes que se torna possível a abertura para a simbolização, organizando algum tipo de significação e historicização das marcas não simbolizadas. Matías Marchant discute a necessidade de elaboração das memórias como um processo intersubjetivo, dinâmico e sujeito a constantes transformações. Sendo constituídos por experiências e fragmentos de memória, qualquer tentativa de esquecimento ou silenciamento pode ser vivenciada como uma ruptura radical na experiência de si. Além desses aspectos, é crucial considerar a interseccionalidade de classe, raça, gênero e deficiência. Isso se deve ao fato de a posição atribuída ao sujeito no laço social variar conforme as diferenças entre esses marcadores. Este trabalho faz parte de uma pesquisa de mestrado sobre a experiência de desenraizamento em crianças adotadas. Nele, discutiremos um dos atendimentos oferecidos a uma criança negra de 7 anos, adotada ainda bebê por pais brancos. Os atendimentos ocorreram no formato de Consultas Terapêuticas, modelo desenvolvido por Winnicott para facilitar a retomada do desenvolvimento após rupturas causadas por situações adversas. A discussão abordará a experiência de self da criança no encontro com a analista-pesquisadora por meio do brincar, compreendendo a experiência de self a partir da noção winnicottiana como a experiência individual do ser.

Palavras-chave: adoção inter-racial, experiência de self, consultas terapêuticas, pertencimento.