SEXTA-FEIRA | 25 OUTUBRO
MESA 8
As crianças e o território: uma experiência de grupo infantil
Marina Barreto Rogano e Patrícia Brandão de Lima

Entre os anos de 2021 e 2023, coordenamos um grupo terapêutico de crianças de 6 a 9 anos. Tal trabalho se deu através de uma parceria da Rede SUR, coletivo do qual fazemos parte, com um centro assistencial na Zona Sul da cidade de São Paulo. Nossa equipe recebeu diversos encaminhamentos para atendimento infantil, nos quais endereçaram-se impactos subjetivos, cognitivos e psíquicos após os meses de isolamento social decorrentes da pandemia de coronavírus. Havia uma significativa angústia entre as famílias e equipamentos de saúde e educação no que se referia ao cuidado com as crianças. Partindo da Escuta Territorial como método, percebemos um território fragmentado e um discurso que individualizava e patologizava as crianças diante de um ideal preconcebido e enrijecido sobre a infância. Os emergentes encontrados no território eram abordados a partir de um vocabulário médico-diagnóstico e referiam-se à baixa socialização, atrasos na fala e dificuldades de lidar com conflitos e diferenças. Tais significantes nos dirigiram para a construção de um dispositivo clínico-grupal, no qual apostamos em um endereçamento coletivo para questões que eram lidas como isoladas, mas que na realidade se davam no laço social. Ao longo do grupo, as crianças entrelaçaram os movimentos do território com o próprio movimento grupal. Em suas brincadeiras, diziam muito sobre o território em questão. Evidenciam a frágil infraestrutura das casas, a insegurança alimentar, as questões de gênero, raça e classe, além da profunda fragmentação dessas experiências e narrativas diante do tecido social esgarçado. No início, eleger uma brincadeira ou um local era um grande desafio. As crianças ficavam agitadas, gritavam, fugiam, e pouco escutavam umas às outras. Nossas intervenções visaram fortalecer as relações de contiguidade para constituir uma grupalidade e dar lugar à palavra. Frente a destituição de saber às quais estavam submetidas, as crianças ficavam apartadas de discussões pertinentes a elas mesmas, sem que pudessem ser escutadas a respeito de seus próprios sofrimentos. Portanto, nos encontros, ressaltávamos os momentos em que elas manifestavam suas percepções sobre si, sobre o grupo e sobre o território, buscando legitimar um lugar de saber e de sujeito. Quanto aos responsáveis, procurávamos implicá-los no cuidado, e os assegurávamos da importância de que escutassem as crianças, valorando suas diversas expressões, principalmente o brincar. Em meio a tantos desencontros, em que cada um queria fazer valer sua própria vontade, passaram a negociar entre si, a brincar juntos, se nomear como amigos e se constituir enquanto um grupo. Os espaços onde as crianças puderam escolher ir às indagavam acerca de como gostariam de habitá-los por meio do brincar. Hoje, tais espaços são marcados pelos fragmentos de memórias que ali moram. O território é testemunha e guardião de tantas brincadeiras e de tantos afetos que puderam encontrar suas representações.

Palavras-chave: escuta territorial; brincar; infâncias; Grupo Operativo.

Entrelaços entre artes: a dança no acolhimento de crianças autistas
Melina Fernandes Sanchez, Maria Francisca Andrade Ferreira Lier-Devitto, Brenda Sousa, Lourdes Andrade

Este trabalho tem como objetivo compartilhar experiências e reflexões vivenciadas por uma artista-educadora da dança junto à equipe do Projeto Entrelaços, do CERII/DERDIC/PUCSP. Desde 2016, o Entrelaços realiza atendimentos em grupo de crianças com impasses no laço social e com sérias dificuldades na relação com a linguagem, pela via da abordagem denominada Prática Entre Vários (Stevens, 2010; Di Ciaccia, 2010). Este projeto atua na contracorrente à crescente tendência à patologização da infância e sua consequente medicalização. Trata-se de uma abordagem de leitura e encaminhamento terapêutico pautado pela Psicanálise e pela Clínica de Linguagem, que aposta nas artes como ampliação das possibilidades da criança autista estar com o outro, no mundo, a partir de sua singularidade radical. A experiência a ser relatada e discutida nesta apresentação provém dos acontecimentos recolhidos de encontros semanais com crianças entre 2 e 11 anos. Nestes encontros, crianças e adultos brincam, dançam e cantam juntos em encontros que respeitam o tempo de concentração e a disponibilidade das crianças. Cada encontro inclui momentos de acolhimento em roda, canções/parlendas com movimento corporal, práticas envolvendo integração som-movimento e experimentação com materiais diversos (brinquedos não estruturados e/ou instrumentos musicais), relaxamento/massagem. A partir destas interações lúdicas que se dão no corpo a corpo, tem sido possível escutar e conviver com estas crianças de forma mais ampla, para além das hipóteses diagnósticas, dos encaminhamentos terapêuticos específicos e/ou das impossibilidades de interagir com o outro. Com o passar do tempo, em uma rotina que, aos poucos vai se acomodando, as crianças vão aparecendo como sujeitos de desejo que estabelecem laços com o grupo de modos singulares, que solicitam sons, movimentos corporais e qualidades de toque específicos, que apresentam mais ou menos afinidade com determinados estímulos sensoriais-motores e que, acima de tudo, podem ser crianças que desfrutam de momentos prazerosos com a equipe que as assiste. Para as autoras, tem sido possível perceber o quanto esta experiência opera em mão dupla – a vivência com crianças que apresentam sérios impasses no laço social no Entrelaços ressignifica a atuação no ensino de dança com crianças de desenvolvimento típico, ampliando o olhar para infâncias plurais e para novas possibilidades de inclusão nas atividades desenvolvidas nas aulas que acontecem em escolas de ensino regular e espaços culturais especializados em dança. Todos esses efeitos serão tratados a partir a partir da literatura psicanalítica voltada para a questão do autismo e seus desafios (Maleval, Soler, entre outros) e, mais especificamente, na trilha aberta pelo trabalho da psicanalista Lujan Iuale – “Detrás del espejo – Perturbaciones y usos del cuerpo en el autismo” (2011).

Palavras-chave: dança; criança; autismo; Prática Entre Vários.

O boi menino - um brinquedo da cultura popular

Walderez Aparecida Sabino de Souza e Armando Pereira Ribeiro

Em 2021 a Terra do Sol – Casa Ateliê, um quintal de experiências artísticas, poéticas e de observação da infância em suas mais variadas manifestações, deu inicio ao projeto BOI MENINO na cidade de Padre Paraíso, nordeste de Minas Gerais. O Boi Menino é um brinquedo destinado às crianças, foi inspirado no folguedo do Boi de Janeiro, um brinquedo da cultura popular, em especial na região do médio e baixo Vale do Jequitinhonha. A história do vaqueiro e sua esposa grávida, o fazendeiro carrancudo e seu boi xodó, o padre, a benzedeira e outros personagens numa mistura de desejo, medo, milagre e sonho fazem um convite para festejar a vida. No Boi Menino, são as crianças que protagonizam a história, são elas que conduzem o festejo, que brincam pelas ruas da cidade, nós – os adultos – facilitamos os encontros, abrimos o quintal para a imaginação brincante. Através de oficinas de musicalização, construção de brinquedos e brincadeiras, com muita alegria e escuta, crianças de todas as idades se reúnem no quintal para construírem o brinquedo do Boi Menino. Formada a banda de música com instrumentos de latas, vaqueiros, adereços e outras invenções, o BOI Menino sai pelas ruas da cidade no mês de Janeiro. Atualmente (desde 2023), a família que constitui a Terra do Sol – Casa Ateliê – Armando Ribeiro (brincante e arte educador); Wal Sabino (brincante, psicóloga e arte educadora); Ana Flor (menina brincante), mudou-se para o sul de Minas, na zona rural da cidade de Carmo de Minas e é nesse território de apagamentos culturais, permeado por uma visão hegemônica do consumo de brinquedos fabricados que agora agrupamos as crianças para brincar o BOI: brinquedo de bambu e papelão.É com esse gesto de criar memórias e manter a expressividade da cultura popular que invetamos a vida no quintal do ateliê, pois acreditamos como Winnicott que ”é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral; e é somente sendo criativo que o individuo descobre o eu (1975, p.80).”

Palavras-chave: brincar; folguedo; cultura popular; quintal brincante; ateliê; invenção.