SEXTA-FEIRA | 25 OUTUBRO
MESA 9
Práticas antirracistas e políticas públicas

Cibely Zenari, Alessandra Rodrigues de Souza, Fernanda Nagamatsu Arakaki, Estefânia Ventura, Luciana Mauricio, Mateus Vitor dos Santos, Anderson de Oliveira Silva, Joyce Gonçalves dos Santos e Nathalia Miyuki Yamasaki

O Kilombrasa é um fórum intersetorial de formação e prática antirracista, realizado por profissionais da saúde, assistência e educação da prefeitura de São Paulo em conjunto com a população usuária dos serviços da região da Freguesia do Ó e Brasilândia. Desde 2019, vem acumulando experiências inéditas riquíssimas, com reuniões mensais e abertas, na interseccionalidade de discussões sobre raça e etnia com outros temas sociais das políticas públicas, como: mulheres pretas, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, população de rua, luta antimanicolonial, saúde da população preta, cultura de paz, etc. É um espaço de afirmação e protagonismo negro, no entanto, tem provocado (não sem incômodos) o estímulo e aprendizado para que a população branca tome para si a reformulação da branquitude no que diz respeito ao letramento racial, reconhecimento do racismo estrutural (KILOMBA, 2020), seus privilégios e sobretudo o seu papel na luta antirracista e na formulação de práticas de cuidado racializado. O branco é uma raça e uma identidade, e deve deixar de ser visto como neutralidade padrão. A branquitude se dá como um sistema de privilégios materiais e simbólicos postos nesta identidade, hierarquizando corpos e acarretando experiências distintas subjetivas a partir da raça e etnia (SCHUCMAN, 2012). Não é aceitável tomar o racismo apenas como legado histórico (também o é), mas há de se tomar como cerne das experiências brasileiras atuais, no que ela traz de traumática, produtora de sofrimento e desigualdade. Enfrentar a desresponsabilização é romper o silêncio do pacto narcísico entre brancos (BENTO, 2022). Na intersecção com temas da saúde mental, especificamente com crianças com dificuldades no laço social e linguagem e famílias, profissionais de saúde do CER (Centro Especializado em Reabilitação) e estratégia APD (Acompanhamento da PcD), se viram no impasse de produzir ferramentas que fomentam essa discussão, num plano mais concreto e acessível ao cotidiano das pessoas atendidas. Inspiradas na prática de uma escola de educação infantil da rede pública da região (EMEI Nelson Mandela) realizamos no encontro do Kilombrasa a fabricação do que chamamos de tinta da cor da pele. O grupo foi dividido em três, segundo a autodeclaração de raça/ cor: negros, pardos e brancos. A partir de uma paleta de cores desenvolvida para que diferentes cores misturadas resultassem na cor da própria pele, os participantes chegaram à sua “tinta”. Após esse momento lúdico, os grupos partilharam sobre as experiências ligadas à sua identificação de raça e fizeram proposições de práticas antirracistas. Esse tipo de fazer tem se espalhado entre os profissionais e famílias atendidas como aproximação ao debate, junto às práticas afrocentradas, como brincadeiras, capoeira e música. Porém há um longo desafio em afetar, sobretudo os profissionais brancos, sobre a importância de compreender os processos de subjetivação dos diferentes grupos raciais para ações transversais que mitiguem o racismo.

Palavras-chave: antirracismo, branquitude, Kilombrasa, identidades.  

Não sou eu uma criança? Narrativas e incidências do racismo na subjetividade infantil
Mayara Pérola Maciel dos Santos

A partir da questão colocada por Sojourner Truth: ”E não sou uma mulher?”, proponho discorrer, neste trabalho, sobre alguns pontos relativos à constituição psíquica de crianças negras, atravessada por um caso clínico que chega ao atendimento. Surge a reivindicação: ”Não sou eu uma criança?”, pensando justamente nas ”significações do corpo negro” e no lugar que se ocupa diante do desejo dos pais e do social. Sabemos que, numa psicanálise, falamos do infantil quando nos referimos às marcas psíquicas constituídas a partir da relação com o Outro materno e outros sociais. Mas, quando falamos de infância negra, precisamos levar em consideração as dimensões psíquica, política e, sobretudo, social.“Minha mãe me disse que eu sou muito nova para ter vivido tudo que já vivi”, escuto de uma criança de 10 anos narrando sobre as violências racistas que sofreu e sofre. Pergunto-me, enquanto analista negra, sobre as dores e marcas que o racismo promove na história do sujeito, inscritas também em seu corpo e em suas infâncias. Além disso, a busca por um lugar no desejo de um pai que some após a mãe lhe dizer que está grávida deixa marcas. A rejeição de sua mãe, uma mulher negra. No percurso de construir a própria história, depara-se com as identificações – torna-se filha de uma mãe negra, o que produz uma sensação de deslocamento no mundo, sempre apontado pelos outros brancos na escola, no esporte, no social. Resta a raiva que a paralisa e que retorna a si mesma. O ódio ao próprio corpo e aos traços que vivencia – rememora incansavelmente a dor de estar submetida ao dilema da brancura. Tomada por esse caso, fico a me perguntar: que experiências psíquicas chegam para as crianças negras que, numa anterioridade psíquica, vão sendo marcadas e atravessadas por olhares que as fazem achar, o tempo inteiro, que não merecem ser acolhidas, desejadas, amparadas? Penso inclusive na própria experiência analítica – e, para isso, precisamos pensar no manejo da transferência na clínica com crianças negras. Uma criança negra só fala de suas dores numa experiência analítica? Não lhe é permitido brincar? Ser acolhida? Proponho-me a refletir após uma sessão com essa criança. Embora sempre falemos das trajetórias singulares que cada sujeito vai percorrendo numa análise, cabe nos questionar, enquanto analistas, como estamos escutando e pensando nossas intervenções quando escutamos famílias e crianças negras.

Palavras-chave: infância, constituição psíquica, racismo, lugar do analista.