SEXTA-FEIRA | 25 OUTUBRO
MESA 10
O autismo como paradigma de nossa época: consequências clínico-políticas

Paula Fontana Fonseca

O presente trabalho busca pensar o quadro de autismo como paradigmático dos efeitos da transmissão subjetiva em nossa época. Para realizamos esse debate, inicialmente, recorremos às contribuições de Agamben (2009) sobre as noções de atual e contemporâneo, buscando situar que é próprio da nossa época o predomínio do atual sobre o contemporâneo. Enquanto o atual refere-se ao que está na moda, o contemporâneo aponta para um compromisso entre os tempos e as gerações. Pensando em termos psicanalíticos, podemos aproximar a transmissão subjetiva como própria ao contemporâneo – em que o tempo é escandido pelo presente enquanto o atual seria marcado pelo imediato um curto-circuito entre passado-presente-futuro -, em que há a premência da adaptação do indivíduo ao social. Assim, pensar o autismo como paradigma de nossa época passa por problematizar o lugar que os adultos estão dando às crianças e de que forma está sendo sustentada a transmissão sem a qual não há humanização possível. Buscando articular a escanção temporal ao trabalho de transmissão subjetiva, vamos discutir o binômio brinquedo-brincar dando relevo à concepção psicanalítica do brincar como ação subjetivante que coloca um sujeito em relação ao outro, a si mesmo e aos tempos passado-presente-futuro. Já o brinquedo, se entendido como objeto do mercado, contaria sobre os valores e concepções de uma época, tendo uma importância mais sociológica do que psíquica. Para psicanálise há, portanto, uma prevalência do brincar sobre o brinquedo, sendo o brinquedo equiparado ao ato do jogo que imprime ao artefato o valor dado pelo investimento libidinal. O infantil produz enigma justamente por mostrar a descontinuidade entre passado, presente e futuro. Mas, se nos dias de hoje, busca-se cada vez mais ajustar o indivíduo às necessidades de seu tempo, essa planificação subjetiva não será sem consequências. O autismo seria uma das pontas de acesso ao emaranhado entre atual e contemporâneo que vivemos em nossa época, desdobrando um questionamento sobre o papel do adulto e a forma como ele vem – ou não – desempenhando sua função de se responsabilizar pelo mundo, com seus gestos e palavras, de modo a possibilitar que os recém-chegados possam nele se inscrever – como bem sublinhou Hannah Arendt (2003).

Palavras-chave:autismo, brincar, psicanálise, clínica

O texto e a fala: um convite à criança autista para a relação com o Outro
Maria Francisca Andrade Ferreira Lier-Devitto, Brenda Sousa e Lourdes Andrade

Leitura, contação e dramatização de histórias favorecem o estabelecimento de novas possibilidades de relação da criança autista com a linguagem. Uma relação com o outro, na medida em que a fala na leitura não é endereçada diretamente à criança, embora disso decorra um convite à sua recepção. A voz que porta um texto chega sem demanda de resposta. Há rebaixamento da posição enunciativa daquele que lê. Nas oficinas de contação de histórias implementadas no Projeto Entrelaços (CER II/DERDIC/PUCSP), optou-se por uma leitura feita com produção de sonoridades distintas e inserção de fantoches, músicas e danças. O efeito desta experiência foi a diminuição daquilo que, na literatura psicanalítica, comparece como características centrais da estrutura autística: a evitação da fala do outro e a retenção da própria fala (Maleval, 2017; Laurent, 2014; Stevens, 2010). Isto permitiu, ao mesmo tempo, que as crianças tivessem a chance de ceder a voz a partir do recolhimento e repetição de fragmentos do texto lido ou, ainda, de envolver o corpo a partir de gestos referíveis ao texto. A escolha dos textos foi orientada pelo critério da presença de narrativas construídas em sequências paralelísticas – “manifestações linguísticas de força estruturante” que têm como característica a repetição com diferença, na qual “insiste uma grade estrutural/sentencial móvel que liga toda a sequência de enunciados” (LIERDEVITTO, 1998). A função que esses textos mostraram ter, nas oficinas de histórias, foi oferecer uma “moldura/borda” que propiciou às crianças autistas – cuja relação com a linguagem recua a vigência do simbólico – o assinalamento de um lugar para sua entrada no texto. A configuração textual paralelística favorece a entrada de crianças autistas em uma estrutura linguística repetitiva, com pouca variação e, por isso, mais afinada com a singularidade de sua circulação na linguagem: o máximo de “sameness” possível (KANNER, 1943). Mesmo assim, os efeitos para as crianças foram singulares. As crianças fizeram presença pela via da fala, da leitura, da escuta, do desenho, do corpo/dramatização. A proposta deste trabalho é ampliar a discussão dos acontecimentos recolhidos nas oficinas de histórias do Projeto Entrelaços, de modo a articulá-los à sofrida relação da criança autista com a linguagem e com o outro.

Palavras-chave: autismo, sujeito, linguagem, Prática Entre Vários.

Autismo: Questões Diagnósticas
Lucia Arantes, Ana Carolina Prisco, Maria Francisca Andrade Ferreira Lier-Devitto

Este trabalho discute ações e direções propostas no campo da Saúde Mental voltadas à primeira infância. Coloca-se em questão o diagnóstico precoce de casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), visando o refinamento conceitual sobre a “criança”, sua relação com a linguagem e com o outro. Espera-se contribuir para o aperfeiçoamento de decisões diagnósticas no âmbito da saúde coletiva. O que ocorre na esfera de atenção à saúde mental na primeira infância revela o destaque conferido ao quadro designado, no DSM-V, como TEA, que tem estado no centro das discussões acerca do desenvolvimento e bem-estar de crianças pequenas. No Brasil, o TEA se tornou alvo de atenção pública. A aprovação da Lei 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) promoveu o reconhecimento legal do autismo enquanto deficiência e estabeleceu uma política de proteção aos indivíduos com TEA. O acesso ao diagnóstico precoce ganhou maior visibilidade com a aprovação da Lei 13.438/2017. Ela prevê a aplicação de protocolo a todas as crianças, nos primeiros dezoito meses de vida, com a finalidade de facilitar a detecção de risco para o desenvolvimento psíquico (BRASIL, 2017, p. 2) Especialistas e profissionais têm alertado para efeitos problemáticos de aplicação universal de protocolo, face aos efeitos prejudiciais do assinalamento de crianças com “risco para o desenvolvimento psíquico”. Mesmo considerando a diferença entre “risco para o desenvolvimento psíquico” versus “diagnóstico de autismo”, tal distinção é obscurecida, transformando-se risco em diagnóstico, como sustenta Prisco (2019, p. 19), ao interrogar: como “lidar com os efeitos, nos pais do sentido da expressão “risco para o desenvolvimento psíquico”? De que modo isso poderia transformar a aposta e o investimento do casal parental no seu “filho de risco”? Consequências iatrogênicas, de fato, atingem não só as famílias, como também o próprio sistema de saúde, na medida em que a demanda de atendimento ultrapassaria a possibilidade de inclusão no SUS. Esse estado de coisas, em que a indicação de risco se transforma em diagnóstico de TEA no imaginário familiar, e que induz e apressa a tomada de decisão diagnóstica por profissionais da saúde é interrogado na linha de pesquisa Linguagem e Clínicas do PPG – LAEL-PUCSP. Ele tem como pano de fundo teórico a Clínica de Linguagem, perspectiva teórico-clínica inaugurada por Maria Francisca Lier-DeVitto, em 1997, a partir de uma reflexão sobre a relação criança-linguagem e falas sintomáticas. Sintoma na fala não é entendido enquanto déficit, mas como uma paralização num movimento linguístico anômalo, numa impossibilidade do falante de “passar a outra coisa”. (LIER-DEVITTO, 2006).Implica-se nesta teorização, o Estruturalismo Europeu (Saussure e Jakobson) para abordar falas sintomáticas, resumidamente, a Clínica de Linguagem dá reconhecimento a ordem própria da língua, ao funcionamento de leis de referência interna da linguagem. De maneira compatível com tal posição, dá-se reconhecimento à hipótese do inconsciente (Freud e Lacan), tendo em vista a resistência do sintoma que não se dissolve a partir da invocação de recursos cognitivos.

Palavras-chave: autismo, diagnósticos, transtornos de linguagem, crianças de risco.