SÁBADO | 26 OUTUBRO

MESA 11
Bordando as relações pais-bebês
Cristiane da Silva Geraldo Folino

Atualmente temos vivenciado a enorme procura por atendimentos para crianças das mais diversas idades, e cada vez mais a atenção recai para as dificuldades apresentadas na primeiríssima infância. Se por um lado tal busca evidencia olhares mais cuidadosos frente às dificuldades apresentadas pelas crianças em seu processo de subjetivação, expressas pelos mais variados sofrimentos. Por outro, nos convoca permanentemente a refletir e aprimorar nosso fazer psicanalítico, numa necessária calibragem para acompanhar tais dificuldades, junto dos desafios encontrados na construção e no exercício da parentalidade. Essas dificuldades e os impasses na subjetivação da criança, em muitos casos, estão bastante vinculados. Nas famílias que atendemos na clínica de 0 a 3, testemunhamos inúmeros desencontros da dança entre a criança e seus pais. As intervenções nessa clínica são nutridas por alguns dispositivos importantes que aprimoram nosso olhar e capacidade de oferta para as demandas sutis que se apresentam. A observação de bebês método Esther Bick mostra-se fundamental para quem quer se aventurar em um olhar minucioso frente aos desafios das relações humanas não só de maneira geral, como também especificamente para os desencontros nos primeiros tempos de vida e para o tornar-se pai e mãe. Vale lembrar que um bebê pode vir com dificuldades que podem impactar negativamente as relações que estabelece com seus cuidadores primordiais. Os pais podem sentir que não são retroalimentados na interação com seu filho e, depois de tantas tentativas, desinvestem paulatinamente da relação com a criança. No entanto, as experiências clínicas nos ensinam como pode fazer real diferença oferecer um atendimento em conjunto para a criança e seus pais, auxiliando na dinâmica relacional entre todos os parceiros. Sabemos o quanto o atravessamento dos primeiros tempos da vinda de um filho e a necessária construção da parentalidade podem ser realmente desafiadores. Em um desses exemplos, a gestação para a mulher já se mostrou bastante árdua: o ventre crescendo não trouxe júbilo, mas muita preocupação. No parto e após o parto as dificuldades foram se exacerbando, junto da distância entre marido e mulher. Com a chegada do bebê, as dificuldades aprofundaram-se, e a solidão que todos os 3 parceiros talvez tenham sentido incrementou-se. O pai expressou uma grande e inesperada frustração vinda com o filho. E a mãe desenvolveu um estado emocional prejudicado, com uma tonalidade depressiva importante, para além da sensibilidade esperada para a mulher nesse período. O bebê foi, ao longo do tempo, apresentando algumas dificuldades de contato, e, quando chegou a mim, fiquei realmente preocupada com o que presenciei no primeiro encontro. Conseguimos uma brincadeira com prazer de todos os envolvidos, e imaginei que essa seria uma pequena porta para trabalharmos juntos.

Palavras-chave: intervenção pais-bebê, parentalidade, sensibilidade materna, depressão pós-parto.

Menino com pião: fazer girar o desejo
Cirlana Rodrigues de Souza

As pinturas portam informações que não podem ser traduzidas por palavras, lembrando Walter Benjamin. Em psicanálise, o real, o impossível não saber, não pode ser traduzido por palavras, lembrando Jacques Lacan. O sujeito lança-se às modalidades de linguagem imaginárias e simbólicas para inventar respostas para isso que não sabemos. O brincar, como dimensão topológica, de espaços trançados, percorridos, enlaçados, lançados, ditos, não ditos, de sons e ressonâncias, objetos e palavras, nos permite, na clínica com crianças, ler onde é possível que a criança não seja moldada pelo adulto, ler as saídas para a alienação na linguagem que ao mesmo tempo é o que lhe causa, mas que pode ser o que lhe aliena o desejo e o controla. Afinal, o objeto que causa o desejo é o que é inscrito por um significante que se perde da significação. Em trabalho recente, o brincar como prática do inconsciente foi alocado como gesto, movimento do corpo onde vibra a linguagem, ressoa a pulsão, como criação da criança, como realidade psíquica, como espaço das linguagens, como repetição e elaboração, como lugar do simbólico e do simbolismo, com ênfase ao verbo, à ação, ao fazer e dizer mais livre que a associação livre, porque não é necessário demandar à criança que brinque. Na obra Além do princípio do prazer (1920/2004), ao tratar da pulsão de morte, dos traumas advindos da guerra, ao constatar que o psiquismo não é feito só de satisfação, Freud, não por acaso, introduz a encenação de uma criança a brincar enquanto transforma a função de um pequeno objeto em símbolo do que lhe enlaça ao outro tornando seu desamparo suportável. Ali onde a pulsão de morte reina silenciosa, o menino imprime uma cantilena, faz vibrar dois significantes, faz ressoar a voz invocando o retorno do Outro e, no vai e vem, marca o corpo que está se tornando próprio, localiza na linguagem a ausência e se localiza no desejo do Outro que, como ele, também pode perdê-lo. Esses são os movimentos insubmissos, em referência ao significante que marca o brincar e que Candido Portinari pintou na série de quadros sobre uma infância brasileira a jogar futebol, nadar nos rios da redondeza da cidade, brincar com pião, brincar de pular cela, balançar, rodopiar e girar, brincar pelas ruas, entoar cantigas em cenas em que uma criança brincou e falou pela primeira vez. As pinturas de Portinari nos informam de um passado a ser contado hoje e, ao ser contado, tornado presente fazendo resistência a uma infância hiperestimulada e automatizada construída para se alienar não mais ao desejo do Outro, mas aos interesses do mercado e do lucro, da violência e do abandono social e afetivo. As pinturas de Portinari são poemas sobre a infância que nos lembram ser este um tempo transformador da cultura. Dessas pinturas, será lido na obra Menino com pião (1947) o tempo de decisão na solidão do sujeito diante do objeto: inventar um girar no tempo, no espaço e com palavras.

Palavras-chave: brincar, desejo, transformar, real, simbólico, imaginário.

O Brincar e o efeito do horror no analista: relato do caso de uma criança com sintomas obsessivos

Cláudia Ciconi Tsutsui

Este trabalho visa discutir, pela perspectiva da psicanálise, entraves que possam acontecer na constituição psíquica de uma criança que manifesta sintomas obsessivos e analisar como a repetição no brincar e a encenação teatral do horror em análise podem surgir como um recurso para lidar com a experiência excessiva e traumática. Ao apresentar o caso clínico de uma criança de 9 anos, descrevo a forma pela qual a posição de “espectador” do analista frente às suas brincadeiras inquietantes, possibilitou um encontro menos ameaçador e persecutório e mais vivo e potente em meio a seus rituais e experiências mortíferas. Freud, ao longo de sua obra utiliza o recurso metafórico da arqueologia para compreender o processo analítico e os processos inconscientes, como algo que está oculto, soterrado, nos escombros. Como entender então o trabalho analítico com o inconsciente da criança considerando seu psiquismo em constituição? Muitas vezes as perturbações das crianças vem para denunciar a angústia presente na organização de suas neuroses e recalcamento do Complexo de Édipo, logo o trabalho se dá a partir da estruturação deste psiquismo em constituição. Pode-se pensar que o trabalho analítico nesta fase da vida, seguindo a metáfora arqueológica, trata muito mais da tarefa de construção e sepultamento do que de escavação e reconstrução. O caso que me proponho a apresentar, de uma criança com sintomas obsessivos, me conduziu a pensar, após o estranhamento e o impacto inicial que o contato com ela me causou, o que estaria soterrado, escondido, inacessível, por trás de seus pensamentos mágicos e de seus rituais cruéis e o que ainda precisaria ser soterrado e sepultado para que suas fantasias pudessem ser menos angustiantes e ameaçadoras. Nortearam o caso estudos sobre neurose obsessiva e aspectos da fantasia da arte e do brincar. Paulo (nome fictício), é descrito como uma criança que não se encaixa, tem poucos amigos e baixo desempenho escolar, meses antes de nos conhecermos passou a apresentar comportamentos ritualizados que se alternavam, como tirar e colocar a roupa duas vezes, lamber o sabonte, lavar a mão várias vezes e esfregá-la em determinados objetos para evitar que algo ruim acontecesse. Ao longo dos encontros, a teatralidade, a agressividade e violência foram se destacando como uma marca de suas histórias. O brincar de Paulo veio para inquietar, para assombrar, para instigar, talvez tenha sido esta a forma encontrada por ele para capturar o olhar da analista, tal qual o personagem teatral que seduz e cativa o espectador. Em meio a tantos desencontros parentais, escolares e entre os pares, a criança, ao se sentir autorizada na sessão, pareceu buscar avidamente por um “espaço potencial” pela troca e compartilhamento de pensamentos que o assombravam e que puderam ser comunicado e externalizado pela linguagem do brincar ao longo do encontro analítico.

Palavras-chave: criança, abuso sexual, transferência, análise.