
SÁBADO | 26 OUTUBRO
A situação daquele que presta assistência aos processos perinatais, em especial os especialistas em amamentação, encerra um paradoxo, na medida em que não cabe a nenhum profissional estabelecer uma relação entre o bebê e o seio da mãe. Os especialistas que se prestam aos cuidados da perinatalidade, porém, podem idealizar a amamentação, alimentando a inflação imaginária da figura da mãe e do ”peito perfeito”, veiculados pelas mídias. Paripassu. o discurso medicalizante se apropria do corpo da mulher e seus processos, podendo colocar as mulheres numa situação de submissão. O especialista que, segundo Winnicott, age “mais motivado pelo medo do que pelo amor”, constantemente atravessa, com seu discurso saturado, a canção sem palavras que precisa de tempo e silêncio para se constituir: entre a mãe e o bebê. O ”medo da Mulher” descrito por Winnicott pode estar na raiz das defesas psíquicas que motivam o comportamento desses profissionais. Dessa maneira, o ambiente saturado de palavras, ditames e saberes da contemporaneidade se afasta da cadeia de transmissão que outrora sustentou a maternidade. Quando o saber se sobrepõe à experiência e o fazer se antecipa ao ser, a mãe pode se ver impedida de brincar, experimentar e descobrir por si mesma um modo de se comunicar com seu bebê. A amamentação “a todo custo”, ou por “livre demanda”, assim como a fetichização do parto natural, e mesmo a cama compartilhada- prática defendida por alguns que consiste em dormir junto com o bebê mesmo depois de muitos meses- podem configurar-se como situações traumáticas. A mãe (e o pai), impedidos de conectarem-se ao seu desejo, tornam-se incapazes de perceber, por sua vez, o gesto espontâneo da criança. Configura-se assim uma situação de iatrogenia ambiental, mais pela via do excesso do que pela via da falta. Às vezes, o desmame precoce é a única resposta possível para uma dupla amamentar invadida por toda essa expectativa, e só uma boa mamadeira pode substituir o peito perfeito que se coloca entre a mãe e o bebê, impedindo que o brincar sensorial da pequena criança possa se desenvolver nos estágios iniciais.
Palavras-chave: amamentação, medicalização, iatrogenia, relação mãe-bebê.
O bebê brincante: convocações ao olhar da Observação Psicanalítica método Esther Bick
Mariângela Almeida, Cristiane da Silva Geraldo Folino, Denise de Sousa Feliciano, Maria da Graça Palmigiani e Tereza Marques de Oliveira
O bebê brincante: convocações ao olhar da Observação Psicanalítica método Esther Bick O brincar é elemento constitutivo no desenvolvimento do bebê e, portanto, elemento fundante do humano. Sabemos que o bebê “brinca” com o que encontra desde o ambiente uterino, seja um outro feto, a parede do continente materno, até mesmo pequenas bolhas de ar. O bebê brinca com o olhar, com o corpo e com os gestos ao convidar o cuidador para uma interação prazerosa compartilhada. Brinca também ao representar estados internos ou captações que tem da atmosfera do ambiente, colocando em cena somatopsíquica, instalada em seu corpo, o que vivencia e o que se sucede ao seu redor. Brinca com os desafios da presença e ausência, da antecipação e da expectativa, da imitação, desde seus primeiros jogos constitutivos de esconde e achou, de cócegas, de surpresa e de experimentar expressões faciais para dialogar em turnos. Nesses “brincares” o bebê subverte a noção (já um tanto antiga felizmente, apesar de não para todos), de que o indivíduo precisaria ter o desenvolvimento simbólico “evoluído” ou verbal para aceder ao mundo representacional. Ilustraremos esse tema a partir de vinhetas observacionais, como exemplos recolhidos pelos grupos (docentes e alunos) em atividade de formação em Observação Psicanalítica método Esther Bick no Instituto Sedes Sapientiae. A atividade de Observação Psicanalítica se compõe de: Primeiro Tempo, observação semanal na casa da família; Segundo Tempo, registro detalhado da experiência; Terceiro Tempo, discussão em seminário grupal semanal. Propõe-se aqui um Quarto Tempo, o de seleção e agrupamento de temática comum em várias observações, para aprofundamento, investigação e amplificação acerca de aspecto considerado de interesse relevante para articulação e reflexão psicanalítica, como conhecimento a partir da experiência emocional, vivenciada diretamente pelos observadores e posteriormente em processamento pelo grupo de discussão. Este artigo pretende aprofundar o tema do brincar do bebê a partir do recurso da Observação da Relação Pais-Bebê como instrumento de investigação e produção de conhecimento científico psicanalítico. Tal recurso, que também promove interessante prática de trabalho grupal conjunto já se configurou como instrumento de produção científica e pesquisa psicanalítica encarnada coletiva tendo como base e fonte a formação em “Relação Pais- Bebês: da Observação à Intervenção” , oferecida pelo Instituto Sedes Sapientiae em ocasiões anteriores em três trabalhos coletivos apresentados e publicados sobre expressões midiáticas na relação pais-bebês, sobre a espera de bebês e formação continuada na pandemia, e sobre a discussão de situação de trabalho junto a um grupo institucional em pediatria e dificuldades alimentares infantis.
Palavras-chave: bebês, brincar, observação da relação pais-bebê (Esther Bick), investigação psicanalítica.
O brincar que se insinua junto aos riscos no desenvolvimento inicial: denunciando saúde
Tereza Marques e Mariângela Almeida
A crescente demanda de famílias com bebês e crianças pequenas em risco para a subjetivação neste momento pós pandemia inspira reflexões e cuidados. Tal tendência já em curso na contemporaneidade, parece ter se intensificado pela necessidade do isolamento social imposto pela COVID 19. Serviços de saúde, consultórios, creches e escolas têm sido espaços de escuta e acolhimento para preocupações familiares e dilemas em torno dos temas de proteção e autonomia, ansiedades de separação, dificuldades com a modulação de presença/ausência e instauração de limites. Paralelamente, por vezes, alarmes têm sido suscitados nos espaços profissionais, em que delicados fantasmas e receios têm sido “despertados”, e nas melhores situações, acordados e concordados quanto a merecerem olhar atento e acompanhamento sensível. Em algumas situações, entretanto, tais alarmes, quando objetivados em comportamentos manifestos, listados e empacotados ou isolados sem contextualização ou olhar aprofundado, podem promover intensa culpabilização, angústia, desvitalização e prejuízo à espontaneidade parental, interferindo ainda mais em possíveis fragilidades no desenvolvimento da criança e das relações vinculares. Como profissionais ligados ao desenvolvimento psíquico e emocional, percebemos a importância de nos colocarmos diante e junto à criança em sua plasticidade e mínimas convocações para regulação de suas necessidades e expressões de subjetividade. Muitas vezes, essas janelas de abertura aparecem por convocações lúdicas e têm no brincar incipiente, um marcador significativo. Assim, o brincar anuncia e denuncia saúde, alertando para o entrave que poderia ser intensificado pela lente rotular, redutora e patologizante de um diagnóstico fechado. Nesse sentido, o brincar subverte, liberta e cria novas vias para a saúde dos vínculos e da criança. A intervenção na Relação Pais-Bebê, ancorada nas competências do observador psicanalítico na modalidade Esther Bick, mostra-se uma profícua ferramenta de trabalho para amplificar e legitimar as competências da criança e da família na vitalização desses aspectos brincantes constitutivos. Serão trazidas vinhetas ilustrativas de atendimentos clínicos pais-criança realizadas por docentes dessa modalidade transmitida em curso de aperfeiçoamento no Instituto Sedes Sapientiae.
Palavras-chave: brincar, subjetivação, isolamento social, fantasmas.