
SÁBADO | 26 OUTUBRO
Marco Aurélio de Lima
O presente trabalho tem como proposta revisitar alguns pontos da teoria freudiana sobre os sonhos, destacando os aspectos eminentemente clínicos. Este percurso vai se dar por meio tanto de uma discussão conceitual quanto através da discussão de extratos de um atendimento clínico de uma criança com sintomas fóbicos. A discussão tem como ponto de partida um sonho apresentado por Pedro, um menino de 9 anos que, em função das recomendações de lockdown devidas a pandemia de Covid 19, foi atendido no formato virtual. Juntamente com seus pais, Pedro traz como motivo para a análise o medo de pequenos e inofensivos bichos voadores.Traremos inicialmente algumas considerações de ordem conceitual. A primeira delas é a concepção de que o sonho, segundo Freud, é uma realização de desejo inconsciente e na sequência discorreremos a respeito dos processos responsáveis pela construção do sonho (trabalho onírico): figurabilidade, condensação, deslocamento e elaboração secundária.Procuraremos mostrar como tais conceitos, que permitem pensar não apenas o fenômeno onírico, mas também a própria formação de sintomas, funcionam como profícuos instrumentos de escuta.No trabalho com Pedro, a desmontagem do sonho, juntamente com o conjunto dos atendimentos permitem alcançar certa compreensão do conflito psíquico em jogo. Em função dos conceitos psicanalíticos citados, foi possível construir a hipótese de que Pedro se via refém da necessidade de se adequar às expectativas de perfeição que seus pais nutriam em relação a ele. Para o próprio Pedro, um desejo só era visto como aceitável quando coincidia, ponto-a-ponto, com aquilo que seus pais esperavam dele. Em sua perspectiva, uma vontade que fosse na direção oposta daquilo que seus pais preconizavam, precisaria ser necessariamente anulado. A forma de lidar com o litígio constituído por seus desejos/afetos e a expectativa idealística de seus pais resultava em uma restrição de movimentos afetivos/emocionais, pois Pedro não podia ser outra coisa a não ser o menino perfeito. Tal solução de compromisso, além de manifestações fóbicas, resultava em razoável grau de sofrimento.Assim, consideramos que a apresentação deste caso clínico traz como contribuição tanto uma demonstração da eficácia dos conceitos freudianos como operadores de escuta analítica, quanto uma hipótese de ordem teórica, qual seja, a de que os sonhos podem ser considerados como uma forma de “homeostase” do sistema psíquico, pois permitem uma descarga da tensão resultante da não realização dos impulsos, funcionando como um recurso ligado à saúde mental do indivíduo.
Palavras-chave: clínica psicanalítica, interpretação dos sonhos, conflito psíquico, fobia.
Pequenos encontros com a clínica do confluir
Mariana R Marques, Júlia Milman e Manuela Leis Balsalobre
As questões que atravessam a vida no mundo contemporâneo fazem da tarefa de cuidado à infância um grande desafio. Dentre as diversas manifestações que podemos destacar como próprias ao nosso momento histórico e que incidem sobre a infância, gostaríamos de evidenciar aquelas que se apresentam como dispositivos de apreensão da experiência da infância, seja por apontarem para uma padronização/classificação ou por produzirem vivências subjetivas de isolamento na medida em que se distanciam de práticas coletivas como, por exemplo, o brincar compartilhado. As crianças reagindo, resistindo e existindo são tomadas, muitas vezes, como desajustadas. Vemos como resultado o aumento vertiginoso de crianças diagnosticadas em categorias psicopatológicas. Diagnosticar tem parecido uma tarefa fácil, basta listar sintomas que agrupados nos levam a resultados “etiquetas”: TDHA, TOC, transtorno bipolar, distúrbios alimentares, espectro autista, etc. Diagnósticos que muitas vezes vem acompanhados de medicação. É uma maneira de proceder que desconsidera as experiências subjetivas (as singularidades) e que muitas vezes toma como distúrbio expressões que são próprias ao processo de desenvolvimento, deixando pouco espaço para experimentações. Compondo uma coletiva de psicólogas que ocupa uma casa na Zona Sul do Rio de Janeiro temos recebido crianças para atendimento individual, ampliando, contudo, o espaço de atendimento para além dos consultórios. A casa que aloja a coletiva passa a funcionar como território fértil para exploração e para encontros com outros, compondo um campo analitico que engloba mais atores do que o par analista-criança. Neste trabalho temos como objetivo pensar sobre os efeitos de uma prática que se dá fora dos consultórios, nos espacos coletivos da casa onde nos situamos. Articulamos referências teóricas como Sandor Ferenczi, Luis Cláudio Figueiredo, Donna Haraway, François Tosquelles e Fernand Deligny, propondo uma reflexão sobre nossa prática clínica em uma perspectiva de olhar/escuta da/para a criança em seu processo de construção subjetiva considerando sua singularidade, mas também, a indissociabilidade desta do coletivo, social.Estamos coletivamente instaladas nessa casa que, mesmo nesse bairro movimentado, tem em si uma tranquilidade. Chamamos ela, junto com outras sete profissionais de Margem Coletiva e é sobre os pequenos encontros que se dão do lado de fora dos nossos consultórios, ou seja, no espaço comum da casa, que queremos falar neste trabalho. Pequenos encontros, esbarrões inesperados, acasos, momentos compartilhados, apenas encontros, expansão da dimensão clínica para fora do consultório em direção ao espaço compartilhado da casa. Encontros sensíveis, onde a presença do olhar das profissionais da casa aparece com atenção e cuidado, constituindo o espaço fora das salas também como clínico.
Palavras-chave: infância, brincar, coletividade, campo analítico.
Priscila Ciocler Froiman e Cláudia Ciconi Tsutsui
Diversos estudos de orientação psicanalítica têm sido realizados, demonstrando que crianças com deficiência visual estão comumente expostas a adversidades que ocorrem no processo de subjetivação. A questão da deficiência visual nos remete a ideia do “ver” e do “enxergar” na psicanálise, que tem sido aprofundada por muitos autores, comumente apoiados no pensamento de Freud, que já postulava em 1905, o paradigma da imagem visual, não apenas para embasar a construção do pensamento e da curiosidade através da pulsão escópica ligada à função epistemofílica (curiosidade), mas também nos processos de identificação. Este trabalho surgiu a partir de dois recortes de atendimentos realizados por duas profissionais, olhando a partir de dois “pontos de vista”: o da analista da criança, e o da analista do pai desta criança, ambos com deficiência visual. Nosso objetivo é discutir as possíveis repercussões da falta da visão na constituição psíquica de uma criança, e nos aprofundar na compreensão da forma que essa condição pode impactar em suas relações interpessoais. As brincadeiras propostas pela criança em um ambiente rural, nada profícuo, pois ela era mantida em completo isolamento social, onde somente se relacionava com os animais além dos parentes mais próximos, revelam as descobertas e identificações promovidas por uma transferência improvável em um setting online. Foi através do olhar da analista, no laço transferencial, que a criança pôde se enxergar. Ao poder olhar a partir da forma com que foi olhada nas sessões, ratificando sua existência, ela pôde existir para si mesma. A temática do olhar na deficiência visual também apareceu como um ponto central no trabalho realizado com o pai da criança. A busca pelo encontro do olhar da terapeuta na tela, e os desdobramentos disso, puderam ser interpretados como a procura por um investimento libidinal de um homem muito destituído do lugar paterno. Numa relação marcada por desencontros, pai e filho à sua maneira buscam ver e serem vistos.
Palavras-chave: deficiência, brincar, atendimento online, constituição psíquica.