
SÁBADO | 26 OUTUBRO
Nos casos de traumatismo sexual, há alguma diferença se o analista é do sexo masculino ou feminino?
Cynthia da Conceição Tannure e Cassandra Pereira França
Na psicanálise costumamos acreditar que os processos transferenciais obedecem a seus próprios desígnios e não são influenciados pelo sexo biológico do analista. Tanto é assim, que já nos habituamos com a máxima de que “analista não tem sexo”. Entretanto, em nossa extensa prática clínica com crianças vítimas de abuso sexual, observamos que quando o sexo do analista coincide com o sexo do abusador, pode haver uma precipitação no surgimento de elementos traumáticos dentro do setting analítico. As ocasiões em que foi possível fazermos essas observações surgiram em decorrência da necessidade de substituição de estagiários em nosso projeto de extensão universitária. A fim de refletirmos com mais profundidade acerca dessa interessante observação, seguiremos as movimentações transferenciais da análise de uma criança de oito anos, em dois períodos de tempo distintos: no primeiro momento, quando foi atendida por um estagiário do sexo masculino e houve uma predominância (desde as sessões iniciais) de conteúdos eróticos; e em um segundo momento, quando a criança foi atendida por uma estagiária do sexo feminino e as sessões foram salpicadas por forte hostilidade. Mesmo cientes de que o traumatismo sexual e seus efeitos no psiquismo regem os acordes da transferência, há inúmeros obstáculos para a apreensão da verdade do abuso sexual, principalmente com crianças que estão na primeira infância. Nessa faixa etária, as próprias características do desenvolvimento mental, tais como dificuldade para discernimento entre fantasia e realidade, ausência de narrativa coesa e que respeite uma cronologia, criam obstáculos para a elucidação dos fatos. O nosso objetivo é o de estudar o momento da análise em que o trauma faz sua primeira aparição. Se a princípio podemos pensar que esse foco de pesquisa não tem relevância alguma para a clínica psicanalítica, afinal, mais cedo ou mais tarde, os conteúdos traumáticos vão emergir, é preciso reconhecer que a apreensão desses dados pode ser fundamental para auxiliar o trabalho dos psicólogos judiciais que, em poucas sessões de Depoimento Especial, precisam coletar indícios para subsidiar processos jurídicos determinantes para o destino familiar de uma criança. Assim, observar as condições facilitadoras de eclosão dos conteúdos traumáticos pode promover a criação de novas metodologias de coleta de provas pelo Ministério Público.
Palavras-chave: neurose obsessiva infantile, trauma e criação, brincar.
O Brincar e a Realidade ou a realidade excessiva e o brincar: construindo narrativas para o encontro emocional
Denise Serber
Estamos acompanhando, atentas e preocupadas, o desenvolvimento das crianças diante da realidade de um mundo marcado pela eficiência e produtividade, cada vez mais tecnológico, veloz e saturado de informações. O que a brincadeira das crianças nos revela sobre a forma como estão se relacionando e se desenvolvendo emocional e psiquicamente? A partir do relato de duas situações clínicas, este trabalho pretende discutir algumas questões sobre o brincar repetitivo e sem narrativa, onde o brinquedo é utilizado como objeto sem função, características que têm marcado a infância atual. Nos deparamos com crianças cognitivamente inteligentes, de pensamento ágil e detentoras de informações dos mais diversos assuntos, entretanto apressadas, assustadas, ansiosas e solitárias, apresentando pobreza de fantasia e de recursos emocionais, o que não favorece a brincadeira compartilhada e genuína e, portanto, as trocas intersubjetivas. No primeiro caso, uma criança de 9 anos, excessivamente ansiosa e bastante criativa, passava as sessões inventando brinquedos, fazendo construções e experiências com melecas de maneira repetitiva, nas quais impedia a analista de compartilhar suas invenções e provocava um sentimento contratransferencial de desencontro emocional. A analista utilizou a sua função narrativa como ação interpretativa para promover a possibilidade do brincar compartilhado e o encontro emocional. No outro caso, uma criança de 5 anos encaminhada pela escola com um pedido de avaliação diagnóstica para verificar transtorno de hiperatividade, diante de sua agitação, brincava montando personagens, posicionando-os numa cena, horas de batalha, horas de aventura, entretanto sem que a brincadeira simbólica acontecesse. Quando era perguntado qual seria a história da brincadeira, a criança dizia que não sabia, que não tinha história. Através da função narrativa, o analista oferece sua prosódia e empresta sua imaginação na busca por construir uma relação intersubjetiva e um brincar compartilhado, especialmente com pacientes com insuficiência simbólica.
Palavras-chave: infância na contemporaneidade, brincar, função narrativa, intersubjetividade.