João Frayze-Pereira se encontra com o GT Pensamento e clínica não mecânicos de Christopher Bollas
por Juliana Vidigal Bruno[1] e Juliana Franchi Polakiewicz[2]
Foi com muito entusiasmo e alegria que o Grupo de Trabalho Pensamento e clínica não mecânicos de Christopher Bollas recebeu o antigo professor da USP, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, o Dr. João A. Frayze-Pereira, no dia 13 de junho de 2025.
O GT, já apresentado pelo proponente Sérgio de Gouvêa Franco neste Boletim, edição 73[3], teve início no segundo semestre de 2024 e os encontros presenciais, que acontecem mensalmente, têm permitido uma troca potente, tecendo teoria e clínica a partir da leitura dos textos e contribuições dos colegas de trabalho. Os encontros do grupo ocorrem regularmente na segunda sexta-feira de cada mês, com o objetivo de discutir a clínica e o pensamento de Christopher Bollas, bem como aprofundar a compreensão de sua obra.
Durante o percurso de cerca de um ano, além de uma leitura cuidadosa do livro A sombra do objeto (Bollas), o grupo também se dedicou ao estudo de artigos de outros autores. A leitura de vozes autorais distintas tem sido fundamental para ampliar as reflexões e enriquecer o percurso coletivo de estudo. A partir da leitura do texto: Uma poética psicanalítica. Christopher Bollas e a questão da experiência estética, de João A. Frayze-Pereira e das discussões suscitadas em torno das ideias ali apresentadas, surgiu o desejo de convidar o autor para um encontro, o que venturosamente se concretizou na última reunião do semestre, em junho de 2025.
Em seu artigo, João A. Frayze-Pereira explora o trabalho de Bollas, focando em como este estabelece uma profunda conexão entre a experiência estética, o fazer artístico e o processo psicanalítico. Para isso, retoma alguns conceitos fundamentais. O autor parte dos conceitos de experiência estética e de objeto transformacional. Retoma a definição de Bollas de experiência estética como uma recordação existencial da mais antiga relação do bebê com sua mãe: a mãe é vivenciada não como um objeto separado, mas como um objeto transformacional, um processo que altera o ambiente interno e externo da criança. A busca por experiências estéticas na vida adulta é, portanto, uma busca por essa sensação de transformação e integração do self.
Frayze reafirma que o objetivo de uma análise, segundo a perspectiva de Bollas, é permitir que o paciente desenvolva seu verdadeiro self, o que é alcançado através da articulação de seu idioma pessoal – uma lógica singular e inconsciente que governa cada indivíduo. Além disso, destaca a distinção que Bollas faz entre fado e destino, sendo o destino reconhecido como um potencial a ser realizado através da ação e do uso de objetos, vinculado ao desenvolvimento do verdadeiro self. O fado, por sua vez, é apenas prisão.
O artigo do psicanalista também ressalta a ideia, presente no trabalho de Bollas, de que a criatividade envolve necessariamente a destrutividade. Usando a metáfora de arquitetura de Bollas, Frayze explica que a construção de algo novo frequentemente exige a demolição do que existia antes. Da mesma forma, no processo psicanalítico, o uso criativo do objeto (o analista) pelo paciente implica uma forma de destruição que permite a transformação e o surgimento do novo, diferenciando essa “destrutividade” da maldade. O autor retoma o modo como Bollas estrutura a maldade como um processo intersubjetivo composto por várias etapas, conhecido como a arquitetura da maldade.
Por fim, Frayze reafirma aspectos do processo psicanalítico para Bollas, entre eles a posição do analista, que deve facultar poeticamente a aparição de uma inteligência da forma, pela qual se compõem e se articulam as inúmeras configurações do ser. Bollas reconhece que a arte pode inspirar os psicanalistas, assim como a psicanálise pode servir aos artistas.
Entusiasmado com a releitura do artigo, o GT recebeu Frayze, para encontro de trocas frutíferas. A presença do professor foi extremamente enriquecedora, pois além da oportunidade de retomar os conceitos teóricos abordados em seu texto, o psicanalista convidado também foi muito generoso em compartilhar experiências clínicas e pessoais. O grupo também pôde se beneficiar de sua escuta sensível e atenta às questões trazidas pelos diversos integrantes. Uma abordagem poética da clínica e seu modo singular de pensar a experiência estética, à luz da psicanálise, proporcionaram novas aberturas para investigações, inquietações e mais trocas.
Frayze compartilhou com o grupo que o livro A sombra do objeto, de Christopher Bollas, marcou significativamente seu percurso intelectual, e seu encontro com a obra foi através de uma amiga que o presenteou com o livro, por ter conhecimento do seu percurso acadêmico envolvendo a temática da estética. Sua trajetória acadêmica na Universidade de São Paulo teve início nos anos 70 e esteve voltada principalmente para o campo das artes, o que o levou a estabelecer interlocuções constantes entre a filosofia, a estética e a psicologia social. Desde então, desenvolveu uma postura crítica ao uso que a psicanálise faz da análise das artes, posicionando-se de forma contundente e constante acerca desse tema.
Durante o encontro, João sustentou que existe algo muito inovador e ao mesmo tempo consistente que marca o pensamento de Bollas. Para Frayze, Bollas exerce seu pensamento com muita liberdade e de forma bastante autoral. Ainda que Bollas tenha sua fonte de estudos em várias teorias, proposta por diversos psicanalistas, ao sugerir que a teoria implica uma perspectiva, torna-se evidente que sua escrita está profundamente enraizada em sua experiência particular. Assim, sua teoria serve como uma fonte de inspiração para que cada um, a partir de sua prática, encontre um modo próprio de construir seus pensamentos.
Frayze afirmou que Christopher Bollas teve um percurso acadêmico pouco convencional, sobretudo quando comparado aos trajetos mais tradicionais dentro do campo psicanalítico. Sua formação inicial foi em História, tendo realizado posteriormente seu doutorado em Literatura Norte-Americana. Foi na Inglaterra que ele ingressou na formação psicanalítica, vinculando-se a grupos independentes, onde aprofundou seus estudos em Freud, Melanie Klein, Winnicott, Bion, entre outros psicanalistas, filósofos e artistas. A partir desse repertório amplo e transdisciplinar, Bollas passou a desenvolver reflexões sobre uma variedade de temas: a associação livre, as diferentes formas de psicopatologia, as questões da maldade e da destrutividade, a escuta analítica, a interpretação e outros aspectos fundamentais da clínica. Embora seu conteúdo seja profundamente ancorado na teoria psicanalítica, sua escrita se destaca pelo estilo literário, o que confere à sua obra uma densidade poética e estética que o singulariza no campo da psicanálise contemporânea.
No texto discutido pelo grupo e na exposição preparada para o encontro, destacou-se a questão da experiência estética, tema recorrente na obra de Bollas que também atravessa o percurso de pesquisas de Frayze. A partir da pergunta: “Mas afinal, como Bollas define a experiência estética?”, foi possível testemunhar não só a transmissão de importantes conceitos de Christopher Bollas, como também dos pensamentos e articulações de João Frayze, que permitiram um encontro que não pretendeu encerrar reflexões, e sim, se reafirmar como um convite para prosseguir nessa travessia.
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[1] Juliana Vidigal Bruno é psicóloga e psicanalista, com experiência clínica no atendimento de adolescentes e adultos. Aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, participa de grupos de estudo e pesquisa em psicanálise.
[2] Juliana Franchi Polakiewicz é psicóloga, especialista em Psicologia na Rede Básica de Atenção à Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e psicanalista, aspirante a membro do departamento de psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[3] https://sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/boletimonline/2024/11/20/grupo-de-trabalho-pensamento-e-clinica-nao-mecanicos-de-christopher-bollas/