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Lou Andreas-Salomé e Lady Tempestade: possíveis aproximações entre dois monólogos

Ligia Ungaretti Jesus[1]

 

Recentemente assisti a dois monólogos que me impactaram profundamente: Minha vida: Lou Andreas-Salomé[2], interpretado por Luciana Borghi e encenado no auditório do Sedes Sapientiae na última sexta-feira, dia 8 de agosto de 2025[3] – e Lady Tempestade[4], com atuação de Andrea Beltrão. Enquanto eu falava de uma dessas peças numa roda de conversa, sem perceber comecei a falar da outra e de repente me vi fazendo uma série de relações possíveis entre as duas obras.

Vou tentar estruturar algumas dessas relações aqui: são dois monólogos, a respeito de duas mulheres, protagonizados por duas atrizes. Duas personagens verídicas com trajetórias pessoais de tirar o fôlego, ainda que por motivos diferentes. Duas mulheres cujas contribuições profissionais carecem de resgate histórico, o que ambas as peças tinham por objetivo.

Resgatar a história de duas mulheres.

A peça Lady Tempestade retrata uma defensora pública de Recife chamada Mércia Albuquerque, que registra em seu diário pessoal vivências ao defender presos políticos na ditadura militar do Brasil e eu, neta de um advogado que fez o mesmo (ainda que em menor escala), saí constrangida por perceber o tamanho do meu esquecimento em relação a essa parte da história da minha família. A atriz levanta o ponto do esquecimento inúmeras vezes e transita entre a personagem da advogada e o falar em primeira pessoa, como Andrea Beltrão, que tanto sofreu ao abrir mão do esquecimento.

Minha vida: Lou Andreas-Salomé conta a história da psicanalista, contemporânea a Freud, que fez importantes contribuições teóricas para a psicanálise e viveu de forma transgressora. Em determinado momento dessa peça, a atriz se virou de costas para o público e disse algo direcionada para o crucifixo fixado na parede do auditório do Sedes – momento que fiz questão de fotografar. Não foi a primeira vez que fotografei esse palco, mas nunca tinha enquadrado o crucifixo como parte da cena, e que enquadre!

Porém eu, mais uma vez constrangida, saí do evento ciente da minha total ignorância em relação a essa pioneira da psicanálise, ainda que eu mesma seja uma mulher psicanalista. Também nesse monólogo a atriz, Luciana Borghi, transitou entre a personagem e si mesma, fazendo diversos paralelos entre sua vida pessoal e a da psicanalista. Portanto, não duas, mas quatro mulheres foram retratadas nesses dois monólogos.

A ênfase na vida pessoal de todas elas pode ter incomodado alguns, dado nosso enorme esforço por conquistar espaços profissionais e reconhecimento por nossas contribuições teóricas. Mas confesso que saí profundamente tocada pelos relatos que, afinal, se borraram não só entre as atrizes e suas personagens, mas também entre palco e plateia, vida privada e vida pública, amor e trabalho. Saí muito tocada e nutrida pessoal e profissionalmente e concordando em absoluto com a última frase de Luciana Borghi: “Eu falei que eu não estava sozinha”.

 

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[1] Psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

[2] Direção: Fernando Philbert. Texto: Ricardo Alvarenga Hirata.

[3] O monólogo foi precedido pela mesa redonda Lou Andreas-Salomé: Contribuições à psicanálise contemporânea, com abertura de Ana Carolina Vasarhelyi de Paula Santos e participação de Ricardo Alvarenga Hirata, Renata Cromberg e Marina Bialer.

[4] Direção: Yara de Novaes. Dramaturgia: Silvia Gómez.

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