quarta-feira, 08 de junho de 2016 - 16h14

TEXTO – Calatonia: um Gesto de Amor
08 jun 2016

TEXTO – Calatonia: um Gesto de Amor

Durante aproximadamente duas horas falamos da calatonia e do seu criador, Petho Sandor, que se estivesse vivo, faria 100 anos este ano.  Poderíamos falar dele por um dia inteiro ou mais, mas não há como entender o seu legado sem sentir no corpo, e na alma, o resultado do seu trabalho. Não há como compreender o valor do seu trabalho sem ao menos ter sido tocado uma vez pelas mãos de um de seus discípulos. Ah, que sorte tiveram esses, de tê-lo como companhia por um ano,  ou por uma década… Isso sim é sorte! Ou seria um presente de Deus? A mim restou apenas imaginar, confinada, no fundo do meu intelecto, como seria olhar para tão iluminada alma em forma de um robusto homem. Saio sem saber o que escrever mas disposta a sentir a vida e seus sinais.

Nesta noite, conduzi, como sempre, o ritual caseiro do sono e deixei-me levar pelo inconsciente. Meu intelecto ainda estava acordado e me cutucava, com regras e pormenores, sobre o tipo de prosa que teceria para falar de ilustre figura, duvidando da minha capacidade. Quando senti-me relaxada ao lado de uma pequena e pura alma, ouvi um anjo cochichar no meu ouvido. Ele me dizia que, na ausência de um terapeuta, por que não realizar a calatonia em mim mesma, naquela noite? E se me imaginasse recebendo toques tão sutis quanto pensamentos ao vento? Poderia eu invocar a imagem do meu terapeuta? Teria sua permissão? Ao ouvir a ideia de experimentar a técnica a distância, ninguém se surpreenderia se me classificassem em um estado semelhante à estupidez ou à esquisitice. Pois a esses, resta-lhes apenas a ignorância, se da física quântica nunca ouviram falar.

Confinei-me em meu quarto, folheei algumas páginas de um livro sobre calatonia, como se a resposta estivesse pronta em uma de suas páginas,  e resolvi então aceitar  a sugestão desse anjo intrometido. Por certo ele sabia que eu estava precisando de alguma luz dentro da minha alma feminina e que insistente tristeza me paralisava como um soldado armado. Se certo empacamento me impedia de acender a lanterna da minha consciência, pensei em poupar trabalho de tão querido terapeuta e partir em busca da luz com autonomia e audácia.  E mais, se na maior parte das vezes dou ouvido aos demônios que me demovem de ideias brilhantes tornando-as ridículas e infantis, achei que seria justo dar o mesmo espaço agora para esse anjo com uma ideia talvez um pouco inusitada.  E que isso seja um segredo entre nós.

Pois assim seguimos. Deitei-me confortavelmente na cama e iniciei um relaxamento profundo, respirando e pensando em cada parte do meu corpo. Aos poucos, imaginei os dedos de meu terapeuta tocando as pontas dos meus dedos dos pés, delicadamente cada um deles, como sempre. Na sequência, embaixo dos pés, tornozelo e batata da perna. Assim percorri todo o ritual, até o fim.  Antes que me esqueça, e antes tarde do que nunca: “Desculpe-me meu terapeuta por roubar um pouco de você em hora imprópria talvez, sem pedir permissão. Mas em nome da nossa longa relação, tomei a liberdade de invocar a sua presença gentil e amorosa”.

Ao final da sequência de toques, mal posso descrever o que senti, senão como um profundo relaxamento e imensa paz. E que sono profundo se introduziu em meu corpo e me trouxe belos sonhos. São tantas as reações possíveis através da calatonia, em busca da cura do corpo e da alma, e que sorte têm os que podem contar com um anjo que os guie em busca de maior consciência.

Ao acordar, um sonho com ar de realidade parecia ter levado minha alma para um lugar distante, com cenas intensas e cheias de caminhos. O prazer de estar em outro lugar enquanto dormimos é, muitas vezes, um conforto, às vezes um pesadelo.  Prefiro os que me dão prazer, mesmo que não possa compreender todos os seus sinais. Contento-me com os sentimentos e deixo as interpretações a quem é de direito. Terminei minha experiência com uma grande sede. Sede de saber mais, de receber mais e de crescer mais.

Mas voltando ao princípio, o que dizer da calatonia e seu criador?  Que tão belo gesto se resguarde em mãos puras e sábias, por mais cem anos? Que a sua ciência não se perca em meio a uma medicina concreta e sem a experiência da relação curador e paciente? Ou que seus conhecimentos abram caminhos para criarmos uma nova relação com a doença? Seja qual for o destino, rezo para que sua essência perdure. E esta poderia se resumir a nada a nada mais nada menos do que uma representação do amor. Amor no gesto, amor na relação, amor no toque,  e por fim, amor na condução da luz.  Simples assim.


Adriana Paesman – aluna do curso Jung & Corpo do Instituto Sedes

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